Como os cubanos vivem o processo de
abertura e o primeiro ano de reaproximação com os Estados Unidos, que
anunciaram novas medidas para facilitar exportações e viagens para Ilha dos
irmãos Castro
Gisele Vitória, de Havana
presente dos funcionários da embaixada
americana em Havana
Dar bom dia à América não é tão simples quanto no espetáculo musical
cubano. Para muitos cubanos, soaria como mera rendição. O lema é ir devagar.
“Os americanos não são muito confiáveis”, diz um recalcitrante ex-dirigente
cubano. “As intenções não são tão nobres.”A real reaproximação dos Estados
Unidos com a Ilha ainda depende de rodadas de negociação e de um Congresso com
muitos republicanos radicalmente avessos à idéia. Mesmo que o apoio do
presidente americano Barack Obama tenha mudado o curso da história, o fim do
embargo econômico, o fechamento da base militar de Guantânamo e, em
contrapartida, a instauração de eleições diretas e a democracia em Cuba devem
levar tempo.
Ir à Havana ainda hoje é atravessar um portal no tempo de volta para os
anos 1950. Não se sabe até quando. Os chevrolets antigos, que dominam o tráfego
intenso na avenida do Capitólio, talvez estejam mais restaurados, com motores
novos trocados e importados dos Estados Unidos, via México. Mas a nova Cuba,
nesse ávido compasso de espera, ainda é a velha. Por mais que o período mais
dramático da economia tenha passado – nos anos 1990, com o fim da União
Soviética, quando o PIB do país despencou 34% -, os problemas econômicos ainda
são enormes. Seja pelo embargo americano, seja pela própria economia cubana,
regida pelas leis nacionais. Há 20 anos, Cuba vive com dupla moeda. Lá convivem
os CUCs, que são os pesos convertidos equiparados em 1 para 1 com o euro,
utilizados nas atividades de turismo, e o CUP, a moeda local. Para obter um
CUC, que vale 0,87 dólar, os cubanos precisam de 24 CUPs. O governo anunciou
que vai unificar as moedas, mas ainda não há prazo. Três décadas depois da
crise provocada pelo fim da ajuda soviética,o s mercados estão menos
desabastecidos, mas ainda é raro encontrar carne bovina e peixe. A exceção é o
frango. “O grande problema de Cuba é a economia”, diz um oposicionista. O cenário
é fruto exclusivo do embargo americano? Sim e não, apontam alguns cubanos. As
consequências do embargo são duríssimas, mas medidas criadas décadas atrás por
Fidel Castro também criaram deformações que refletem na economia. “Se um homem
mata uma vaca, ele pega 20 anos de prisão. Se mata uma pessoa, pega 17 anos”,
lembra um crítico do governo. A produção de carne de boi é exclusividade do
Estado.
24 HORAS DA CALIFÓRNIA
ATÉ CUBA – A epopeia que representa para um americano visitar Cuba foi sentida
na pele pela californiana Nancy Math, que se hospedou para uma temporada de 10
dias no icônico Hotel Nacional, em Havana. Residente em San Diego, ela levou 24
horas para chegar até a capital cubana. Ainda é dificílimo para cidadãos
americanos obter de seu governo a liberação para voar até a Ilha. Após
conseguir a licença para saídas em grupos, Nancy e seus amigos tiveram de voar
até a Cidade do México e de lá pegar um avião para Havana. “Apesar de ser tão
próximo, voamos a noite toda e mais um pouco. Isso aqui é encantador, mas
acredito que ainda vai demorar para as coisas ficarem mais fáceis”, diz ela,
que trabalha com turismo. “Decidi vir agora, antes que todos os americanos
venham.”
No mesmo hotel, quase todas as noites, dançarinos repetem o refrão “Buenos dias, América...”, enquanto entoam o grand-finale de um show de ritmos cubanos e caribenhos, no cabaret do Hotel Nacional. O cinco estrelas cubano, com 456 apartamentos, inaugurado em 1930, pertence ao Estado e hospedou líderes e celebridades que passaram pela Ilha, com exceção do papa Francisco, que lá esteve em 2015. Acostumado a hospedar levas de canadenses e nórdicos, o hotel viu dobrar o número de americanos que costumava receber. “Tive de aumentar o valor da diária de US$ 120 para US$ 170 porque a procura estava muito grande”, diz o gerente geral Antonio Martinez Rodriguez. Tony, como é conhecido, trabalhou décadas no gabinete de segurança do governo do hoje aposentado Fidel Castro. “Há muito por fazer ainda, das obras de infraestrutura nos aeroportos à hotelaria.” Havia apenas 4 fingers no aeroporto internacional de Havana.
REALIDADE
No alto, o taxista Rafael Leon, com seu Baleia 1956, joia de família que
garante seu sustento. A americana Nancy Math com a recepcionista de
hotel Jacqueline: ''Decidi vir agora, antes que todos os americanos venham''
No alto, o taxista Rafael Leon, com seu Baleia 1956, joia de família que
garante seu sustento. A americana Nancy Math com a recepcionista de
hotel Jacqueline: ''Decidi vir agora, antes que todos os americanos venham''
A ansiedade reluz no rosto sorridente de Alian Alarcon, funcionário do
restaurante russo Nazdarovie, no terceiro andar de um velho prédio com vista
para o Malecon, a avenida murada de oito quilômetros de extensão construída na
orla de Havana. Alian diz que o restaurante soviético, aberto há um ano, teve
triplicada a visita de turistas americanos nos últimos meses. “Eles veem pelo
México. Os americanos se encantam e dizem: ‘Apenas 90 milhas nos separam, e, o
que os cubanos têm de tão ruim assim que os Estados Unidos ainda dificultam
tanto a nossa vinda?’” No ambientes desses estabelecimentos conhecidos como
paladares – neologismo para definir restaurante em casa, cunhado a partir da
novela “Vale Tudo”, da Globo, na qual a personagem de Regina Duarte era dona do
restaurante “Paladar” -, é possivel medir o quanto a abertura e o fim do
embargo econômico, conhecido pelos cubanos como “el bloqueo” são aguardados em
contagem regressiva. Desde que ganhou força em 2010, um dos mais visíveis
efeitos do programa de reformas do presidente Raul Castro, que sucedeu o irmão
mais velho, em fevereiro de 2008, tem sido a multiplicação dos paladares em
Havana - uma concessão do Estado à moradores para explorar suas casas
comercialmente e reforçar o orçamento familiar. Os turistas já combinaram com
os russos. Agora falta combinar com o Congresso americano. Na semana passada,
os EUA deram a largada ao processo de liberação de viagens para a pátria do
socialismo nas Américas.
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