sábado, janeiro 30, 2016

Cuba: buenos dias, América

Como os cubanos vivem o processo de abertura e o primeiro ano de reaproximação com os Estados Unidos, que anunciaram novas medidas para facilitar exportações e viagens para Ilha dos irmãos Castro
Gisele Vitória, de Havana

BANDEIRINHAS AMIGAS : Gançons do restaurante San Cristóbal usam o pin Cuba-USA, 
presente dos funcionários da embaixada americana em Havana

Dar bom dia à América não é tão simples quanto no espetáculo musical cubano. Para muitos cubanos, soaria como mera rendição. O lema é ir devagar. “Os americanos não são muito confiáveis”, diz um recalcitrante ex-dirigente cubano. “As intenções não são tão nobres.”A real reaproximação dos Estados Unidos com a Ilha ainda depende de rodadas de negociação e de um Congresso com muitos republicanos radicalmente avessos à idéia. Mesmo que o apoio do presidente americano Barack Obama tenha mudado o curso da história, o fim do embargo econômico, o fechamento da base militar de Guantânamo e, em contrapartida, a instauração de eleições diretas e a democracia em Cuba devem levar tempo.
Ir à Havana ainda hoje é atravessar um portal no tempo de volta para os anos 1950. Não se sabe até quando. Os chevrolets antigos, que dominam o tráfego intenso na avenida do Capitólio, talvez estejam mais restaurados, com motores novos trocados e importados dos Estados Unidos, via México. Mas a nova Cuba, nesse ávido compasso de espera, ainda é a velha. Por mais que o período mais dramático da economia tenha passado – nos anos 1990, com o fim da União Soviética, quando o PIB do país despencou 34% -, os problemas econômicos ainda são enormes. Seja pelo embargo americano, seja pela própria economia cubana, regida pelas leis nacionais. Há 20 anos, Cuba vive com dupla moeda. Lá convivem os CUCs, que são os pesos convertidos equiparados em 1 para 1 com o euro, utilizados nas atividades de turismo, e o CUP, a moeda local. Para obter um CUC, que vale 0,87 dólar, os cubanos precisam de 24 CUPs. O governo anunciou que vai unificar as moedas, mas ainda não há prazo. Três décadas depois da crise provocada pelo fim da ajuda soviética,o s mercados estão menos desabastecidos, mas ainda é raro encontrar carne bovina e peixe. A exceção é o frango. “O grande problema de Cuba é a economia”, diz um oposicionista. O cenário é fruto exclusivo do embargo americano? Sim e não, apontam alguns cubanos. As consequências do embargo são duríssimas, mas medidas criadas décadas atrás por Fidel Castro também criaram deformações que refletem na economia. “Se um homem mata uma vaca, ele pega 20 anos de prisão. Se mata uma pessoa, pega 17 anos”, lembra um crítico do governo. A produção de carne de boi é exclusividade do Estado.
24 HORAS DA CALIFÓRNIA ATÉ CUBA – A epopeia que representa para um americano visitar Cuba foi sentida na pele pela californiana Nancy Math, que se hospedou para uma temporada de 10 dias no icônico Hotel Nacional, em Havana. Residente em San Diego, ela levou 24 horas para chegar até a capital cubana. Ainda é dificílimo para cidadãos americanos obter de seu governo a liberação para voar até a Ilha. Após conseguir a licença para saídas em grupos, Nancy e seus amigos tiveram de voar até a Cidade do México e de lá pegar um avião para Havana. “Apesar de ser tão próximo, voamos a noite toda e mais um pouco. Isso aqui é encantador, mas acredito que ainda vai demorar para as coisas ficarem mais fáceis”, diz ela, que trabalha com turismo. “Decidi vir agora, antes que todos os americanos venham.” 

No mesmo hotel, quase todas as noites, dançarinos repetem o refrão “Buenos dias, América...”, enquanto entoam o grand-finale de um show de ritmos cubanos e caribenhos, no cabaret do Hotel Nacional. O cinco estrelas cubano, com 456 apartamentos, inaugurado em 1930, pertence ao Estado e hospedou líderes e celebridades que passaram pela Ilha, com exceção do papa Francisco, que lá esteve em 2015. Acostumado a hospedar levas de canadenses e nórdicos, o hotel viu dobrar o número de americanos que costumava receber. “Tive de aumentar o valor da diária de US$ 120 para US$ 170 porque a procura estava muito grande”, diz o gerente geral Antonio Martinez Rodriguez. Tony, como é conhecido, trabalhou décadas no gabinete de segurança do governo do hoje aposentado Fidel Castro. “Há muito por fazer ainda, das obras de infraestrutura nos aeroportos à hotelaria.” Havia apenas 4 fingers no aeroporto internacional de Havana.

REALIDADE 
No alto, o taxista Rafael Leon, com seu Baleia 1956, joia de família que 
garante seu sustento. A americana Nancy Math com a recepcionista de 
hotel Jacqueline: ''Decidi vir agora, antes que todos os americanos venham''

A ansiedade reluz no rosto sorridente de Alian Alarcon, funcionário do restaurante russo Nazdarovie, no terceiro andar de um velho prédio com vista para o Malecon, a avenida murada de oito quilômetros de extensão construída na orla de Havana. Alian diz que o restaurante soviético, aberto há um ano, teve triplicada a visita de turistas americanos nos últimos meses. “Eles veem pelo México. Os americanos se encantam e dizem: ‘Apenas 90 milhas nos separam, e, o que os cubanos têm de tão ruim assim que os Estados Unidos ainda dificultam tanto a nossa vinda?’” No ambientes desses estabelecimentos conhecidos como paladares – neologismo para definir restaurante em casa, cunhado a partir da novela “Vale Tudo”, da Globo, na qual a personagem de Regina Duarte era dona do restaurante “Paladar” -, é possivel medir o quanto a abertura e o fim do embargo econômico, conhecido pelos cubanos como “el bloqueo” são aguardados em contagem regressiva. Desde que ganhou força em 2010, um dos mais visíveis efeitos do programa de reformas do presidente Raul Castro, que sucedeu o irmão mais velho, em fevereiro de 2008, tem sido a multiplicação dos paladares em Havana - uma concessão do Estado à moradores para explorar suas casas comercialmente e reforçar o orçamento familiar. Os turistas já combinaram com os russos. Agora falta combinar com o Congresso americano. Na semana passada, os EUA deram a largada ao processo de liberação de viagens para a pátria do socialismo nas Américas.

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