Unidades de Pronto Atendimento são porta de entrada para leitos criados para a Covid-19. Falta de estrutura já levou pacientes a óbito e dificulta estabilização para transferências a hospitais de campanha.
Por Marina Meireles
e Beatriz Castro, G1 PE e TV Globo

Unidade
de Pronto Atendimento do Grande Recife com superlotação de pacientes em abril
de 2020, durante pandemia da Covid-19 — Foto: Reprodução/WhatsApp
"A gente sempre soube que isso ia acontecer, sempre soubemos que não ia ter leito e equipamento para todos, mas você ver uma pessoa morrer com falta de ar na sua frente é uma das piores coisas que alguém pode presenciar. É agoniante ver o olhar de desespero. A gente tentou fazer o possível para ele, mas sem o ventilador, não conseguimos mantê-lo”.
O relato é de uma médica que
trabalha em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do Grande Recife, portas de
entrada para assistência na rede pública de saúde. Com a pandemia da Covid-19,
as unidades têm chegado ao limite.
“Eu entendi que estamos colapsando quando
nesse último fim de semana [25 e 26 de abril], num plantão noturno, recebemos
um paciente em insuficiência respiratória aguda, com indicação imediata de
tubo, mas não tínhamos respirador disponível - todos da unidade estavam sendo
usados”, contou a profissional, que preferiu não se identificar.
O paciente, segundo ela, tinha
histórico clínico sugestivo de Covid-19 e apresentava desconforto respiratório.
Seis horas após ser admitido, o homem faleceu, segundo a médica. “Chorei a
madrugada inteira", relembrou.
As UPAs são o ponto inicial do
caminho dos pacientes até os 1,1 mil leitos criados para o
enfrentamento ao novo coronavírus em Pernambuco. Os
profissionais de saúde que trabalham nesse serviço de atenção básica afirmam
que as unidades não receberam reforços para o tratamento de pacientes com
suspeita de Covid-19 e falam em colapso no sistema.
A médica contou, ainda, que um
casal de pacientes idosos deu entrada em uma UPA ao longo da pandemia e o homem
faleceu.
"Eles não saíam de casa e,
por isso, a família achava que não poderia ser Covid quando eles começaram a
apresentar tosse e febre. O marido foi a óbito e a esposa foi para casa. Ambos
eram Covid positivo", disse.
“Não sabemos mais o que dizer
para o familiar que fica na recepção da UPA, aguardando ansiosamente notícias
do seu parente internado, sem poder ir lá e dar um abraço, um aperto de mão.
Talvez seja isso que mais doa... Ver tantas pessoas vulneráveis e frágeis, sem
saber se vão viver ou morrer, com tanto medo e sem poder receber um abraço. Sem
poder ver um rosto familiar. Sem poder ver um sorriso”, disse a médica.
"Não tenho conseguido dar
conta da ansiedade e do medo de chegar em um plantão e não saber quantos óbitos
teremos, se vamos ter condições de tratar dignamente aquelas pessoas, quantas
histórias vamos encontrar, quantas histórias ali vão acabar".

Unidades
de Pronto Atendimento (UPA) no Grande Recife recebem pacientes com suspeita de
Covid-19 e de outras doenças — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
A cada semana, os médicos contam
que a situação tem piorado. "Antes de entrarmos em mitigação, recebíamos
uma demanda grande de casos possivelmente positivos de Covid-19, mas não havia
critérios para notificarmos. Isso foi um fator complicador, porque poderíamos
estar notificando e diagnosticando", contou.
Quando o estado confirmou os
primeiros casos de transmissão comunitária, em março, o relato foi de
desespero. A situação se agravou ao longo das semanas. "Em abril,
começamos a receber os casos com maior gravidade. Pacientes gravíssimos com
desfechos ruins em curto espaço de tempo. Independente da idade, independente
de comorbidades. E a cada semana que passa, piora", disse a profissional.
Diante do aumento da demanda, os
insumos e a estrutura não têm sido suficientes. "Não temos as medicações
necessárias para manejar esses pacientes, não temos profissionais para atender
todos com o mínimo de dignidade. Em uma das UPAs que trabalho, temos mais de
110 atestados na equipe, entre técnicos, enfermeiros, médicos. É muita gente
afastada. É muita gente doente. É muita gente com medo", disse a
profissional de saúde.
'É literalmente uma fila para o oxigênio'
A falta de adequação das UPAs
para enfrentar a pandemia é queixa unânime entre os profissionais de saúde
dessas unidades.
“Esse serviço, extremamente
essencial para a população, não recebeu nenhum tipo de estruturação para essa
pandemia. Continuamos com a mesma quantidade de médicos, enfermeiros, técnicos
e demais funcionários. Pacientes ainda sofrem Acidente Vascular Cerebral (AVC),
ainda se acidentam, ainda levam tiro ou facada e [têm sintomas] de Covid-19”,
contou uma segunda médica plantonista, que também atua em UPAs no Grande
Recife.
A falta de equipamentos
necessários para a falta de ar, o sintoma mais preocupante da Covid-19, é o
gargalo mais evidente nas unidades.
“Cada plantão é um desespero.
Cada dia chegam mais pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave,
precisando de suporte de oxigênio ou intubação e ventilação mecânica. Não temos
fonte de oxigênio para todos. Ficamos com pacientes na sala de medicação
esperando que outro seja transferido para ter direito à fonte. É literalmente
uma fila para ter direito ao oxigênio”, relatou a profissional.
"Leitos abertos tem vários. O problema principal é a UPA ter estrutura para receber essa grande quantidade de pacientes e conseguir estabilizá-los para enviar para esses leitos que o estado está abrindo", afirmou.'Descontrole total'
Quem também sente na pele os
problemas são os pacientes e familiares que precisam de assistência médica na
rede pública. Apresentando febre, tosse e falta de ar, o tio da tosadora Noeli
Félix esteve na segunda (27), na terça (28) e na quarta (29), na UPA da
Imbiribeira, na Zona Sul do Recife. Nos três dias, ele foi orientado a voltar
para casa.
“Moramos em Candeias [em Jaboatão dos Guararapes],
mas nos mandaram para lá porque a UPA de Barra de Jangada não tem mais vaga”,
contou Noeli.

UPAs
recebem casos suspeitos de Covid-19 e pacientes com outras enfermidades no
Grande Recife — Foto: Reprodução/TV Globo
No Recife, a situação também é de
superlotação, segundo a tosadora. “Se você visse como estava lá ontem [29],
você não acreditaria. É muita gente. Pelo fluxo de ambulâncias que chegam, você
vê que está um descontrole total. O clima está horrível. Por mais que se fale
disso, as pessoas não têm noção de como as coisas estão”, relatou.
Após três dias buscando
atendimento médico para o tio, Noeli afirmou que seu parente foi encaminhado
para casa. “Tentamos usar o aplicativo Atende em Casa, mas não conseguimos. Lá
dentro, meu tio disse que só recebeu soro e uma medicação para voltar para
casa. Vamos ter que tirar dinheiro não sei de onde para buscar um hospital
particular”, disse a tosadora.

UPA
da Imbiribeira, no Recife, com fila do lado de fora para atendimento de casos
suspeitos de Covid-19 nesta quinta (30) — Foto: Reprodução/TV Globo
Nesta quinta (30), a UPA da
Imbiribeira recebeu a diarista Cleonice Maria da Silva e o marido dela, Tiago Silva,
ambos de 34 anos. O esposo de Cleonice precisou ficar do lado de fora da
unidade, aguardando em uma fila. O casal chegou às 9h e, por volta das 12h,
Tiago ainda não havia sido atendido.
"Ele está sentindo dor de
cabeça, diarreia e 39 de febre. O atendimento está péssimo. Está muito cheio,
não tem médico. A gente vê a situação de tanta gente morrendo, enterrando como
indigente, e às vezes eu não consigo dormir", contou.
Profissionais
afastados
Com 1.649 profissionais de
saúdes que tiveram diagnóstico de Covid-19 até a
quarta-feira (29), o governo do estado criou uma central de atendimento
psicossocial que iniciou funcionamento nesta quinta (30). O Acolhe SES é uma central de
teleatendimento para tratar profissionais da linha de
frente e familiares de servidores doentes sobre conflitos emocionais e
ansiedade.
O atendimento é gratuito, feito
pelo número 0800 081 4100. As ligações podem ser feitas de segunda a sábado,
das 7h às 19h.
Secretaria
responde denúncias
Por meio de nota, a Secretaria
Estadual de Saúde (SES) informou que o atendimento nas UPAs funciona por meio
do Acolhimento com Classificação de Risco, sistema criado para "garantir
um atendimento mais rápido e resolutivo, priorizando os casos mais graves. Quem
chega às UPAs é visto, inicialmente, por um profissional de enfermagem. As
situações de alta complexidade, onde há risco à vida do paciente, são
encaminhadas aos médicos de imediato", diz o texto.
Ainda de acordo com a secretaria,
"é normal o aparecimento das queixas, principalmente dos pacientes que
possuem classificação verde ou azul (casos de baixo risco), que são
encaminhados para unidades de saúde de menor complexidade, como postos de saúde
e policlínicas".
Diante do momento de pandemia, a
SES informou que vem dialogando junto aos municípios para que as secretarias
municipais desenvolvam as potencialidades de sua rede de atenção básica".
A Secretaria não deu resposta às
denúncias dos profissionais de saúde sobre falta de equipamentos e de estrutura
para atender os pacientes.
Coronavírus
em Pernambuco
Foram confirmados, nesta quinta-feira (30), 682
novos casos da Covid-19 em Pernambuco, além de 27 novos óbitos.
Com esses acréscimos, o estado contabiliza 6.876 pacientes com a doença, além
de 565 mortes provocadas pelo novo coronavírus. Também houve 121 registros de
cura, elevando o total de recuperados a 1.074.

Dicas
de prevenção contra o coronavírus — Foto: Arte/G1
Blog do Paixão