sábado, junho 08, 2019

HISTÓRIA DE ARARIPINA: A VIDA RELIGIOSA




PADRE LUIZ GONZAGA KEHRLE 

Nasceu na Alemanha, a 02 de setembro de 1895. Ordenou-se sacerdote em 07 de dezembro de 1919, em Pesqueira. Foi vigário de Araripina de 14 de junho de 1923 a abril de 1951. Faleceu na cidade de Patu-RN, no mês de dezembro de 1984. 

A VIDA RELIGIOSA 

1 – A religiosidade do povo. 2 – Tempos de Coroinha. 3 – A Igreja Nova. 4 – Os padres. 5 – Outras Igrejas. 

A RELIGIOSIDADE DO POVO. Araripina nasceu sob signo da cruz e quando ainda a Fazenda são Gonçalo recebeu as bênçãos do Pe. Ibiapina, que ao construir a capelinha e o cemitério, em 1871, profetizou, segundo a tradição, que para ali viria um padre alemão e ergueria uma catedral e que da serra ia sair ouro para o resto do mundo. Em 1923, chegou a São Gonçalo Pe. Luiz Gonzaga Kehrle, alemão, que edificou a majestosa Igreja-matriz; na década de 40. Araripina exportou muita farinha, produzida na Serra, para todo o País e para o exterior. Estava cumprida a profecia do virtuoso missionário. 

O povo de Araripina sempre foi de muita fé e muito religioso. Antes da chegada do Pe. Luiz, o povo de São Gonçalo tinha uma religiosidade edificante. Mesmo fora dos tempos de desobriga do Vigário de Ouricuri, duas ou três vezes por ano, os habitantes da Vila se reuniam na capela para rezar o terço, diariamente, e, aos sábados, cantar o Ofício de Nossa Senhora, pela manhã. Faziam-se as novenas preparatórias das festas dos santos de maior veneração. A capela era cuidada com muito zelo. Praticava-se uma religião de piedade, com fervor e devoção. 

Pe. Luiz encontrou um ambiente propício ao desenvolvimento de seu trabalho apostólico. Além da celebração da missa e da administração dos sacramentos, cuidou da orientação cristã da comunidade, atuando através de instituições religiosas por ele criadas: o Apostolado da Oração, a Pia União das Filhas de Maria, a Congregação Mariana, a Congregação da Doutrina Cristã, a Pia União dos Santos Anjos, a Sociedade de São Vicente de Paula, além de incentivar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. 

Todas as cerimônias religiosas eram muito concorridas e não faltava a participação e a ajuda dos mais influentes do lugar, nas grandes festas do ano, principalmente, a da padroeira, Nossa Senhora da Conceição. Durante toda a quaresma, celebra-se a Via-Sacra, às quartas e sextas-feiras, à tarde, na preparação da Semana Santa, que começava com a missa de bênçãos dos ramos, no domingo e durante a semana, os atos da liturgia própria do tempo, culminando com a celebração da Missa de Aleluia, na noite do sábado para o domingo. No mês de maio, havia a celebração das noites festivas; em junho era o mês de se homenagear o Coração de Jesus; no Natal, era celebrada a Missa do Galo, à meia-noite; os primeiros sábados eram reservados às práticas de devoções à Virgem Maria, pela Pia União; as primeiras sextas-feiras de cada mês eram dedicadas ao Sagrado Coração de Jesus. Era assim que se praticava a religião em Araripina, uma religiosidade mística e contemplativa, mais do céu do que da terra, mais de santos do que de pecadores. 

2 - TEMPO DE COROINHAS. Eu achava tudo aquilo muito bonito. Após a missa da 1ª. Sexta-feira do mês, o Padre expunha o Santíssimo e o Apostolado da Oração se revezava na adoração até a hora da procissão, no interior da Igreja. O Padre fazia as orações de desagravo ao Coração de Jesus e formava-se o cortejo: a fila das congregações religiosas; atrás, o Padre devidamente paramentado de capa, conduzia o Santíssimo, no ostensório dourado, sob um pálio segurado nas quatro extremidades por piedosos zeladores; dois coroinhas, de batina vermelha, roquete e gola seguravam as abas da capa paramental do Padre; dois outros, conduziam grandes castiçais, com as velas acesas; um navetário e um turibulário, antecediam o padre; repicavam os sinos e tilintavam as campainhas; o cheiro agradável de incenso que ardia nas brasas do turíbulo, tomava conta do ambiente e a fumaça ocupava os espaço do alto, misturando-se com as vozes de todos, no cântico do arrependimento: 
Perdão, Senhor, por piedade! Perdoa a nossa maldade, Senhor! Antes de morrer, antes de morrer. Do que vos ofender! 
Eu gostava de ver a cerimônia e ficava morrendo de vontade de vestir uma batina daquela e participar do ato. Mas era preciso ser coroinha, aprender a ajudar a missa. Quem ensinava as “respostas” da missa era o sacristão. Primeiro, Seu Dércio e, depois Zé Cordeiro. Para ficar à direita do padre durante a missa, a fim de mudar o missal, servir ao padre vinho e a água das galhetas e segurar a patena durante a comunhão, o coroinha devia saber todas as “respostas”, desde o “introibo” até o “confiteor”, a mais comprida e mais difícil. Quando o candidato estava apto, era examinado pelo Pe. Luiz. Aquele que não “respondia tudo, não ajudava na missa sozinho. Muitos não passaram de coroinha de segunda categoria, porque não conseguiram decorar o latinório do “quia tu es, Deus, foritudo meã: quare me repulist et quare tristis incedo, dum affligit me inimicos”. Consegui passar no teste. Zé meu irmão, não passou do “ad DEum qui laetificat juventutem meam”. 

Com isso tomei gosto e pensei que tinha vocação para padre. Curti nove anos de seminário. Para decepção dos conterrâneos e surpresa da família, abandonei a carreira, depois de cursar a filosofia. 

No tempo de seminarista, durante as férias, gostava de acompanhar o padre nas desobrigas, viajando muitas léguas a cavalo. Ajudava a missa e a preparar as pessoas que iam fazer a primeira comunhão ou se casarem. A preparação consistia em “tomar as rezas”, o que era feito de ordinário, pelo sacristão. Certa vez, tomava as rezas de u’a moça que ia se casar. Trêmula, recitou todas as orações, Pai Nosso, Ave-Maria, Creio em Deus Pai, Salve Rainha. Ato de Contrição, etc. Perguntei-lhe pelos mandamentos da Lei de Deus. – Primeiro, amar a Deus sobre todas as coisas; segundo, não jurar seu santo nome em vão...quinto, não matar; sexto, LAVAR AS CASTIDADES..., era como sabia. Quase morro de rir. Na verdade, estava ela preparada de alma e corpo para o casamento. Um preceito de higiene constava de seus mandamentos. 

Tempos bons aqueles. E não me arrependo de tê-los vividos. 

3 - A IGREJA NOVA. Dois anos após sua chegada a São Gonçalo, Pe. Luiz lançou a pedra fundamental de uma nova matriz. Infelizmente, seus planos não puderam ser concretizados de logo, em virtude das dificuldades financeiras do povo, que se viu obrigado a gastar muito dinheiro, com o pagamento das despesas de custas da demarcação da antiga Fazenda São Gonçalo, levada a efeito pelas autoridades de Ouricuri, no ano de 1926. Pe. Luiz manteve o propósito e a determinação de uma igreja grande. Amealhou os tostões que pode, na paróquia e até no exterior, na Alemanha, e começou os trabalhos de construção da nova matriz. 

A obra estava em fase de conclusão, quando, no início do ano de 1937, ocorre o desabamento da torre. O mestre da obra encarregado da construção, anoiteceu e não amanheceu na Cidade. O revés não desestimulou Pe. Luiz, nem o povo. Os serviços foram entregues a João Teles, que deu a igreja pronta para ser inaugurada no dia 31 de maio de 1942. 

É uma importante e majestosa igreja. Arquitetura sóbria de linhas basicamente góticas, sem quebra da harmonia, ornamentada com vitrais de rara beleza, doação de ilustres personalidades de todo o Brasil, cujos nomes neles estão gravados: Cel. J. Pereira Queiroz, Dr. Hermiliano e Maria da Glória Assis, Joaquim Bandeira, Dr. Novais Filho, Casa Bernardino dos Santos, Major Gonzaga – Matriz da Glória (Rio de Janeiro), Dr. Manoel Novaes, Dr. Gastão Lobão, Dr. Eurico de Souza Leão, Dr. Mário, Dr. João Cleofas de Oliveira, Dr. Barbosa Lima Sobrinho, Dr. Oscar Barreto e Dr. Assis Chateaubriand. 

No ano de 1947, a 17 de outubro, por ocasião da primeira visita pastoral de D. Avelar Brandão Vilela, bispo de Petrolina, procedeu-se a benção solene dos novos sinos da igreja, em número de quatro. De toda a Cidade, agora, podia-se ouvir a badalada de sino, marcando as horas do relógio da torre da igreja. Zé Cordeiro ficava com um encargo a menos, o de ir bater nove horas da noite, no sino da igrejinha. 

De certo tempo para cá, os padres não têm cuidado de fazer a conservação da Igreja. Há pouco tempo houve um desabamento do forro, causando vítima. 

4 - OS PADRES. Pe. Luiz dirigiu a Paróquia de 1923 a 1951, mês de abril. Durante esse tempo, foi auxiliado pelos sacristãos Décio Rodrigues, até 1944 e José Cordeiro da Rocha, a partir de 24 de novembro de 1944. Zé Cordeiro aposentou-se em 1.º de março de 1984, mas continua ajudando na Paróquia, “sem compromisso”, como ele afirma. 

Pe. Gonçalo Pereira Lima substituiu o Pe. Luiz. Araripinense desde tenra idade, Pe. Gonçalo conhecia a Paróquia e os seus paroquianos. Viveu os seus problemas e conhecia de perto, também, o trabalho de Pe. Luiz. Deu continuação à obra pastoral e apostólica do seu antecessor. De 1963 a 1971, Pe. Gonçalo teve como vigário cooperador o Pe. Salvador Dimech, natural da Ilha de Malta e, hoje, laicizado. Foi também, durante certo tempo, coadjuvado por Frei Apolônio Matias, filho da Barra de São Pedro, de onde Pe. Gonçalo foi vigário por alguns anos. Distinguindo com o título de Monsenhor, foi deslocado para a sede da Diocese, em Petrolina, em fins de 1978. 

O Pe. Tarcísio Palene assumiu a Paróquia de 15 de janeiro de 1979 a 29 de outubro de 1981, quando foi substituído pelo Pe. Adriano de Vasino Ciocea, com a cooperação de Pe. Pedro Paulo Tormena. 

As reformas operadas na Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II, imprimiram uma nova filosofia ao seu trabalho de evangelização, que, a princípio, chocou a comunidade católica, principalmente a do interior, sobretudo a modificação no comportamento do clero. Há muita reserva ao padre moderno, sem batina, de bigode, frequentando clubes e boates, etc. 

Isso arrefeceu o fervor religioso do povo, estruturado secularmente em parâmetros místicos. Araripina não ficou imune a esses modernismos. 

5 - OUTRAS IGREJAS. Até o ano de 1950, não se conhecia outra religião em Araripina, senão a Católica Apostólica Romana. Não havia espaço para os protestantes, crentes ou “bodes”, como se chamavam pejorativamente os adeptos de outros segmentos evangélicos. A primeira família de crentes que chegou à Araripina fixou-se na Rua do Soco, arruado nas proximidades da Casa de Louzinho, distante um quilômetro do centro da Cidade. Foi um verdadeiro escândalo, causando revolta á população. Pe. Luiz reuniu um grupo de fiéis e tentou expulsar os “bodes” a pedradas. 

O povo em geral não aceitava os protestantes. As professoras faziam um bicho do protestantismo, nas aulas de religião das escolas. Muniz de Seu Né (Francisco Muniz Neto) escrevendo no jornalzinho do Grupo Escolar Pe. Luiz Gonzaga, sob o título “Uma Aula de Religião”, concluía o seu artigo da seguinte maneira: “E nós ararpinenses levantamos os olhos aos céus agradecendo a Deus sua excelsa bondade, não deixando haver aqui nenhuma igreja protestante” (1). 

Hoje, Araripina aceita pacificamente os diversos credos religiosos: a Assembleia de Deus, a Igreja Batista, a Congregação Cristã do Brasil (fundada por Dr. Josias Horácio, Juiz de Direito) e as Testemunhas de Jeová. Todos esses segmentos religiosos desenvolvem na comunidade seus trabalhos de evangelização e de cristianização, sem qualquer problema. Têm os seus templos bastante concorridos. 

Lamentavelmente, Muniz não viveu o tempo suficiente para ver “Pai Chiquinho” (seu avô Chico Cícero) orando piedosamente no templo da Igreja Batista e ouvindo a pregação do Pastor, de bíblia debaixo do braço. 
______________ 

NOTA 

(1) – A Voz do Araripe – Ano II. N.º II – Edição de 31.03.52 





31.05.42. Igreja Matriz de Araripina 0 a Igreja Nova. Vê-se ao fundo o Instituto Educativo São Gonçalo e a Casa Paraquial.
1947. A fotografia registra a 1ª Visita de D. Avelar Brandão Vilela, Bispo de Petrolina, a Araripina.


Fragmentos do Livro - Araripina, História, Fatos & Reminiscências

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