Dos principais articuladores de Bolsonaro no Congresso, só dois continuam ao lado do Planalto
André Shalders

Jair Bolsonaro e seus ex-aliados; deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), o ex-ministro Gustavo Bebianno e o deputado Luciano Bivar (PSL-PE) Foto: Agência Câmara | AFP | Agência Senado
BBC NEWS
O presidente Jair Bolsonaro terminará o ano com uma
longa lista de ex-super-aliados: pessoas que foram importantes no início do
mandato, mas hoje estão afastadas ou rompidas politicamente com o Planalto.
Dos principais articuladores de Bolsonaro no
Congresso, só dois continuam ao lado do Planalto: os líderes do governo na
Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO); e no Senado, Fernando Bezerra Coelho
(MDB-PE). Todos os outros deixaram de trabalhar com o presidente.
Foi o que aconteceu com a então líder do governo no
Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP); com o líder do PSL no Senado, Major
Olímpio (PSL-SP); e com Delegado Waldir (PSL-GO), então líder do PSL na Câmara
- partido pelo qual Bolsonaro se elegeu.
Mas a lista vai muito além do time de articuladores no
Congresso. Inclui desde antigos ministros como Gustavo Bebianno
(Secretaria-Geral) e Santos Cruz (Secretaria de Governo) até o presidente do
partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE).
Alguns dos ex-aliados hoje criticam abertamente
Bolsonaro, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP). Outros não costumam falar
contra o presidente, mas se afastaram — caso do ex-coordenador de campanha do
presidente no Nordeste, o deputado Julian Lemos (PSL-PB).
COMO A 'LISTA DE DESAFETOS' AFETA A POLÍTICA
Se três de quatro interlocutores do governo com o
Congresso deixaram de trabalhar com o Planalto, cedo ou tarde a articulação
política do governo começará a ser afetada, certo?
Mais ou menos. À BBC News Brasil, Joice Hasselmann
(ex-líder do governo no Congresso) e Major Olímpio (ex-líder do Senado) dizem
que continuarão votando com o governo por causa de uma afinidade com as ideias
do Planalto — conservadorismo nos costumes e liberalismo na economia.

'As pessoas que ele afasta ou não, ele as escolheu. Portanto, está
dentro do livre-arbítrio dele, do convencimento dele, dizer se mantém, ou não,
a confiança', diz o senador Major Olímpio Foto: Valter Campanato / Agência
Brasil
"Nós (PSL e Bolsonaros) fizemos uma campanha
juntos. Levamos uma bandeira para o povo brasileiro. As pautas que forem comuns
(entre o partido e o presidente) nós vamos continuar votando juntos", diz
Major Olímpio à BBC News Brasil.
"Eu tenho visto maturidade, tanto da Câmara
quanto do Senado. Não temos nos contaminado pela falta de articulação de
setores do governo. Por exemplo: o presidente saiu do PSL; e, no entanto, eu
estava agora (na última terça-feira, 17) fazendo a defesa da pauta do
governo", diz o senador.
"E isso tem sido uma lógica dentro do Congresso.
Mesmo sem ter articulação política, votamos a Previdência como um todo. Votamos
a previdência dos militares. Então, as pautas que são fundamentais, que são
caras ao país, nós não estamos nos contaminando por discussão de caráter
político-partidário ou ideológico. E creio que vai continuar assim", diz
Olímpio.
"As pessoas que ele afasta ou não, ele as
escolheu. Portanto, está dentro do livre-arbítrio dele, do convencimento dele,
dizer se mantém, ou não, a confiança. É de caráter pessoal, não dá para a gente
fazer um juízo de valor", diz o senador.

Alguns dos ex-aliados hoje criticam abertamente Bolsonaro, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
Joice Hasselmann têm avaliação parecida — muitos
políticos votam à favor dos projetos do governo por concordar com a agenda do
Planalto —, mas sugere que o jeito ruidoso do presidente atrapalha o trabalho
com o Congresso.
"A Câmara quer tocar as reformas (econômicas).
Então, estamos fazendo as reformas apesar do presidente", diz ela.
O estilo do presidente atrapalha muitas vezes a
governabilidade. Faz com que haja atritos entre os poderes. Isso é claro e
notório. É só olhar a retrospectiva do ano. A cada semana a gente tem uma
pequena crise. Ou causada pelo Twitter, ou por uma declaração, uma reunião que
vaza, então isso é muito ruim", diz Hasselmann à BBC News Brasil.
Joice Hasselmann se afastou do Palácio no
"racha" do PSL, em outubro. Ela assinou uma lista contra a tentativa
de Eduardo Bolsonaro de se tornar o líder do partido na Câmara. Em retaliação,
foi removida da Liderança do Governo no Congresso. Dias atrás, fez um duro
depoimento à CPMI das Fake News, no qual acusou o governo de ter gastado R$ 491
mil para difundir notícias falsas.
"Ninguém fica (no cargo) numa situação de
absoluta falta de cumprimento de palavra, de acordos, de desrespeito aos outros
poderes. Então, essa instabilidade se reflete no próprio trabalho dos líderes
aqui dentro. O que você tem para trabalhar é a sua credibilidade, é o
cumprimento da palavra. Não adianta o líder construir uma ponte todo dia e
alguém do Palácio jogar uma bomba e destruir esta ponte", diz ela.
A impressão do analista político Thomas Traumann é
menos otimista que a de Joice Hasselmann e Major Olímpio.
É apenas ocasional que a "lista de inimigos"
ainda não tenha cobrado seu preço na forma de derrotas políticas mais sérias,
diz ele.
"O governo tem uma base menor a cada mês, agora
com a cisão entre PSL e Aliança (pelo Brasil, o novo partido de Bolsonaro).
Isso vai cobrar um preço mais à frente", diz Traumann.
"O que foi aprovado pelo Congresso foi apenas o
que o Rodrigo Maia (DEM-RJ, presidente da Casa) quis — reforma da Previdência,
(privatização do) saneamento, (mudanças no) marco das telecomunicações. As
medidas de segurança pública, como excludente de licitude, foram arquivadas. O
pacote anticrime aprovado é o do ministro do STF Alexandre de Moraes, e não o
do (ministro da Justiça, Sergio) Moro", disse ele à BBC News Brasil.
Traumann avalia ainda que o surgimento do Aliança pelo
Brasil, novo partido criado por Bolsonaro e seus filhos, pode acabar acentuando
as tensões com o Congresso mais à frente. "Para crescer, a Aliança terá de
tomar espaço do DEM, do Republicanos, do PL etc. Partidos que hoje, se não
apoiam o governo, ao menos não causam problema", diz ele.
DESAVENÇAS EM SÉRIE
O primeiro aliado removido do governo, ainda em
fevereiro, foi o ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da
Presidência. Depois de coordenar a campanha de Bolsonaro em 2018, o advogado
carioca foi demitido após desentendimento com o vereador Carlos Bolsonaro
(PSC-RJ), o filho "zero dois" do presidente.
Hoje no PSDB, Bebianno se
tornou um crítico mordaz dos Bolsonaros. Carlos seria incapaz de
"raciocínio com início, meio e fim" e Eduardo (deputado pelo PSL-SP)
não passaria de "um surfista".
Assim como Bebianno, o hoje deputado federal Julian
Lemos (PSL-PB) teve papel importante na campanha presidencial — coordenou a
campanha do capitão da reserva no Nordeste, e tinha grande acesso ao
presidente. Hoje, está distante dos Bolsonaros, e atribui a mudança ao
comportamento dos filhos do presidente.
"Eu era muito próximo dele (Bolsonaro), o
considerava um amigo. Porém, hoje, a gente segue apenas um alinhamento de
pautas. Se houve um afastamento, não partiu de mim. Acredito que os filhos
contribuíram muito para isso. Então, as minhas queixas hoje… acho que o que foi
feito comigo não foi correto", diz ele à BBC News Brasil.
"Os filhos, de modo geral, não sabem lidar com o
poder. Não estou falando aqui por mágoa, estou apenas constatando. Isso não é
um problema meu, é um problema do presidente", diz Lemos.
"No meu caso específico, há uma narrativa, criada
pelos filhos, de traidor. E eu acho que traidores, na verdade, são eles. Com as
pessoas que os ajudaram", diz. "Já passei do meu limite de ficar
calado. Agora, não levo mais pancada calado. Se me bater, vou bater também.
Pode ser quem for", avisa Lemos.
Outro ex-ministro que fez críticas ao governo ao sair
foi o chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto
Santos Cruz. Ele, que despachava de dentro do Palácio do Planalto, caiu
depois de virar alvo de críticas do filósofo Olavo de Carvalho — que é próximo
dos filhos do presidente e influencia o pensamento da ala mais ideológica do
governo.

General Carlos Alberto Santos Cruz, que despachava de dentro do
Palácio do Planalto, caiu depois de virar alvo de críticas do filósofo Olavo de
Carvalho — que é próximo dos filhos do presidente Foto: Adriano Machado /
Reuters
Santos Cruz tem evitado falar publicamente sobre o
governo, mas já disse que a gestão de Bolsonaro era um "show de
besteiras" e que presidente era "nota 5" em habilidade política.
A última leva de atritos — e de ex-aliados afastados —
surgiu em outubro, quando Jair Bolsonaro tornou público seu desentendimento com
o comando do seu partido de então, o PSL. Bolsonaro disse a um apoiador em
frente ao Palácio da Alvorada para "esquecer" o PSL, e que o
presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE), estaria "queimado
para caramba".
Em novembro, o presidente deixou a sigla, e 26 dos 53
deputados pesselistas anunciaram a intenção de segui-lo. Dos 27 restantes, uma
parte se tornou crítica ao presidente.
Um destes é o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP).
Durante o racha no partido, Bozzella se aproximou de Luciano Bivar — em
novembro, foi escolhido como vice-presidente do partido.
Segundo Bozzella, Bolsonaro levou para a Presidência
da República o mesmo estilo que mantinha enquanto estava no Congresso, o de um
deputado de baixo clero. O que não necessariamente funciona para o comandante
do país.
"Na função de Presidente da República, há um
abismo para esse comportamento dentro do Congresso. Cada parlamentar aqui pode
ter o seu estilo. O Parlamento é democrático. Pode jogar para a sua torcida. Só
que quando você lidera uma nação, você tem que saber agregar. É preciso saber
cuidar das diferenças e dos diferentes", diz ele.
Blog do Paixão