A
ativista sueca, de 16 anos de idade, representa o antídoto à toda a ojeriza que
o presidente da República carrega em relação à preservação ambiental

2018 Greta Thunberg em um de seus primeiros
protestos: início solitário, mas hoje com apoio de milhões de jovens. Ao lado,
o famoso cartaz em que se lê: “Greve escolar pelo clima” (Crédito: Michel
Campanella/getty images)
Antonio
Carlos Prado e Gilherme Sette
Greta Thunberg é uma “pirralha”
com cabeça de adulta. Jair Bolsonaro é um adulto com cabeça de pirralho. Foi
com essa expressão que, na semana passada, ele se referiu a Greta, ativista
sueca de 16 anos de idade, ícone mundial na luta pela preservação do meio
ambiente, eleita pela revista americana “Time” como “Personalidade de 2019” e
indicada para receber o Prêmio Nobel da Paz desse ano. O pirralho grandão falou
o que falou, mais uma vez, diante do Palácio da Alvorada, onde costuma ficar
tirando selfies com meia dúzia de gatos pingados de apoiadores. Cercado pela
imprensa, ele se irritou com perguntas sobre o asassinato de dois indígenas no
Maranhão. “Qual o nome daquela menina lá de fora ? Greta! Já disse que índios
estão morrendo porque defendem a Amazônia. Impressionante a mídia dar espaço
para uma pirralha dessa aí, uma pirralha”. A história correu imediatamente pela
mídia e redes sociais, aqui e no exterior. Na quarta-feira 11, ao saber que
Greta era destaque na capa da “Time”, o presidente do Brasil, certamente com
inveja de ter sobre ele os holofotes do mundo queimados enquanto os dela estão
mais acesos do que nunca. voltou a chamá-la de “pirralha”. Não é nada difícil
perceber porque Bolsonaro se irrita com Greta, por qual motivo tenta sempre
desclassificá-la e humilhá-la: ela representa a antítese de toda a ojeriza que
ele carrega em relação à preservação ambiental. A irritação com Greta começara
quarenta e oito horas antes, na COP 25, realizada em Madri, quando a jovem
criticou pelo Twitter o duplo assassinato de índigenas da etnia Guajajara, em
uma emboscada no município maranhense de Jenipapo dos Vieiras: “Os povos
indígenas estão sendo literalmente assassinados por tentar proteger as
florestas do desmatamento. Repetidamente. É vergonhoso que o mundo permaneça
calado sobre isso”.
“Os povos indígenas estão sendo assassinados porque tentam proteger as florestas do desmatamento. É vergonhoso o mundo ficar calado” Greta Thunberg, ícone na luta pela preservação ambiental
Marco
civilizatório
Ao mesmo tempo em que agride
Greta, Jair Bolsonaro envia uma medida provisória ao Congresso Nacional, que
tem o bonito nome de “regularização fundiária” mas esconde uma armadilha: a de
dar aos grileiros as terras que eles roubaram a partir de 2014. A medida será
bombardeada no Senado, conforme já anunciou o presidente da Casa, Davi
Alcolumbre, mas chega a ser inacreditável a iniciativa do ex-capitão a favor da
grilagem: é presentear o ladrão com o produto de seu roubo. Greta é, dessa
forma, o antídoto a tudo aquilo para o qual o presidente fecha os olhos, isso
quando não apoia abertamente: desmatamento, queimadas, desprezo total pelos
indígenas, repúdio à preservação do meio ambiente. E, autoritário que é, Bolsonaro
não consegue assimilar que todos podem ter voz – até ele, é óbvio. Mas ela,
também! Como uma criança birrenta, o presidente não concebe a necessidade do
debate, um dos marcos civilizatórios imprescindíveis à democracia, não concebe
a ideia e a utilidade da crítica, não concebe o respeito que se deve ter em
relação a pensamentos de oposição. O seu comportamento com Greta em nada é
diferente, enfim, daquilo a que o País assistiu ao longo desse primeiro ano de
sua gestão.
O
lago de narciso
Mais do que caracterizar a
natureza de quem envereda pelo caminho da política, é da natureza humana os
atos de conciliar, compor e acolher. É isso que faz um pirralho virar gente
grande. Bolsonaro, contrariamente, age como se ele fosse a unanimidade das
unanimidades. Feito o personagem de Charles Chaplin em “O grande ditador”,
Bolsonaro deslumbra-se consigo e se julga dono do mundo. O planeta homenageia
Greta. E daí? Ele é o Messias! Trata-se de Narciso a maravilhar-se com ele
próprio, a mirar o seu rosto no lago (Paranoá?) e, quando muito, a escutar o
eco de seu nome. Fazemos aqui um breve resumo da mitológica lenda de “Narciso e
Eco”, após a maldição que lhes foi atirada pela deusa Afrodite, história tão
bem explorada pelos mestres da psicanálise Sigmund Freud e Jacques Lacan. Se
falamos de Narciso, é porque o narcisismo faz-se, idubitavelmente, um dos
traços da personalidade do nosso mais alto mandatário, e tanto é assim que uma
manifestação absurda de temperamento é cristalina: ele, um senhor na casa dos
64 anos de idade, estabelece uma competição unilateral de ego, com uma
adolescente de 16 anos, que não está nem aí para as patacoadas saídas do
Planalto. A irritação de Bolsonaro é dele e consigo próprio, mas o presidente
não consegue perceber esse fenômeno. É como se quisesse, ao se irritar com
Greta, mandar ao mundo o recado de que sua paixão por árvore no chão e floresta
ardendo é perfeitamente saudável e correta. Foi nesse raciocínio enviesado que
se negou a receber verbas da Alemanha e da França para preservação da Amazônia
e demitiu um dos cientistas mais respeitados do País, o então diretor do Inpe
Ricardo Galvão. Detalhe para o divã psicanalítico: ainda que ninguém concorde
com os métodos de Bolsonaro, ele achará que concordam, sim.
É, de fato, a irrealidade causada
pelo narcisismo exacerbado.
Greta sabe que tem uma
incomparável miríade de admiradores, e com certeza até se diverte ao ver um
chefe de Estado incomodar-se tanto. Esse comportamento de Greta fica
demonstrado na serenidade que ela transmite. No episódio atual com Bolsonaro, a
sua resposta foi somente a de trocar para “pirralha” a descrição em sua conta
oficial no Twitter. Troco dado de forma lacônica e adulta, mas cortante. Troco
dado de forma a denunciá-lo ao mundo. Troco dado, a ironizar quem a ofendeu.

2019 Greta discursa em Berlim: silêncio absoluto
enquanto ela fala; quando termina, o público delira com gritos e aplausos
(Crédito:reuters)
Ela
faz a diferença, ele não
Tal acontecimento nos lembra a
época em que um dos ídolos internacionais do capitão Messias, o presidente
americano, Donald Trump, disse que Greta devia ser uma garota “muito feliz”,
referindo-se à sua fisionomia. Trump foi um mastodonte em falta de educação ao
comentar dessa forma o semblante sério mantido por Greta, assim como a sua
expressão meio ausente. Isso se dá porque ela é portadora de Síndrome de
Asperger, um dos componentes do espectro autista. Mesmo diante de tanta
agressividade, ela se restringiu a incluir a qualificação “muito feliz” em sua
descrição no Twitter. Engana-se, no entanto, quem pensa que Greta tem uma
frágil personalidade. Certa vez, ao ser indagada sobre ter de andar protegida
por seguranças devido às ameças de morte que passou a sofrer, ela declarou que
esse fato tem de ser olhado como algo positivo: “é sinal de que estamos fazendo
a diferença; e aqueles que não se importam com o meio ambiente nos olham como
uma ameaça”. É com tais olhos que Bolsonaro a vê. Ela faz a diferença, ele não.
O mundo civilizado se põe respeitosamente aos pés da adolescente.

“(Greta) conseguiu criar uma mudança de atitude global, transformando milhões de vagas ansiedades em um movimento mundial que pedia mudanças urgentes. Ofereceu um apelo moral para aqueles que estão dispostos a agir e lançou vergonha para aqueles que não estão” Trecho da reportagem da revista “Time”
Após chamá-la de “pirralha” na
entrevista, Bolsonaro ordenou, como de costume, que seus assessores e
“acepipes” (desculpem, asseclas) explicassem que nada houve de errado, pois,
afinal, pirralho corresponde à criança ou pessoa de baixa estatura. A bem da
verdade, a emenda saiu pior que o soneto. Pirralho é uma palavra de origem
portuguesa, significa mesmo criança e gente de pequena altura. Geralmente,
porém, é dita em referência à criança chata — e pelas veias da irritação a
saltarem do pescoço de Bolsonaro, foi nesse sentido que ele se valeu da
expressão. Mais: Greta Thunberg não é mais criança, tem 16 anos, está já saindo
da adolescência. Mais ainda: ela mede um metro e sessenta e três centímetros de
altura. Dois centímetros a mais, e estaríamos falando da estatura média da
mulher brasileira. Bolsonaro e “acepipes” (desculpem, asseclas), vocês estão
equivocados: a mulher brasileira não é “pirralha”.

MERECIDOS HOLOFOTES Na COP 25, em Madri: um
batalhão de fotógrafos e cinegrafistas de todo o mundo querem uma imagem da
ativista (Crédito:Evgenia Arbugaeva/time)
Ursos famintos, depressão e ativismo
Nascida em Estocolmo, na Suécia,
em 3 de janeiro de 2003, o primeiro contato de Greta Thunberg com a crise
climática foi na sala de aula. Aos 11 anos de idade, um professor exibiu um
vídeo com consequências do aquecimento global — dentre elas, ursos polares
famintos, condições climáticas extremas e inundações. Nesse período, que seu
pai, Svante Thunberg, descreveu como “uma tristeza sem fim”, ela entrou em
depressão. Praticamente parou de falar e de se alimentar, quase foi
hospitalizada. Para o seu bem, a família adotou hábitos ambientalmente
conscientes como deixar de consumir carne, instalar painéis solares em casa,
cultivar os próprios vegetais e desistir de usar aviões. O tempo voou, e,
atualmente, mesmo com fama global, Greta mantém um estilo de vida simples.
Escreve um diário, escuta audiolivros e gosta de jogar Yatzy — um jogo de dados
que no Brasil é conhecido como General ou Yam. Optou pela greve escolar pela
primeira vez em agosto de 2018, a contragosto dos pais. Na ocasião, imprimiu
folhetos em que estava escrito: “Meu nome é Greta Thunberg, estou na 9ª série e
em greve estudantil. Já que vocês adultos não se importam com meu futuro, eu
também não irei”. Desde então, o movimento angariou milhões de estudantes pelo
mundo.
Blog do Paixão