Ele, que
tinha 57 anos, pediu perdão por maltratar animais antes de sucumbir ao câncer
de garganta
Por João Batista Jr.

A CONTA CHEGOU - Asa Branca, que
torturou cavalos com arame farpado: faleceu no leito do Icesp, em São
Paulo Lailson Santos/VEJA
Após um
longo período de tratamento e luta contra um câncer iniciado na região da
garganta, morreu no começo desta terça,
4, o locutor Asa Branca, de 57 anos. Ele estava internado no
Icesp, em São Paulo, onde deu a última entrada há duas semanas. Chegou em uma
ambulância alugada por sua mulher, Sandra dos Santos. Inconsciente, ele não
poderia imaginar que seria ali o fim de um vai e vem entre casa e hospital
vivido ao longo dos últimos dois anos. Waldemar Ruy Dos Santos batalhou
contra um câncer metastático na região da garganta, diagnosticado quase três
anos atrás. A doença avançou para o cérebro, língua e pescoço.
Meu
último encontro com o Waldemar Ruy dos Santos ocorreu no começo da noite de 19
dezembro, uma quinta-feira. No quarto 1803 do 18º andar do Icesp. O maior
locutor de rodeios da história do país estava deitado em uma das macas do
quarto. De pijama, olhos fechados e corpo protegido por um cobertor
azul-marinho, naquele momento pesava 55 quilos e tinha a pele branca –
resultado de uma crise de calafrio. A memória seguia intacta.
Asa
Branca puxou o primeiro assunto: estava emocionado porque um de seus cinco
filhos com cinco mulheres diferentes, a Lara, havia acabado de deixar o quarto.
A menina retornara de uma viagem ao Estados Unidos e, antes de ir para São José
do Rio Preto, onde mora, quis passar no hospital. Pai e filha tiveram uma
relação de admiração, mas sempre à distância. Asa não esteve em mais de três
festas de aniversário da menina. Com o tumor metastático e o agravamento do
estado de saúde, Lara quis vê-lo. Um pediu desculpa para o outro pelos
eventuais tropeços da relação. “Fiquei emocionado. Estou me sentindo leve”, me
disse Asa Branca.
Asa Branca com sua amiga Ingrid e
o livro que foi lançado em São Paulo: ida e vindas do hospital Acervo
Pessoal/VEJA
A visita
foi um alento para um dia tumultuado. Pela manhã, as enfermeiras tentaram
realizar uma broncoaspiração para tirar secreções do pulmão do paciente então
com pneumonia. Tomada pelo câncer, a boca de Asa Branca não abria mais do que 2
centímetros. A tentativa foi em vão. Após dores e irritações, Asa Branca
descobriu um câncer na garganta em março de 2017. À época, pesava 92 quilos.
Ele chegou a fazer 33 sessões de radioterapia para debelar a doença. O câncer
desapareceu por uns tempos, porém o tratamento deixou como sequela a perda
total do paladar.
O homem
que almoçava frango caipira três vezes por semana não distinguia mais o gosto
de beterraba ou salmão. Entrou em processo de perda de peso e desânimo. O
quadro se agravou em 2018, com a volta do tumor. Desta vez, na garganta, na
língua, no pescoço e na cabeça. Asa Branca e sua esposa, Sandra, foram aos
Estados Unidos tentar um tratamento novo. Não prosperou. Sentindo a morte se
aproximar, ele quis retornar ao Brasil. Chegou pouco antes do fim de 2018.
O ano de
2019 foi bastante difícil, passado quase em sua totalidade dentro do
apartamento de 60 metros quadrados alugado em Guarulhos. Ali, o homem outrora
forte tomava doses cavalares de morfina para aplacar a dor. O diagnóstico dos
médicos de que o caso era irreversível, que cirurgia ou quimioterapia não
resolveriam, abalou o locutor. Diagnosticado com HIV há mais de dez anos e
sobrevivente de uma criptococose, a doença do pombo, que o deixou seis meses
internado e com um saldo de sete cirurgias na cabeça, ele sentiu que desta vez
seria diferente.
Ao longo
do ano, Asa Branca me ligou algumas vezes para falar estar pagando toda a dor
que acredita ter causado aos animais. Queria pedir publicamente um perdão
público. Foi quando, debilitado e com a voz fraca, marcou um encontro com a
ativista Luisa Mell na Editora Abril, para falar sobre o assunto.
Ao
incentivar os maus-tratos em busca de fama, acredita Asa Branca, um castigo
divino caiu sobre ele na forma da sucessão de problemas de saúde. “Estou
pagando toda a dor que causei e incentivei os outros a causar nos bichos dos
rodeios”, diz, com a dicção bastante prejudicada pelos tumores, sem um pingo de
vestígio da voz potente que lhe garantiu sucesso e fortuna nos anos 90.

GLÓRIA E DOR - Os relacionamentos com famosas como Alexia Dechamps, Marília Gabriela e Isadora Ribeiro, o salto de helicóptero na arena e o encontro recente com Sérgio Reis: a queda ocorreu no mesmo ritmo da ascensão alucinante //Arquivo pessoal
Quando
era aprendiz de peão, ele amarrava arame farpado em pneus para depois jogar no
pescoço de cavalos. O sangue escorria pelas crinas enquanto os animais saltavam
com dores. Após um tombo em que quebrou quatro costelas e perfurou o pulmão,
mudou de ramo. Depois de uma temporada como imigrante ilegal no Texas, nos
Estados Unidos, trouxe na mala um microfone sem fio.
O negócio
era uma novidade na época no Brasil, e Asa Branca utilizou-o para começar a
narrar os espetáculos dentro da arena, em vez de ficar em cima de um púlpito,
como faziam seus concorrentes. Assim, seguuuraaaaa, peão!, revolucionou o
ofício e tornou-se o mais famoso profissional do gênero no país, justamente no
momento em que esses eventos começaram a ganhar musculatura e a se espalhar
pelo território brasileiro, junto com o estouro da boiada da primeira leva de
astros sertanejos. A glória ficou no passado.
Luisa Mell e Asa Branca em
gravação no estúdio VEJA, em São Paulo: perdão Kaio Lakaio/VEJA
No quarto
do Icesp em nosso último encontro, parte da conversa foi mantida com Asa Branca
de olhos fechados. Ele estava visivelmente cansado. Havia recebido naquela dia
o bilhete assinado pelo ex-governador Geraldo Alckmin, em visita ao hospital
para ver um irmão internado. “Ele descansou”, diz Sandra, sobre a morte. Ela
nenhum dia deixou o marido, que conheceu ainda na infância no jardim escolar,
sozinho. “O Asa morreu em paz: pediu perdão a quem precisava e eu tenho a
tranquilidade de ter feito tudo o que era possível”.
Ainda não
há informações sobre o velório e o enterro.
Blog do Paixão