Ministro da Justiça deixou o governo
alegando interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. 'Autonomia não
é soberania', afirmou Bolsonaro em pronunciamento no Planalto.
Por Guilherme Mazui, Gustavo Garcia e Laís Lis, G1 —
Brasília

Bolsonaro comenta decisão de Moro e fala sobre indicação ao Supremo
O presidente Jair Bolsonaro fez
um pronunciamento no final da tarde desta sexta-feira (24) no qual afirmou que
o ex-ministro da Justiça e Segurança Sergio Moro disse a ele
que aceitaria a substituição do diretor-geral da Polícia Federal, mas somente
em novembro, depois que fosse indicado para uma vaga de ministro do Supremo
Tribunal Federal.
Mais cedo, nesta
sexta, Sergio Moro anunciou demissão do cargo porque,
segundo o ex-ministro, Bolsonaro tentou interferir politicamente
na Polícia Federal ao decidir demitir o diretor-geral da
Polícia Federal, Mauricio Valeixo. Moro não aceitou.
Resumo
No pronunciamento,
em resposta à manifestação de Sergio Moro pela manhã, Bolsonaro afirmou que:
·
Sergio Moro condicionou a
substituição de Mauricio Valeixo à indicação dele, Moro, para ministro do STF;
após o pronunciamento do presidente, Moro contestou essa afirmação;
·
não tem de pedir autorização a
ninguém para trocar algum ocupante de cargo no Poder Executivo;
·
pedia a Moro, mas nunca obteve, um
relatório diário das atividades da PF para poder tomar decisões de governo;
·
durante a gestão de Moro, a PF estava
mais preocupada em investigar o assassinato da vereadora Marielle Franco, do
Rio de Janeiro, que o atentado sofrido por ele durante a campanha eleitoral;
·
se Moro queria ter independência e
autoridade deveria se candidatar.
·
STF
Sobre a suposta
proposição de Sergio Moro, de aceitar a demissão de Mauricio Valeixo, mas
somente em novembro
"Mais de uma vez, o senhor Sergio Moro disse para mim: 'Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal'. Me desculpe, mas, não é por aí”, declarou Bolsonaro.
A partir de
novembro, com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, o presidente da
República terá de indicar um novo ministro para o tribunal.
Após o pronunciamento de Bolsonaro, Moro escreveu em uma rede social: "A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF".
Exoneração 'a pedido'
Pela manhã, Moro
disse ter sido surpreendido com a publicação no "Diário Oficial da
União" da demissão de Mauricio Valeixo. A publicação era assinada por
Bolsonaro e por Moro.
"Eu não
assinei esse decreto, em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o
diretor da Polícia Federal fez um pedido formal de exoneração", afirmou o
ex-ministro.
No início da noite,
o decreto com a exoneração de Valeixo foi republicado pelo "Diário
Oficial" sem o nome de Moro.
Bolsonaro afirmou
no pronunciamento que Valeixo estava "cansado" e que comunicou Moro,
na manhã de quinta-feira, que seria publicada a exoneração do diretor-geral da
PF "a pedido".
"Eu falei que
amanhã, dia de hoje, o 'Diário Oficial da União' publicaria a exoneração do
senhor Valeixo, e pelo que tudo indicava, a exoneração a pedido", disse
Bolsonaro.
Segundo o
presidente, Moro relutou. Bolsonaro disse ter sugerido que eles conversassem
sobre um outro nome para comandar a PF.
"Bem, ele
relutou, o senhor Sergio Moro, e falou: 'Mas o nome tem que ser o meu'. Eu
falei: 'Vamos conversar. Por que que tem que ser o seu, e não o meu?' Ou então
vamos pegar, já que não vai ter interferência política, técnica ou humana,
pegar os que têm condições e fazer um sorteio. Por que tem que ser o dele, e
não possivelmente o meu? Ou um de consenso entre nós dois?", indagou
Bolsonaro.
Bolsonaro disse ter
conversado na noite de quinta (23) com Maurício Valeixo por telefone, ocasião
em que, segundo ele, foi acertada a exoneração do diretor-geral da PF a pedido
porque este estava se sentindo cansado.
“A exoneração ocorreu após uma conversa minha com o ministro da Justiça, pela manhã de ontem. À noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone, e ele concordou com a exoneração a pedido. Desculpe, senhor ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão, ser acusado disso. Essa foi a minha conversa com o doutor Valeixo”, disse Bolsonaro.
Crítica ao 'ego' do ex-ministro
Para Bolsonaro,
Moro tem compromisso "com o próprio ego", "consigo próprio"
e "não com o Brasil".
Antes de fazer o
pronunciamento, o presidente da República afirmou em uma rede social que
iria restabelecer "a
verdade" na fala à imprensa.
"Sabia que não
seria fácil. Uma coisa é você admirar uma pessoa. A outra é conviver com ela,
trabalhar com ela. Hoje pela manhã, por coincidência, tomando café com alguns
parlamentares eu lhes disse: 'Hoje, vocês conhecerão aquela pessoa que tem compromisso
consigo próprio, com seu ego e não com o Brasil'", declarou.
Bolsonaro fez a
manifestação no Palácio do Planalto, de pé, acompanhado de ministros do governo.
"Hoje, essa
pessoa vai buscar uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro.
Isso aconteceu há poucas horas", disse, em referência a Moro.
O ex-ministro
assumiu em 2019 o posto de ministro da Justiça e da Segurança Pública a convite
de Bolsonaro. Para isso, renunciou à carreira de 22 anos como juiz federal –
ele era o responsável pelos processos da Operação Lava Jato na Justiça Federal
em Curitiba.
Polícia Federal
Bolsonaro disse no
pronunciamento que pedia a Moro um relatório diário sobre atividades da Polícia
Federal, a fim de poder tomar decisões.
"Sempre falei para ele: 'Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo o dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro desta nação'. Eu nunca pedi a ele o andamento de qualquer processo, até porque a inteligência, com ele, perdeu espaço na Justiça, quase que implorando informações. E assim eu sempre cobrei informações dos demais órgãos de inteligência oficiais do governo, como a Abin, que tem à frente um delegado da Polícia Federal", declarou.
Ele afirmou que não
precisa de autorização para trocar qualquer ocupante de cargo no Executivo.
"Falava-se em
interferência minha na PF. Oras bolas, se posso trocar ministro, por que não
posso, de acordo com a lei, trocar o diretor da PF? Não tenho que pedir
autorização para ninguém para trocar diretor ou qualquer outro que esteja na
pirâmide hierárquica do Poder Executivo", declarou.
Segundo o
presidente, a Polícia Federal se preocupou mais em identificar os autores do
assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) que investigar o atentado
que ele, Bolsonaro, sofreu durante a campanha eleitoral.
“A PF de Sérgio
Moro mais se preocupou com Marielle do que com o seu chefe supremo. Cobrei
muito dele isso aí, não interferi. Eu acho que todas as pessoas de bem no
Brasil querem saber – entendo, me desculpe senhor ex-ministro, entre o meu caso
e o da Marielle, o meu está muito menos difícil de se solucionar",
afirmou. "Acredito que a vida do presidente da República tem um
significado. Que afinal de contas é o chefe de Estado. Isso é interferir na
Polícia Federal?", complementou.
Sobre a acusação de
Moro, segundo a qual Bolsonaro pediu para trocar o diretor-geral da PF a fim de
ter acesso a investigações e inquéritos, o presidente contestou. "Nunca
pedi para ele para que a PF me blindasse onde quer que fosse", disse.
Em um trecho do
pronunciamento, Bolsonaro reforçou que a indicação do diretor-geral da PF cabe
a ele e que, se um dia ele se "submeter a qualquer subordinado",
deixará de ser presidente.
"Acertamos, como fiz com todos os ministros, vai ter autonomia no seu ministério. Autonomia não é sinal de soberania. A todos os ministros, e a ele também, falei do meu poder de veto. Os cargos-chave teriam que passar pelas minhas mãos, e eu daria ao sinal verde ou não. Para todos os ministros, foi feito dessa maneira. Mais de 90% desses cargos que passaram pelas minhas mãos eu dei o sinal verde. Assim foi também com o senhor Valeixo", declarou.
No pronunciamento,
o presidente Jair Bolsonaro afirmou que jamais procurou Moro com o objetivo de
interferir em investigações que estavam em andamento.
No entanto, o
próprio presidente afirmou ter entrado em contato com o ex-juiz para tratar das
apurações envolvendo o porteiro do condomínio em que mora, o filho Jair Renan e
Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada em Bolsonaro durante a campanha
presidencial de 2018.
O presidente
afirmou não ter visto esse ato como interferência, mas como uma “súplica”.
“O senhor Sergio
Moro sabe que jamais lhe procurei para interferir nas investigações que estavam
sendo realizadas, a não ser aquelas. Não vi [como] interferência, as quais
foram uma súplica sobre o Adélio, o porteiro, e meu filho 04”, declarou o
presidente.
'Candidato'
Bolsonaro disse
ainda não ter "mágoa" de Moro, mas ressaltou que, aos deputados,
disse que eles iriam saber quem não o quer "na cadeira presidencial".
O presidente
afirmou também que, se Moro gostaria de ter "independência e
autoridade", deveria ser candidato.
"Eu não posso
conviver – ou fica difícil a convivência – com uma pessoa que pensa bastante
diferente de você", acrescentou.
Blog do Paixão