Helder Barbalho foi à Justiça para bloquear ação da PF; ele diz que é inocente
Ullisses Campbell / ÉPOCA
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), com os respiradores comprados para a pandemia Foto: Agência Pará
Todas as vezes que o governador do Pará Helder Barbalho (MDB) é acusado de ter cometido irregularidade na compra emergencial de 152 respiradores para tratar de pacientes com Covid-19, ele reage de forma combativa dizendo que foi “enganado” pelo vendedor. Em seguida, argumenta que ele próprio acionou órgãos competentes para investigar a empresa que ofereceu os equipamentos inadequados, a SKN Importação e Exportação de Eletroeletrônicos Ltda, que tem sede no Rio de Janeiro. Acontece que o empenho de Helder em investigar a transação fraudulenta com dinheiro público ocorre só no discurso.
Assim que o Ministério Público Federal determinou que a Polícia Federal investigasse a compra dos respiradores, Helder acionou a Procuradoria Geral do Estado (PGE) para tentar obstruir os trabalhos dos policiais. A compra foi feita em março, e os equipamentos desembarcaram em Belém vindos da China no dia 5 de maio.
No dia seguinte, surgiram os primeiros sinais de que os respiradores não serviam para tratar a doença. Seis dias depois, no dia 11 de maio, o governador moveu uma ação judicial para tornar nulo o inquérito 2020.004915 da PF, alegando que o delegado federal José Eloísio dos Santos Neto não tinha competência para investigar a compra dos respiradores porque a irregularidade não envolvia verba do governo federal.
“Inexiste sequer um real de verba federal utilizada na referida contratação (...) Portanto, não está dentro das atribuições da Polícia Federal a condução de inquérito para apurar supostos desvios de recursos e fraude em licitação quando a origem do recurso é estadual”, argumentou à Justiça Federal Ricardo Nasser Sefer, procurador-geral do Estado do Pará, ou seja, representante de Helder.
O juiz federal Rubens Rollo D’Oliveira, da 3 Vara Criminal no Pará, chegou a atender o pedido do governador e suspendeu a investigação. Mas mudou de ideia dois dias depois e mandou prosseguir os trabalhos da PF. “Verifico que o Governo do estado do Pará é potencial vítima de atuação ilícita de pessoas que podem ter fornecido equipamentos imprestáveis ou adquiridos com sobrepreço”, argumentou o juiz federal.
Em nota divulgada logo após a busca e apreensão da PF nas Secretarias da Saúde e da Fazenda do Pará, na Casa Civil, no gabinete e até em sua casa, Helder afirmou apoiar a operação que ele mesmo tentou barrar.
“Em nome do respeito ao princípio federativo e do zelo pelo erário público, o Governo do Estado reafirma seu compromisso de sempre apoiar a Polícia Federal no cumprimento de seu papel em sua esfera de ação. Informa ainda que o recurso pago na entrada da compra dos respiradores foi ressarcido aos cofres públicos por ação do Governo do Estado. Além disso, o governo entrou na justiça com pedido de indenização por danos morais coletivos contra os vendedores dos equipamentos”. Helder ainda não apresentou provas de que esse dinheiro, 25,2 milhões de reais, foi, de fato, devolvido aos cofres públicos.
A investigação da PF que Helder tentou obstruir descobriu que a forma como a compra milionária foi feita é amadora. O governador foi acionado pelo representante comercial André Felipe de Oliveira da Silva por WhatsApp. No aplicativo de conversas, Felipe e Helder se tratavam como “amigos” e demostraram, segundo a Polícia Federal, que já e conheciam bem antes da pandemia. O acerto foi feito da seguinte forma: O Governo do Pará anteciparia 50% do valor da compra, e os equipamentos chegariam um mês depois.
O carregamento de respiradores, ao chegar no aeroporto Foto: Agência Pará
Com um mês de atraso, os respiradores de desembarcaram no Aeroporto Internacional de Val-de Cans, e Helder fez questão de receber a mercadoria pessoalmente. No terminal de carga, ele gravou um vídeo institucional se vangloriando politicamente do feito. Vale ressaltar que a gravação do vídeo de recepção dos respiradores indica que, apesar do modo pouco usual das negociações, Helder imaginava ter comprado equipamentos que seriam valiosos para a saúde paraense. Descobriu logo depois que as máquinas não funcionavam.
Decepcionado, Helder gravou um outro vídeo indignado e quase chorando para lamentar o fato de ter sido ludibriado, enquanto pacientes morriam nos hospitais públicos por falta de respiradores. Nesse vídeo, ele se disse “enganado” por André Felipe, o representante da importadora SKN.
Na época, o Pará amargava o terceiro lugar no ranking nacional de mortos pela Covid-19 em 24 horas, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Até hoje (quarta 10/06), o Pará tem quase 4 mil mortos pela doença, e 62 mil pacientes infectados pelo novo Coronavírus.
O inquérito da Polícia Federal coloca em dúvida se Helder Barbalho sabia ou não que havia comprado equipamentos eram inadequados para UTI de tratamento para Covid-19, bem antes do descarregamento em Belém. O maior problema dos respiradores em questão era a baixa qualidade do produto. Uma pesquisa no site do fabricante atesta que os equipamentos são de uso pedagógico, ou seja, para manuseio de estudantes e professores.
No item "características do equipamento", a ficha técnica informa que eles devem ser usados "apenas para treinamento". Outra crítica feita por profissionais de Saúde sustenta que os respiradores são de uma marca desconhecida e sem peças para reposição no Brasil. Como essas máquinas ficam ligadas 24 horas por dia fazendo ventilação mecânica, elas necessitariam de manutenção periódica. O caso foi revelado por ÉPOCA no dia 9 de maio.
Segundo o inquérito, Helder Barbalho pagou pelos respiradores valores até 80% acima dos praticados no mercado, e adiantando o repasse financeiro antes mesmo de receber a carga, o que é incomum na administração pública em se tratando de compras sem licitação. No entanto, na época havia uma corrida por respiradores em todo o mundo, e os preços de fato subiram, com a imposição de dinheiro adiantado por parte dos vendedores. O governador nega irregularidades. A dispensa da licitação ocorreu por conta do caráter emergencial da pandemia de Coronavírus.
Outra descoberta da PF é que a SKN nunca havia importando equipamentos hospitalares antes da encomenda paraense e tampouco já havia feito negócio com outras unidades da federação. O primeiro cliente desse tipo de produto foi Helder Barbalho. Segundo informações da Junta Comercial do Rio de Janeiro, o capital social da SKN é de 11 milhões de reais.
O avião que levou os equipamentos para o Pará Foto: Agência Pará
A operação da PF no Pará, batizada de Para Bellum, que em latim significa “prepare-se para o combate”, foi autorizada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão, e mirou 14 pessoas no Estado, entre elas Helder Barbalho. A investida resultou na apreensão de documentos, computadores e telefones celulares, além do bloqueio de até 25,2 milhões de reais nas contas bancárias do governador e de outros sete servidores públicos (esse é o valor máximo, não o que de fato existe nas contas, e o bloqueio é determinado se houver até esse montante nas contas indicadas).
Entre os investigados está o secretário de Saúde, Alberto Beltrame, e seu adjunto, Peter Cassol. Na visita feita pelos policiais na casa de Cassol foram encontrados 750 mil reais em dinheiro vivo dentro de uma caixa térmica de 34 litros que os paraenses costumam usar para transportar açaí congelado. Helder acabou exonerando Cassol, mas manteve Beltrame no cargo.
Policiais que atuaram na operação Para Bellum não estão convencidos da ingenuidade de Helder Barbalho quando se fala da compra equivocada. As mensagens trocadas entre o governador e o “amigo” André Felipe sugerem uma “negociata”, termo descrito várias vezes no inquérito da Polícia Federal.
A tentativa do governador de obstruir a investigação federal, segundo policiais ouvidos por ÉPOCA, também sugerem que Helder tentaria resolver a irregularidade de forma doméstica. Na frente das câmeras, Helder se diz tão indignado quanto a população. Porém, nos corredores do palácio de onde governa o Pará, ele tem interpretado o nome da operação (Para Bellum) como uma provocação do Palácio do Planalto.
Helder, que já foi aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), agora se acomoda do lado oposto de trincheira. O governador do Pará vinha repetindo o discurso de que Bolsonaro estava na contramão do combate à pandemia do Coronavírus ao não apoiar as medidas restritivas, como o isolamento social e fechamento do comércio.
Helder também tem dito nos bastidores que a investida da Polícia Federal no Pará tem motivação política porque seu secretário de Saúde, Alberto Beltrame, que é presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), tem feito abertamente duras críticas à forma equivocada como o Ministério da Saúde vinha divulgando dados de mortes e contaminação da Covid-19 no Brasil.
“O governo federal está fazendo uma confusão desnecessária”, reclamou Beltrame quando o Ministério da Saúde passou a divulgar dados de óbitos a partir da data da ocorrência e não referente ao dia do registro, como é recomenda a Organização Mundial da Saúde.
Apesar de a deputada federal bolsnarista Carla Zambelli (PSL-SP) ter profetizado que a operação da PF investiria nos estados, citando inclusive o Pará, a ação de quarta-feira pegou Helder Barbalho de surpresa.
O jornal Diário do Pará, de propriedade da família Barbalho, foi às ruas no dia da operação com a manchete “Combate à Covid no Pará é modelo para o Brasil, diz ministro”, em referência a uma declaração dada no dia anterior pelo titular interino da pasta da Saúde, general Eduardo Pazuello. Segundo as previsões de Mãe Zambelli, o próximo alvo da PF será o governador João Dória (PSDB).
Blog do Paixão