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A CONTAGEM REGRESSIVA PARA DUAS MENINAS POR REMÉDIO COMPRADO PELO GOVERNO POR R$ 24 MILHÕES

Marina, de 1 ano e 10 meses, vai receber aplicação de medicamento mais caro do mundo na manha desta segunda (28); Maria Lúcia, de 1 ano e 4 meses, está internada no mesmo hospital em Curitiba e deve passar por procedimento nesta terça-feira (29)

Fernanda Bassette


Maria Lucia e Marina (à dir) vão receber nas próximas horas remédio pago por governo brasileiro Foto: Reprodução

Duas bebês de Brasília (DF) diagnosticadas com AME (Atrofia Muscular Espinhal) serão as primeiras crianças brasileiras a receberem o medicamento mais caro do mundo no Brasil com repasses do governo federal, que depositou integralmente o valor do remédio cumprindo ordem judicial – ao todo, R$ 24 milhões. Marina Macedo Lima Ciminelli, de 1 ano e 10 meses, receberá o Zolgensma nesta segunda-feira (28) e Maria Lúcia Salazar Luiz Pereira, de 1 ano e 4 meses, na terça-feira (29), no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).

Marina viajou de Brasília para Curitiba em uma UTI aérea na quarta-feira (23) para fazer os últimos exames e esperar a chegada do medicamento no Brasil. Maria Lúcia também viajou em uma UTI aérea e chegou na cidade no sábado (26). A compra e a importação do Zolgensma para as duas crianças foram articuladas de maneira conjunta. As duas caixas com o medicamento saíram dos Estados Unidos no dia 23, viajaram no mesmo avião e desembarcaram no Aeroporto Internacional de Guarulhos no sábado. Após os desembaraços aduaneiros e fazendários, seguiram escoltadas para Curitiba.


Os pais de Marina celebraram vitória na Justiça que garantiu compra de remédio de R$ 12 milhões Foto: Reprodução

Na semana passada, o governo depositou em uma conta judicial R$ 8,39 milhões destinados para a compra do Zolgensma para o bebê Arthur Belo, de 1 ano e 10 meses. No caso dele, a família conseguiu o restante do valor com doações na internet. Ainda não foi definida a data para a aplicação do remédio.

A AME é uma doença genética rara, neurodegenerativa que provoca atrofia progressiva dos músculos e pode levar à morte antes dos dois anos de idade. Ao contrário da maioria das famílias que têm os filhos diagnosticados com a doença, os pais de Marina e Maria Lúcia não quiseram fazer campanha de arrecadação do valor nas redes sociais e decidiram recorrer à Justiça Federal em busca da terapia gênica inédita. “Abrir campanha significaria expor a minha filha diariamente nas redes sociais e ser julgada o tempo todo. Eu não tinha tempo para isso, precisava cuidar dela. Por isso confiei na Justiça desde o começo”, afirmou a servidora federal Deilla Macedo Lima, 42, mãe de Marina.

Maria Lúcia é filha do defensor público e ex-deputado federal Valtenir Luiz Pereira, de 48 anos. Mais reservados, os pais também optaram por buscar o remédio pela via judicial e não quiseram falar sobre o assunto até conseguirem o medicamento. “Nós sabíamos que muitos pais faziam vaquinhas eletrônicas para tentar arrecadar o valor do remédio. Mas o impacto emocional do diagnóstico dessa doença já é tão forte que a gente não ia ter condições de fazer campanha”, contou Pereira.


Caixas do Zolgensma chegaram no sábado (26) no aeroporto de Guarulhos e seguiram para Curitiba Foto: Reprodução

O PRIMEIRO DIAGNÓSTICO

Marina começou a apresentar os primeiros sintomas da doença com 30 dias de vida: hipotonia e perda dos movimentos de braços e pernas. Após uma série de exames e visitas a vários médicos, foi diagnosticada com AME aos dois meses de idade, em janeiro de 2019. Naquela época, o Zolgensma ainda estava em fase de testes e a única terapia disponível era o Spinraza, da Biogen, uma medicação também de alto custo, mas que tem que ser usada pela criança pelo resto da vida.

“Meu marido passou mal quando a médica deu o diagnóstico. Eu não sei de onde tirei forças, mas só conseguia pensar: vou atrás desse remédio [Spinraza]”, contou Deilla. Naquele momento, a família de Marina entrou na Justiça contra o plano de saúde da filha para conseguir o Spinraza. A bebê recebeu a primeira dose aos três meses de idade.


Deilla viu melhoras na saúde da filha, mas não conseguiu evitar que a doença progredisse. Mesmo recebendo o Spinraza desde muito novinha, Marina ainda tem os sinais clássicos da AME: ela não anda, depende de ventilação artificial não invasiva e não consegue sequer engolir sozinha, por isso se alimenta por meio de uma gastrostomia (uma sonda que leva o alimento direto para o estômago). Por isso, ao saber da aprovação do Zolgensma nos Estados Unidos, a mãe não hesitou em recorrer à Justiça em busca da droga.

Deilla diz ter consciência de que o Zolgensma não vai curar sua filha, mas espera que a criança consiga evoluir numa proporção que seria impossível sem o remédio. “É claro que eu espero um milagre. Mas mesmo que ela nunca consiga andar, se um dia ela conseguir deglutir sozinha e respirar sem ajuda de aparelho, já estarei completamente realizada”, afirmou a mãe. “Conseguir respirar é muito mais essencial do que conseguir andar.”


Maria Lúcia está com procedimento agendado para receber remédio contra atrofia muscular espinhal Foto: Reprodução

OS SINTOMAS DA DOENÇA

A bebê Maria Lúcia começou a ter os primeiros sinais – corpinho muito mole – aos quatro meses de vida. Ao procurarem o pediatra, os pais chegaram a ouvir que eram “pais nutella”, que protegiam demais a criança e que não havia nada de errado com ela. Mas os sintomas foram progredindo, vários exames realizados, até que o diagnóstico de AME chegou quando ela estava com cinco meses, em novembro do ano passado. Naquele período, o Spinraza já era distribuído pelo SUS e a bebê começou a receber o remédio imediatamente.

Segundo Pereira, Maria Lúcia começou a apresentar alguma melhora a partir da segunda dose do Spinraza, mas também houve a progressão da doença. Assim como Marina, a bebê não anda, se alimenta por sonda no estômago, usa ventilador mecânico e depende de assistência 24 horas. Pesquisando sobre a doença da filha, o ex-deputado descobriu o Zolgensma. “Coincidentemente Maria Lúcia nasceu exatamente no dia que o Zolgensma foi aprovado pela FDA [agência americana semelhante à Anvisa, responsável pela aprovação de medicamentos].”

O ex-deputado entrou com a ação judicial em dezembro do ano passado e a primeira liminar saiu em maio desse ano. Assim como no caso de Marina, a União recorreu às instâncias superiores inúmeras vezes – os processos chegaram até o Supremo Tribunal Federal. Depois de inúmeros recursos, o governo federal depositou o dinheiro integralmente nos dois casos no início de setembro e agora as duas crianças receberão o medicamento promissor juntas.

“Eu sinceramente espero que após receber o Zolgensma Maria Lúcia consiga alcançar um desenvolvimento motor igual à qualquer criança da sua idade. Eu tenho muita fé de que esse remédio vai ser capaz de mudar a vida da minha filha, que vai permitir que ela se recupere e tenha uma vida muito próxima do normal”, afirmou Pereira.

Além das decisões judiciais para Marina e Maria Lúcia, o governo federal cumpriu recentemente duas ordens da Justiça para complementar o valor do Zolgensma para outras duas famílias: a de Arthur Belo, de 1 ano e 10 meses e a de Emilly Tolosa, de 2 anos. Nesses casos, a União depositou parte dos valores em contas judiciais e a outra parte as crianças arrecadaram em campanhas na internet, mas o medicamento ainda não foi comprado.

COMO AGE O REMÉDIO

O remédio de custo milionário é desenvolvido pela Avexis (que foi adquirida no ano passado pelo laboratório Novartis) e custa U$ 2,125 milhões (o equivalente a R$ 12 milhões). Trata-se da primeira terapia gênica do mundo indicada para o tratamento da AME. Os pacientes com a doença nascem sem o gene SMN1, responsável pela produção de uma proteína que alimenta os neurônios motores, que enviam os impulsos elétricos do cérebro para os músculos.

Sem essa proteína, ocorre a perda progressiva da função muscular e as consequentes atrofia e paralisação dos músculos, afetando a respiração, a deglutição, a fala e a capacidade de andar. O ineditismo do medicamento, que é aplicado em uma única infusão venosa, é que ele fornece ao paciente uma cópia sintética do gene SMN1, fazendo com que o corpo da criança passe a produzir essa proteína.

O SUS fornece o tratamento com uma outra medicação, chamada Spinraza, da Biogen, que também é um medicamento de alto custo. A diferença é que ele é uma terapia de uso contínuo e não dose única, é ministrado por meio da aplicação de seis doses no primeiro ano e três doses por ano pelo resto da vida do paciente ao custo aproximado de R$ 145 mil reais cada dose. E não é uma terapia genética – ele atua no gene SMN2, fazendo com que ele aumente a produção da proteína responsável por alimentar os neurônios motores.

Outra bebê, Marina Moraes de Souza Roda, hoje com dois anos, foi a primeira bebê brasileira a receber o Zolgensma em um hospital no Brasil no início de agosto. Mas no caso de Marina, os R$ 12 milhões foram arrecadados durante dez meses por meio de uma campanha nas redes sociais. Além dela, pelo menos outras 24 crianças estão em busca da medicação com ajuda da internet.

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