PUBLICIDADE

Type Here to Get Search Results !

cabeçalho blog 2025

FATO HISTÓRICO: 1992 - O ano glorioso em que nos livramos de COLLOR

Po Veja - 30 de dezembro de 1992


Às 6 da tarde de segunda-feira passada, véspera da data marcada para seu julgamento por crime de responsabilidade, o presidente da Dinda Fernando Collor enviou duas cartas ao Senado Federal. Num documento, comunicava a destituição de seus advogados, Evaristo de Moraes Filho e José Guilherme Vilella, que desde outubro estavam encarregados de sua defesa. No outro, intitulado Carta à Nação, apresentava-se como “vítima de uma campanha difamatória sem precedentes na História do país”, dizia-se preocupado com as “liberdades democráticas” e clamava por “um julgamento justo e imparcial”. Era a farsa dentro da farsa. 




Fiel ao único programa de governo que adotou desde que Pedro Collor disse que “PC Farias é o testa-de-ferro de Fernando”, o presidente da Dinda ensaboou mais uma operação para deslizar e fugir de seu encontro com a Justiça. Ganhou uma semana de UTI, programou uma ceia de Natal para doze casais na Dinda e continua despachando em seu gabinete interino até a nova sessão, marcada para esta terça-feira, dia 29. A farsa montada na véspera do julgamento no Senado tem tanto fundamento quanto a Operação Uruguai. Moraes Filho e Vilella perderam a suas atribuições no julgamento no Senado, mas continuarão defendendo o presidente no processo por crime comum que corre no STF. O clamor de Collor por “liberdades democráticas”, por seus “direitos políticos de cidadão” e pela “busca da verdade” é tão sincero como seus inesquecíveis pronunciamentos indignados pela televisão – aqueles em que falava de tudo, menos da verdade. Se estivesse interessado em provar sua inocência, dificilmente o presidente poderia contar com os serviços de profissionais mais bem qualificados que Moraes Filho e Vilella, titulares de duas das mais reputadas e caras bancas de advocacia do país. Ao optar pela chicana, um clássico golpe de advogados de porta de cadeia, apenas deixou claro que é um réu sem defesa. 


O lampião da Dinda: com um discurso de vinte minutos pronto para ler no Senado, Collor mudou de idéia e criou seu fato novo inspirado pelo presidente do STF



“Criminosos comuns” – “Foi um gesto indecoroso, que caracteriza ainda mais seu enquadramento nas leis do impeachment” afirma o jurista Clóvis Ramalhete, ex-ministro do STF. “Uma manobra como essa pode acontecer nas varas criminais onde se julgam criminosos comuns, mas nunca no Supremo”, acrescenta. “Foi uma nova confissão de culpa”, afirma o advogado paulista Miguel Reale Júnior. A caminho do cadafalso, sem sair da marca de 5 votos num cenário em que precisaria de 28 para uma imaginária volta ao posto, o que Collor pretende é tumultuar, confundir, complicar. Aproximando-se de seu desfecho, os acontecimentos tomaram um curso cujos desdobramentos são tão imprevisíveis como os traços gerais da personalidade do presidente da Dinda. O ex-ministro Affonso Camargo, que voltou a circular pelo local após uma temporada longe do chefe, acha que há chance de mais uma nova, manobra para adiar o julgamento desta terça-feira. “O presidente pode tentar mais uma protelação”, diz Camargo. “Está no seu direito”. 



Também cresceu no círculo de assessores de Collor a convicção de que o arsenal de truques está chegando ao fim e a renúncia tornou-se, agora, a alternativa mais segura para escapar à cassação do mandato e à perda dos direitos políticos por oito anos. O próprio Evaristo de Moraes Filho defende essa solução, bem como o veterano político Thales Ramalho, que Collor convocou como testemunha em seu julgamento. Outros aliados acham que, no íntimo, Collor dá a batalha como perdida e apenas espera fazer barulho suficiente antes de internar-se numa embaixada para pedir asilo como perseguido político. “Os senadores e o senhor Sydney Sanches decidiram o rio que é uma cassação de mandato do presidente Collor. O presidente quer mesmo criar na imprensa internacional essa imagem de homem cassado por uma quartelada parlamentar”, garante outro elemento da tropa de choque, o senador Odacir Soares. “É isso que está acontecendo”. 

Assim soube que o ministro Sydney Sanches, do STF, havia apontado o antigo procurador da República Inocêncio Mártires Coelho como seu advogado dativo, que irá defendê-lo à revelia, o presidente da Dinda passou a desmoralizá-lo. Encarregou o porta-voz Etevaldo Dias e um advogado, Fernando Neves, de elaborar uma carta denunciando Inocêncio como desinteressado em sua defesa. Mas o próprio Collor elaborou um outro rascunho e, como era de esperar, preferiu sua versão. Depois, ordenou a Etevaldo que lesse a carta várias vezes, em voz alta, até que ficasse satisfeito com o tom. A seguir, o porta-voz foi à televisão recitar o documento em que acusava Inocêncio de “descaso”, de não lhe ter dado sequer um telefonema, de ter mostrado “ausência de convicção firme” em sua inocência e que sua nomeação era mais uma prova da “parcialidade do processo contra mim movido”. Teatro puro. O que a Dinda esperava era que, constrangido, Inocêncio acabasse por renunciar à tarefa de defender Collor, abrindo espaço para a nomeação de outro advogado, capaz de promover novas chicanas. “Não colou”, admitiu um colaborador do presidente da Dinda, na quarta-feira, quando já estava em curso a manobra seguinte, a de nomear outro advogado, o criminalista alagoano Moura Rocha, que terá, como primeira missão, chicanar pedindo mais prazo. 

Fase Decadente 

O espetáculo da semana passada foi uma obra típica do mundo colorido em sua fase decadente. Na impossibilidade de fazer pronunciamentos pela TV ou de rabiscar os folclóricos bilhetinhos do pré-impeachment, agora Collor faz cartas e notas à imprensa. Na que chamou de Carta à Nação, faz uma afirmação que, levada a sério, seria motivo de escândalo. O presidente da Dinda afirma: “preferi conviver com os excessos cometidos pelos adversários a criar obstáculos ao exercício pleno das liberdades democráticas: a liberdade de imprensa de manifestação, a liberdade de opinião”. Na realidade, os presidentes não têm o direito de “preferir” respeitar as liberdades democráticas a criar obstáculos a seu exercício. São obrigados a fazer isso, como determina a Constituição. Caso contrário, devem ser afastados do cargo – num processo de impeachment. 

Na tarde da segunda-feira, em busca de apoio para a farsa da destituição dos advogados, o presidente da Dinda pediu a opinião do governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que, em outras épocas, deu calibragem política para as iniciativas do Planalto. ACM disse que Collor seria inapelavelmente derrotado no Senado e insinuou que o melhor desenlace para a situação seria a renúncia. Outro ausente é Ricardo Fiúza, que há três semanas visitou Collor pela última vez e também sugeriu que renunciasse. O ex-ministro ouviu uma resposta que o deixou atônito:”Você também está entre aqueles que acreditam que eu não vou voltar”. Na agonia collorida, não é mais possível mobilizar as raposas da tropa de choque pré-impeachment, mas apenas seus escalões inferiores e o pessoal que é pau para toda obra. O governador mais importante na operação é o primeiro-marido de Alagoas, Geraldo Bulhões. O parlamentar mais ilustre é Roberto Jefferson, que acusa Sydney Sanches de querer fazer o julgamento no dia 29 porque “em janeiro tem um encontro marcado com Pateta, Pato Donald e Mickey na Disneylândia”. Após meses de merecido esquecimento, infelizmente essas personalidades retornaram ao noticiário. São os únicos que ainda aceitam contracenar no espetáculo burlesco do presidente afastado. 

Na noite de sexta-feira, Collor até planejara sua ida ao Senado. O advogado Villela falaria por quarenta minutos, fazendo aquilo que na Dinda se chama de “denúncia política” do processo. Evaristo teria direito a outros quarenta, nos quais se ocuparia da defesa criminal do presidente, e, por fim, o próprio réu, Fernando Collor, assumiria a tribuna para falar por vinte minutos. O presidente da Dinda queria falar de improviso, mas foi convencido a ler um discurso redigido previamente. No sábado, Collor recebeu uma visita que aguardava há muito tempo. O aventureiro Amyr Klink, o navegador solitário que foi ao Pólo Sul num veleiro. Levado pelo amigo Luiz Estevão, Klink fez uma longa palestra sobre sua vida no mar e no gelo, jantou e jogou buraco com o presidente. 

A noitada terminou às 5 da manhã. É possível que as proezas do solitário Klink tenham tido algum efeito sobre a mente do presidente. No domingo, quando se reuniu com os advogados novamente, Collor avisou que havia mudado de idéia. “A avaliação dos aliados é que se não houver um fato novo não conseguiremos vencer”, disse. O fato novo era a destituição dos advogados, mas só foi anunciado com todas as letras no dia seguinte, quando Collor almoçou com sete parlamentares, mas o cunhado, Marcos Coimbra, e Luiz Estevão. 

Fidel Castro da Dinda 

Ainda na hora dos aperitivos, o assunto era outro. O senador Odacir Soares lembrou que no Congresso os rumores sobre a renúncia eram o assunto do momento. “Vejam bem, existem três hipóteses de comportamento nesse caso”, disse Collor. “A primeira delas é a renúncia dos advogados”. A segunda, a cassação dos advogados. Como essa terceira hipótese não cogito, não admito que se fale dela aqui.” Quando Collor anunciou a decisão de cassar os advogados, nem todos os animaram. “Estamos adiando uma execução”, disse o senador Áureo Mello, do Amazonas. Cada vez mais admirador de personalidades solitárias, Collor tentou animar o grupo buscando inspiração no ditador cubano Fidel Castro, com quem não se cansa de trocar elogios em entrevistas. 

“Quero que vocês entendam que estamos vivendo uma guerrilha. Quero que todos aproveitem as brechas dos adversários. É uma guerra de guerrilhas.” Guerrilha de cangaceiros, bem entendido. Leal, Odacir Soares sugeriu ao Lampião da Dinda que esperasse até 18 horas para ordenar que a jagunçada atacasse. Nesse prazo, estaria encerrada a última sessão do Congresso do ano e a nova data do julgamento teria de ser fixada, obrigatoriamente, para janeiro de 1993. Mas está cada vez mais difícil guardar segredos no Arraial da Dinda. Desconfiados de alguma manobra no ar, o presidente do Senado, Mauro Benevides, e o da Câmara, decidiram na mesma segunda-feira prolongar a convocação extraordinária do Congresso até 30 de dezembro, abrindo espaço no calendário para que o julgamento seja feito ainda em 1992. 



Trunfo da Manga 

Depois de se acertar com os cangaceiros, o Lampião da Dinda foi comunicar à decisão aos advogados e à sua Maria Bonita. “Sem fatos novos não conseguiremos vencer e vou ser condenado de qualquer maneira”, disse, “portanto, não quero que os senhores estejam lá amanhã. Digo aos senhores para não comparecerem.” José Guilherme Villela e Evaristo de Moraes Filho são os advogados que trabalham no mesmo caso há dois meses, ambos se respeitam, mas com o passar do tempo, cada um assumiu um papel diferente. Villela está sempre de acordo com as ideias do presidente e mostra-se cada vez mais alucinadamente otimista. Chegou a ficar eufórico quando o Supremo recusou uma liminar por 6 votos a 2, dizendo que não haviam recebido apoio de dois ministros de qualidade, Moreira Alves e Ilmar Galvão, enquanto a posição contrária era irrelevante “pois haviam sido votos políticos”. Numa observação do mesmo quilate, Villela disse, em entrevista, que a queda de um ministro da Fazenda, como Gustavo Krause, causava mais prejuízo ao país do que as aflições provocadas pela demora no desfecho do impeachment. Como era de esperar, Villela empolgou-se com a chicana do rei do cangaço. 


Evaristo resistiu. “Não posso fazer isso. Um advogado não pode se ausentar. A única forma de não comparecermos é o senhor cassar nosso mandato.” Collor prontificou-se a fazer isso. Evaristo insistiu. “Mas é arriscado. O julgamento pode ser remarcado em 48 horas. Não faltarão advogados para aceitar o cargo de dativo.” Collor tirou um maravilhoso triunfo da manga. Ponderou que, numa entrevista concedida ao Jornal Nacional na noite da sexta-feira, o próprio presidente do STF, Sydney Sanches, admitiu que, caso o presidente ou seus advogados não aparecerem no julgamento, a sessão poderia ser adiada. 

Consumada a fraude, Sydney Sanches, Ibsen Pinheiro e Mauro Benevides se reuniram para marcar o novo julgamento. Benevides pretendia dar quinze dias para Collor. Sanches queria uma solução intermediária, entre 5 e 11 de janeiro. O prazo de Ibsen era o mais curto, entre os dias 28 e 30 de dezembro. Os dois líderes do governo no Congresso, o senador Pedro Simon, do PMDB gaúcho, e Roberto Freire, do PPS de Pernambuco, pediram uma solução rápida. “Não podemos arriscar um quebra-quebra generalizado nas ruas”, disse Roberto Freire. O senador tucano Mário Covas e o ministro (também tucano) Jutahy Magalhães foram ao gabinete de Mauro Benevides pedir pressa. Na mesma noite em que marcou a nova data de julgamento, Sydney Sanches deu um telefonema em seu gabinete no Supremo para convocar Inocêncio Mártires Coelho para assumir a defesa de Collor. O advogado aceitou na hora. “Não se pode pensar muito nessas ocasiões, especialmente sendo uma causa tão importante”, diz ele. Na conversa com o presidente do Supremo, Inocêncio explicou que considerava o prazo de uma semana suficiente para preparar a defesa do presidente da Dinda. “Terei sete dias e sete noites para estudar. Não preciso de mais.” Depois de tomar conhecimento de toda a papelada do processo , Inocêncio trancou-se em casa na terça-feira. 

A chicana da destituição não surpreendeu quem segue o comportamento do presidente desde o início do processo, mas pegou de surpresa autoridades que aprenderam a admirar os dois advogados. Na mesma segunda-feira, conversando com assessores, o vice Itamar Franco perguntou se já passaria o Natal com a faixa presidencial no peito. O ministro da Justiça, Maurício Corrêa, disse que achava que sim, a não ser que Collor destituísse os advogados. “Mas não acredito nisso, dado o caráter dos dois”, profetizou o ministro. No final da tarde, surpreso com a medida, Corrêa estava desconsolado. “Destituição é o expediente usado pelo cliente que não confia mais em seu advogado. Não de pode usá-la como uma casca de banana, uma malandragem.” O Lampião da Dinda parece acreditar na existência de um arsenal infinito de truques para ser aplicado antes de seu julgamento. Esse fato coloca uma questão nos ombros do presidente do Supremo, Sydney Sanches. O ministro terá a proa da verdade em sua carreira nesta terça-feira. É um teste a que já foram submetidos todas as personalidades envolvidas, até agora, com as investigações sobre o esquema Collor-PC. Encarregado do inquérito na Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda comandou uma investigação histórica, pela abrangência do levantamento e pela riqueza de detalhes apurados. Chamado a presidir a CPI, o deputado Benito Gama desincumbiu-se da tarefa com nota 10. Encarregado de presidir a votação na Câmara, o deputado Ibsen Pinheiro teve uma tarde memorável e pavimentou seu futuro político. Agora, como presidente do julgamento no Senado, chegou a vez de Sydney Sanches mostrar a que veio. 

Órgão de Consulta 

O ministro já patenteou um estilo de trabalho que o diferencia de seus antecessores. O delegado Lacerda nunca deu uma entrevista sobre o seu trabalho, o deputado Benito Gama manteve seu voto em segredo até o momento de votação do impeachment na Câmara, Ibsen Pinheiro não revelou sequer à mulher, dona Laila, os passos definidos para a votação do afastamento do presidente. Quando disse que “a mesa da Câmara não é órgão de consulta”, Ibsen Pinheiro estabeleceu o mais adequado manual de comportamento para a situação. Negou-se a especular sobre hipóteses, a avançar sobre as reações possíveis diante dessa ou daquela manobra da tropa de choque collorida. Sydney Sanches agiu, até aqui, de forma contrária. Na sexta-feira, deu aquela entrevista à Rede Globo informando, aos interessados, que o julgamento de Collor poderia ser adiado – bastava, para isso, que o próprio presidente afastado ou seus advogados não comparecessem à sessão marcada para 72 horas depois. Nesse caso, explicou o ministro, ele seria obrigado a nomear um advogado dativo e marcar uma nova data para o julgamento. Na terça-feira passada, Sanches já especulava sobre outras hipóteses. Chegou a dizer que o julgamento poderia ser adiado, novamente, caso a mãe do presidente, dona Leda, em estado de coma no Albert Eisnstein, em São Paulo, viesse a falecer. Também admitiu a hipótese estapafúrdia de ser obrigado a adiar a sessão caso uma das testemunhas fosse sequestrada. 

As personalidades jogadas ao centro do furacão do impeachment foram capazes de superar-se, revelando uma força desconhecida para com romper com velhos hábitos e resistir a pressões. Benito só presidiu a CPI porque o Planalto achava que “ela não ia dar em nada”. Ibsen era um aliado de Orestes Quércia quando assumiu a presidência da Câmara, e muita gente sentia-se no direito de confundi-lo com o antecessor Mendonça Paes de Andrade. Sydeney Sanches só virou presidente do tribunal por uma acaso. A vaga, naturalmente, cabia a Francisco Rezek, que se afastou para assumir o Ministério das Relações Exteriores de Collor e, ao retornar ao tribunal foi parar no fim da fila. Sanches só foi para o STF graças a um padrinho poderoso no governo de João Figueiredo, o empresário Georges Gazales, conhecido pela habilidade de traficar influências e distribuir dólares para jornalistas que cobriam a rotina do presidente. Conhecedor da amizade que une o presidente do STF a Gazale, Collor chegou a procurar o empresário para uma conversa, há cerca de dois meses. 

Na terça-feira passada, Sanches assumiu uma atitude escrupulosa diante da manobra de Collor. Na opinião do advogado Sérgio Bermudez, responsável por uma das grandes bancas do Rio de Janeiro, o presidente do STF nem precisaria ter nomeado Inocêncio Mártires Coelho para a vaga deixada pelos advogados do presidente. “O julgamento só não aconteceu na data prevista por excesso de escrúpulos de Sydney Sanches”, afirma Bernadez. “Não há lei que compactue com manobras. Foi visível e inquestionável que Collor quis forçar uma adiamento. É puro faz-de-conta admitir a destituição dos advogados, na situação em que ocorreu, como um ato normal. Ele poderia ter feito o julgamento do presidente sem nenhum constrangimento. “No comando do plenário que terá a palavra final sobre o destino de um presidente da República, é natural que Sydney Sanches seja cauteloso e ofereça, ao réu, regalias até maiores do que as dispensadas a um acusado comum. Existe um limite, no entanto, para a prudência. Um dos motivos que fizeram do impeachment uma das mais belas histórias da política brasileira foi sua capacidade de revelar homens à altura de suas responsabilidades, capazes de separar a verdade da mentira, o dever da amizade, a consciência do interesse. A questão, agora, é entre a Justiça e a chicana. E ela está nas mãos de Sydney Sanches. 

A defesa Impossível 

Presidente afastado não tem argumentos 


Na segunda-feira, poucas horas antes de anunciar a destituição de seus advogados, o presidente afastado Fernando Collor distribuiu aos senadores um papel que pretendia ser o pilar de sua defesa no processo de impeachment. Com 28 páginas, o pomposo título de Memorial de Defesa e uma redação jurídica competente, o documento é um resumo do processo de impeachment visto sob a ótica de Collor. 

Dividido em duas partes, na primeira o memorial faz críticas à velocidade do processo de impeachment. Na segunda, contesta a versão de que Collor se beneficiou do dinheiro público arrecadado por PC Farias. Através do próprio documento, descobre-se que não é tempo o que falta ao presidente afastado para defender-se das acusações. O que falta são argumentos de defesa. “Como peça jurídica, o documento tem qualidade”, reconhece o senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. “Mas não mudou o meu voto”. 

O documento sustenta que o dinheiro com que Collor pagou suas despesas pessoais, comprou o Fiat Elba e reformou os jardins da Dinda veio dos recursos da Operação Uruguai e das sobras de campanha eleitoral. “A prova colhida no processo leva a admitir que os recursos de campanha, notadamente durante ela, e o resultado das aplicações do empréstimo obtido no Uruguai foram a fonte real dos depósitos de pagamentos”, afirma o memorial. Os advogados de Collor fizeram o que puderam diante das circunstâncias, mas seus argumentos têm a fragilidade de um castelo de cartas. Até hoje, não há uma prova de que os contratos da Operação Uruguai sejam originais. Mesmo que fossem, os destinatários do dinheiro foram Cláudio Vieira e Najun Turner e não PC, o homem que pagava as despesas de Collor. A outra barbaridade no argumento é que ele se transforma numa confissão de culpa. PC não poderia ter repassado fundos de campanha para Collor simplesmente porque o confisco dos cruzados tirou todo dinheiro de circulação. O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos sustenta que Collor recebeu dinheiro depois do confisco, como de fato ocorreu, a sua origem é ilícita. “Collor é tão culpado que não precisa de acusação nem tem como se defender”, diz Saulo. 

O ex-advogado de Collor, Evaristo de Moraes Filho, pretendia sustentar a tese de que o seu cliente usara sobras de campanha para se manter chamando para depor o deputado Thales Ramalho. Ele iria dizer que os candidatos usam recursos financeiros sem conhecimento do partido – uma forma de justificar porque o dinheiro que manteve Collor como uma amante teúda e manteúda não aparecia nas contas do PRN. Evaristo contava também com a capacidade de sua retórica, reconhecidamente fulgurante. Dias antes da farsa para adiar o julgamento, ele disse a Collor: “O senhor me arranja quinze senadores que os outros eu ganho na tribuna”. Seu plano era que ministros como Marcílio Marques Moreira e Adib Jatene jamais compactuariam com a corrupção. “Modéstia à parte, minha defesa estava muito bem montada”. Diz ele. Não convenceu nem o próprio cliente. 

Um advogado à altura da causa 

Inocêncio tem currículo e experiência 


Há duas maneiras para avaliar o advogado dativo indicado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, para conduzir a defesa do presidente afastado Fernando Collor no Senado. Tecnicamente o paraense Inocêncio Mártires Coelho , de 51 anos, tem um dos mais respeitados currículo do Direito Brasileiro, fez uma carreira de primeiros lugares no serviço público e integra a turma dos dez mais quando se trata de nomear os melhores constitucionalistas do país. Na prática o advogado designado para Collor reúne experiência também de criminalista com um cartel de lides jurídicas tão confusas quanto as que envolvem o seu mais novo cliente. Para tirar qualquer dúvida quanto à confiança que o réu pode depositar em Inocêncio, recorde-se que o próprio Collor já deu pelo menos três demonstrações de apreço pelo advogado, quando assinou suas designações para os cargos de consultor-geral, assessor e secretário executivo do Ministério da Justiça, nas gestões de Bernardo Cabral e Jarbas Passarinho. 

“A causa do presidente afastado está em boas mãos”, reconhece o advogado encarregado da acusação de Collor, Evandro Lins e Silva. “Ele está entre os melhores do país”, concorda o ex-ministro Jarbas Passarinho. Procurador-geral da República no governo de Figueiredo, Inocêncio só não está hoje no Supremo Tribunal Federal por obra política. No governo Sarney, foi preterido porque temia-se sua identificação com antigo regime. Collor, quando teve a chance de indicá-lo, optou pelo amigo Ilmar Galvão, agora relator de seu processo por crime comum. Depois da recente aposentadoria, Inocêncio montou banca em Brasília, para atuar junto aos tribunais superiores. “É um homem competente e íntegro”, elogia o presidente da Ordem dos Advogados, Marcelo Lavenère, ex-aluno de Inocêncio na Universidade de Brasília. 

Quando jovem, Inocêncio integrou a corrente política Ação Popular, no Pará, antes que ela migrasse do cristianismo de esquerda para o marxismo. Na carreira de procurador, tomou contato com vários casos difíceis com o de Collor, e seu desempenho revela um perfil próximo ao dos amigos do cliente. No escândalo Coroa-Brastel, por exemplo, quando os envolvidos numa emissão fraudulenta de títulos de mais de 400 milhões de dólares foram denunciados pelo então deputado Eduardo Suplicy, Inocêncio engavetou a queixa e acolheu um pedido dos denunciados para processar o parlamentar. A Câmara não deu licença para o processo, e o procurador que o sucedeu, Sepúlveda Pertence, acabou levando a denúncia de Suplicy adiante. Como assistente do então ministro Leitão de Abreu, o novo advogado de Collor patrocinou um processo do presidente Figueiredo contra a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, com o argumento de que um partido com maioria no Congresso, o PDS, não podia ter seu candidato derrotado num pleito indireto. Collor só esperneou contra a indicação de Inocêncio por uma razão de personalidade. “É que ele pretende destituir o Senado e não seus advogados”, diverte-se o criminalista Márcio Thomaz de Bastos. 

Caminhos do Atraso 


Foto: Reprodução

Disposto a criar confusão, Collor pode renunciar ou tentar se eleger para fugir da lei 

A minúscula vitória obtida pelo presidente afastado Fernando Collor na terça-feira passada, com o curto adiamento de sua decapitação política, não foi a última peça que pode pregar o beneficiário das traficâncias de Paulo César Farias. No arsenal de chicanas jurídicas que se dedica a planejar na biblioteca da Casa da Dinda, Collor ainda tem à disposição pelo menos meia dúzia de alternativas para criar confusão tanto no julgamento por crime de responsabilidade como no processo por delito comum. A mais evidente e radical dessas manobras é a renúncia ao cargo, até momento antes de iniciar-se a votação definitiva no Senado. Essa via, que pode ser chamada de caminho Jânio Quadros, serve perfeitamente no figurino de vítima que Collor vem costurando desde a votação do impeachment na Câmara, e ainda permitiria ao presidente afastado detonar outros artefatos protelatórios no seu futuro de réu na Justiça comum. “Collor até poderia ganhar sobrevida política se conseguir levar e banho-maria seu julgamento por crime comum”, prevê o advogado paulista Miguel Reale Júnior, um dos integrantes da comissão que redigiu o pedido de impeachment. 

A via Jânio Quadros tem, de fato, algumas conveniências para Collor. A principal é estancar o processo por crime de responsabilidade, já que ele existe para destituir presidentes metidos em irregularidades e a maioria dos constitucionalistas considera absurda a deposição de quem não está mais no cargo. Uma rara exceção é o jurista Fábio Konder Comparato, de São Paulo, baseado no argumento de que não se pode dar ao réu o direito de controlar o futuro de seu processo. Livre da condenação no Senado, Collor escaparia, também, da cassação dos seus direitos políticos por até oito anos. Poderia, então, procrastinar com outras manobras legais o processo por crime comum e chegar a 1994 sem uma sentença condenatória. Ganharia, assim, o direito de concorrer a um cargo eletivo nas próximas eleições e levar o brinde, na hipótese de conseguir eleger-se, uma temporada de imunidade parlamentar. “É terrível, mas essa possibilidade existe”, diz o criminalista Márcio Thomaz de Bastos. 

Essa via tem também suas armadilhas e são elas que explicam porque Collor não a adotou até agora. Renunciando, o presidente afastado enfrentaria duas situações adversas, antes decorrentes do fato de tornar-se um cidadão comum às voltas com a Justiça. Nessa condição, não seria mais necessária a autorização da Câmara para que fosse processado no Supremo Tribunal Federa e sem a imunidade do cargo, ainda estaria sujeito a uma decretação de prisão preventiva, caso a acusação convencesse algum ministro de que Collor estaria prestes a fugir do país ou atrapalhando o andamento das investigações. Como joga sempre para prorrogar o máximo os prazos legais não quer ser preso, Collor tem na renúncia um remédio de última hora, mais adequado para uma combinação com outra das chicanas disponíveis. Pelo raciocínio do ex-ministro da Justiça Saulo Ramos , a renúncia cai bem com um pedido de asilo, e é por essa razão que Collor insiste em posar de vítima de um caso ilegal e ilegítimo de condenação política. “A cada passo que dá, ele deixa mais claro que quer parecer um sujeito perseguido politicamente para candidatar-se à caridade de algum outro país”, analisa Saulo Ramos. 


Foto: Reprodução

Advogado Importado 

Essa sopa de renúncia com asilo político cria para Collor uma outra trilha para escapar da lei. Do ponto de vista de seus amigos, o caminho ideal tem um roteiro à Baby Doc, simbolizado pelo doce exílio que o ditador haitiano Jean-Claude Duvalier acabou desfrutando em 1986 na França, junto com a mulher Michele, depois de protagonizar um quiproquó diplomático. Nessa estratégia, Collor utilizaria o trânsito político de seu advogado importado Paul Lombard para conseguir abrigo na França. Há duas dificuldades na teoria. Uma é que Baby Doc acabou asilado em benefício do Haiti, onde sua presença desencadearia novos massacres como os que marcaram 28 anos de ditadura compartilhados entre ele e seu pai, Frannçois. Não é o caso de Collor. O outro problema é que, dependendo do alcance internacional do polvo do esquema Collor-PC, essa mágica pode dar errado e tornar-se a via Ferdinand Marcos, que também em 1986 abandonou as Filipinas e abrigou-se com a mulher, Imelda, nos Estados Unidos. Terminou processado pela Justiça americana, por burlar o Fisco do país, e morreu antes do fim do processo. 

Enquanto estudava suas alternativas, Collor demonstrou sua disposição de brigar por migalhas. Com sue manifesto contra o advogado dativo, no qual diz suspeitar de que Inocêncio Mártires Coelho não vai defendê-lo com o empenho que o réu mereceria, tem uma chance menos do que remota de adiar o processo no Senado por alguns dias. Mas o presidente afastado formalizou o protesto mesmo assim, na esperança de caracterizar aos olhos do mundo um inexistente cerceamento do seu direito de defesa. Na opinião de especialistas, esse tipo de manobra é um tiro de espoleta perto do que se vai assistir se Collor decidir ficar no Brasil para enfrentar o processo na Justiça comum, seja na condição de renunciante, seja na de condenado por crime de responsabilidade. “O processo não vai durar menos do que dois anos”, aposta um ministro do STF. 


Foto: Reprodução

Réus em Abril 

Do ponto de vista legal, o breviário a favor do esticamento do processo no STF é bastante variado. Para começar, nada vai acontecer ante de fevereiro, quando termina o recesso do Judiciário e o ministro Ilmar Galvão, relator do caso Collor, retorna suas atividades. Até lá, não deverá ser mais necessária a autorização da Câmara para processar Collor. Por isso, o relator terá a missão de notificar Collor e seus oito companheiros na denúncia do procurador Aristides Junqueira para apresentar em quinze dias seus argumentos de defesa. Seguindo os prazos corriqueiros da Justiça, Galvão levaria pelo menos mais um mês para analisar as respostas e se passaria outro mês entre a decisão do plenário de acatar a denúncia e a publicação dessa decisão. Nesse passo, Collor e sua turma se tornariam réus em meados de abril. E a partir daí poderiam começar a dar suas próprias combinações para atrasar os trabalhos. Entre outras possibilidades, Collor pode começar exigindo que sejam refeitas todas as perícias nas contas bancárias do esquema PC, no contrato da Operação Uruguai e nos jardins da Casa da Dinda. Não é provável que algum fato apurado até agora sofresse uma transformação a seu favor, mas a jogada permitiria ganhar tempo pelo menos para estudar outras manobras. O relator pode até negar a realização dessas diligências. Mas a cada negativa cabe um recurso chamado agravo regimental. Leva-se pelo menos um mês para julgar cada um desses recursos. 


Caminho tortuoso 

Também nessa fase, o réu pode pedir a convocação de testemunhas que considera prioritárias para sua defesa. Uma opção de Collor é tenta arrolar meia dúzia de chefes de Estado com os quais conviveu no exercício da Presidência, mas só o exemplo de seu ex-porta-voz Cláudio Humberto, que está morando em Portugal, basta para ilustrar o tamanho da complicação. O STF teria de ouvi-lo por carta rogatória, o que significa estabelecer um percurso tortuoso. O questionário seria enviado ao Ministério da Justiça. Daí seguiria para o Itamaraty, que o passaria à embaixada brasileira em Portugal. Desse endereço, a peça seguiria para o Ministério das Relações Exteriores português, depois para o Supremo daquele país, em seguida para um juiz. Esse intimaria Cláudio Humberto, marcaria data para ouvi-lo e, concluído o depoimento, providenciaria para que o documento seguisse caminho de volta. Como o acusado pode arrolar até oito testemunhas, há 72 oportunidades para a defesa ir atrasando o processo. “Ouvir as testemunhas não é trabalho para menos de um ano”, calcula o ministro do STF. Se tudo isso acabar acontecendo com Collor na condição de renunciante, chegará outubro de 1994, Collor pode eleger-se deputado e a continuidade do processo dependerá, de novo, de uma autorização da Câmara, por dois terços dos votos. Daí em diante, é um filme que o país já viu. 

Como Collor pode esconder-se da lei

No crime de responsabilidade

No crime comum

Chicana 1 -  Collor diz que não confia no advogado dativo e arruma uma confusão jurídica para tentar adiar o julgamento por mais alguns dias

Chicana 1 -  Atrasa o processo solicitando novas perícias sobre as contas bancárias, o contrato da farsa uruguaia e os jardins da Dinda, como tentou no Senado

Chicana 2 – Renuncia e encerra o processo. Se não estiver sentenciado por crime comum até 1994, quando haverá eleição de deputado estadual a presidente, pode candidatar-se à imunidade parlamentar

Chicana 2 – Insiste em chamar testemunhas como Marcílio Marques Moreira, que não quis depor no Senado, até que o STF constate intenção de obstruir o processo de indefira novas convocações

Chicana 3 – Julgado à revelia, condenado e com os direitos políticos suspensos, obtém asilo e foge do processo por crime comum no STF

Chicana 3 – Com tudo isso, pode arrastar o processo por anos. Na hipótese de eleger-se em 1994, dependerá de autorização do Legislativo para ir a Julgamento


O ronco de PC Farias 


Foto: Reprodução

Sem nennhum problema policial, o tesoureiro de Collor vai à Europa acertar o dinheiro que está sob investigação na Polícia 

Há exatamente três anos, poucos dias depois de eleito, Fernando Collor sumiu do país a bordo de um jatinho que tomou o rumo de Ilhas Seychelles, no Oceano Índico. O réveillon inicial era Collor, com a sua suntuosidade de novo-rico, foi pago com o dinheiro ilícito: as sobras de uma campanha eleitoral milionária, na qual os tubarões do empresariado abriram generosamente as burras de suas empresas para cacifar o arauto da modernidade. 

Neste natal de 1992, a história se repetiu, desta vez como farsa. Quem embarcou foi o sócio PC Farias, que agora usufrui o dinheiro ilícito auferido em subornos, licitações de cartas marcadas, achaques e maracutaias variadas – em que mais uma vez, o tubaranato compareceu com torrentes de dólares. 

Acompanhado pela mulher, Elma, a cunhada Eonia Pereira Bezerra e pelos filhos Paulo, de 11 anos, e Ingrid de 12,PC embarcou às 8 horas da manhã de domingo passado, em Maceió, num jatinho de seu amigo Wagner Canhedo. O jatinho de PC passou pelo Recife, parou na Ilha de Sal, na África, para reabastecimento, e desembarcou em Barcelona. O sócio de Collor já estava na Espanha quando aDinda montou a fraude da destituição dos advogados e só deve retornar ao país no final de janeiro. A desculpa é que foi fazer um tratamento para ronco. Despreocupado, ele dorme como uma pedra. Como poderia fazer o mesmíssimo tratamento no Brasil, e a sua doença não lhe traz perigo de vida, a hipótese mais provável é que PC foi à Europa para ficar perto de suas gargantas financeiras e promover a divisão do bolo que juntou nos últimos três anos. A divisão do bolo monetário, segundo Pedro Collor, é de 70% para Fernando Collor e 30% para o seu testa de ferro PC Farias. Tanto o presidente como o seu tesoureiro estão precisando de várias centenas de milhares de dólares para pagar seus advogados, a viagem é a maneira segura de consegui-los. 


Foto: Reprodução

Tratamento VIP 

Em Barcelona, PC e Família se instalaram no hotel mais luxuoso da cidade, o Riz. O casal ocupa uma suíte e as crianças dormem com a tia, em outra. Juntas, as duas suítes custam 940 dólares por dia – 13,5 milhões de cruzeiros, sem café da manhã. Cada integrante da família Farias paga outros 20 dólares (286 000 cruzeiros) apenas pela refeição matinal. Pode-se estimar, num cálculo modestíssimo, que gaste pelo menos o dobro com cada almoço e outro tanto com o jantar. Só com despesas básicas, a excursão terá em custado, até 24 de janeiro, último prazo para seu retorno ao país, a fortuna aproximada de 40 000 dólares. Some-se ainda o jatinho, cuja viagem é calculada em 80 000 dólares, segundo a cotação no mercado de táxi aéreo, e o total será de 120 000 dólares. Nessa conta não entra uma perua Renault e um motorista à sua disposição. Dinheiro para PC Farias não é problema, apesar de ele não fazer negócio e não estar trabalhando desde maio. É um acinte. O enriquecimento de PC Farias está sendo investigado pela Justiça, a Polícia Federal já pediu sua prisão preventiva, a Receita concluiu que deve multá-lo em 36 milhões de dólares por sonegação de impostos – e ainda assim o tesoureiro vai para a Espanha gastar o dinheiro que embolsou em campanha de Fernando Collor. 

“Não havia nenhum impedimento legal para que ele viajasse e nós o liberamos”, explica o delegado Ayrton Marques, superintendente da Polícia Federal no Recife. Cidadãos menos notáveis – e menos notórios – que já responderam a processo no passado, costumavam ser submetidos a longos interrogatórios antes de saírem do país. Costumeiramente, a polícia que saber detalhadamente onde vão, com que e o que pretendem fazer no exterior. Já PC teve um tratamento vip. Sua viagem foi comunicada ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Ilmar Galvão, relator do processo criminal contra PC, no dia 17 de dezembro. “Não havia obrigação nenhuma de avisar as autoridades”, diz o advogado de PC, Paulo Gordilho. “Foi uma cortesia com o STF.” Ilmar Galvão nunca criou empecilhos para os amigos do presidente afastado. Nomeado por Collor para o STF, ele engavetou p pedido de prisão preventiva contra PC encaminhado pela Polícia no dia 19 de outubro. No plenário do tribunal, apoiou o presidente no mandato que pedia afastamento de 28 senadores e da concessão de maior prazo para a defesa de Collor, o que adiaria ainda mais o julgamento. 


Foto: Reprodução

“Como a Elma aguenta?” 

“É um absurdo que um indiciado como ele vá espairecer na Europa só porque é rico”, diz senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. No aeroporto de Guararapes, no Recife, portão de saída para Barcelona, PC sofreu bem menos do que passageiros comuns na hora do embarque para o exterior. Em vinte minutos entre 8h20 e 8h40 , os policiais telefonaram para a Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, em Brasília, e perguntaram se PC podia viajar. Resposta: podia. Anotaram o número dos passaportes dos cincos passageiros e três tripulantes, o plano de voo do piloto e desejaram boa viagem. Cidadãos com ficha limpa perdem pelo menos uma hora nos procedimentos de embarque para fora do país. Providencialmente, PC viajou num domingo. Não havia chefes de plantão em lugar nehnum. Nem no Recife nem em Brasília. Foram os últimos, a saber. O Diretor da Polícia Federal, Amaury Galdino, só foi avisado da escapada de PC depois que o seu jatinho levantou voo. “Não havia nada que pudéssemos fazer para impedi-lo de viajar”, admite o ministro da Justiça, Maurício Corrêa, outra autoridade pega de surpresa pela debandada de PC. 

O motivo alegado por PC para deixar o país é real. Ele ronca como um motor de um carro velho. “Já fiquei várias vezes hospedada na casa dele e ouvia o barulho de cômodos próximos ao seu quarto”, contar a empresária e vidente Vera Lúcia Moreira Alves. “Não sei como a Elma aguenta.” A vidente, que vai a Barcelona se encontrar com o casal em janeiro, garante que o motivo principal da viagem foi atenuar a tensão da família. Outro amigo de PC, o empresário Antonio Fonte, confessa que o problema não é de hoje, tanto que perdeu noites de sono quando ambos moravam juntos em Maceió, na juventude. Sinal de que a doença de PC não é tão grave e tão urgente que justificasse a viagem às pressas e às escondidas. Em maio deste ano, ele procurou dois especialistas, um do Recife e outro de São Paulo, em busca de solução para o problema. Foi informado, na época, de que talvez precisasse de uma cirurgia. Só falou no assunto para justificar suas férias na Europa. A clínica Três Torres, onde está fazendo exames, é digna dos hóspedes do Ritz. É privada, tem especialistas em todas as áreas e está localizada num dos bairros mais elegantes de Barcelona. 

Collor enlouqueceu o Brasil 


Foto: Reprodução

Só um povo que faz história em clima de Carnaval pode derrubar o presidente que era o chefe de um bando de lunáticos 

Bem-vindos a 1993. Está terminando o terrível ano de 1992. Sob a regência do presidente da República, uma quadrilha assumira o controle da máquina do Estado, recebia propina, dava ordens, negociava favores e acionava uma linha de montagem de barbaridades com a finalidade de roubar, enriquecer e, marginalmente, posar de modernizadora. Fernando Collor foi o único presidente que conseguiu um lugar na História não porque entrou nela – mas porque acabou apeado do cargo através de um impeachment. Ficou dois anos e seis meses no cargo e não deixou nada de útil. Nenhuma ideia que possa ser lembrada, nenhuma obra que, inacabada, possa ser lamentada. Cercado de aproveitadores, bajuladores e muitos moleques de recados, a última bobagem divulgada a respeito de Collor informa que o país foi governado por dois presidentes encarnados numa só pessoa. O ladrão e o moderno, o corrupto e o dinâmico, com um lado bom e um lado ruim. Engano. Collor é um só. Não, não foi um João Figueiredo, que se sentou na bomba do Riocentro, mas, às tontas, deixou que a abertura política seguisse o seu curso. Não foi um José Sarney, que fez o Plano Cruzado e saiu do cargo com uma inflação de 80% ao mês. Collor foi um desastre inteiro, sem salvação. Um impostor que destruiu o Estado, massacrou esperanças, enlouqueceu o país. 

Mas 1992 também foi um ano maravilhoso, histórico. O Brasil inteiro reagiu. Numa revolução pacífica, eficaz e irresistível como os levantes que puseram abaixo as ditaduras do Leste Europeu, o presidente foi deposto e responde a inquérito policial. Seus cúmplices foram indiciados e, como é costume em países civilizados, também terão de prestar contas à Justiça. Em 1992 os brasileiros descobriram que vivem num país forte, que tem instituições capazes de funcionar mesmo quando a economia está desarrumada e a crise social assume feições de Quarto Mundo. Todos cumpriram seu dever. Os políticos trabalharam direito na CPI. A polícia Federal fez uma investigação a fundo. A imprensa descobriu o que se passava e publicou. 

Isso aconteceu porque, de olho na atuação dos políticos, ao comportamento das autoridades e no trabalho da imprensa encontrava-se o povo – aquela gente que faz uma nação ser mais do que um desenho no mapa do mundo. O povo brasileiro percebeu a gravidade da situação. Compreendeu que era seu destino que estava em jogo. Também avaliou que era melhor livrar-se de um presidente corrupto, ainda que ele fosse o primeiro eleito diretamente depois de quase trinta anos, do que sucatear suas próprias esperanças na democracia, na dignidade e na honra. Deu-se um basta ao jeitinho, aposentou-se a Lei de Gérson, desmoralizou-se a ostentação e se condenou a impunidade. Uma proeza histórica num pedaço do mundo onde a delinquência financeira é uma tradição desde os tempos da Colônia. 

Em 1992 se fez a História à brasileira. Com multidões na rua, palavras de ordem, bom humor e música. Com a energia da juventude e o clima de Copa do Mundo. E como não poderia deixar de ser, celebrou-se o fim da loucura collorida em ritmo de carnaval, em que não faltaram paródias, piadas e brincadeiras que foram a marca mais agradável de um ano turbulento em que os brasileiros deu um bastas em um presidente corrupto.









_________________________________________________________________

Governo Collor 

Por Daniel Neves Silva


O governo de Fernando Collor de Mello ficou registrado na história brasileira por ter sido o primeiro eleito diretamente após o final da ditadura. Collor foi eleito em meio a uma disputa acirradíssima que contou com mais de 20 candidatos. Defendia uma agenda liberal e o enxugamento do Estado, derrotando o candidato petista, Lula. 

O governo de Collor, no entanto, foi um grande fracasso, e ele ficou conhecido por agir de maneira autoritária, tentando impor a sua vontade e não respeitando os ditames da democracia. Collor também fracassou no combate à crise econômica do Brasil, e, após ser denunciado por envolvimento direto em esquema de corrupção, sofreu impeachment. 


Eleição de 1989 

A eleição de 1989 foi um momento importante na história do Brasil, pois foi a primeira eleição presidencial direta depois de quase 30 anos — a última tinha sido em 1960. Essa foi uma “eleição solteira”, isto é, no ano de 1989, a população brasileira votou unicamente para presidente. 

O funcionamento da eleição de 1989 foi determinado pela Constituição Cidadã, promulgada no ano anterior, e pela Lei nº 7773/89. Essa eleição foi caracterizada pela falta de coligações no primeiro turno, e, assim, inúmeros partidos lançaram seu próprio candidato. Isso se deu porque, uma vez que se tratava da primeira eleição em quase 30 anos, todos os partidos queriam testar a sua influência e foram à procura de um lugar ao sol. 

Isso fez com que a eleição de 1989 contasse com 22 candidatos, entre os quais havia uma mulher, Lívia Maria Lêdo Pio de Abreu, a primeira mulher a concorrer à presidência na história do Brasil. Essa eleição também ficou marcada pelo envolvimento de muitos partidos e candidatos desconhecidos, que buscavam expressão por meio da candidatura presidencial. 

O primeiro turno contou com nomes já bastante influentes na política nacional, como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Maluf, Mário Covas e Aureliano Chaves. Fernando Collor, por sua vez, no início da disputa, era um político pouco conhecido (na política, usa-se a expressão outsider a candidatos não tradicionais) que tinha apenas projeção regional no estado de Alagoas por conta da influência de sua família. 

No início da campanha eleitoral, o candidato que tinha a preferência da população era Leonel Brizola, do PDT. O que se viu ao longo de 1989 foi a estagnação da campanha de Brizola e o crescimento das de Lula e Collor. A apresentação das propostas de campanha aconteceu majoritariamente na TV via propaganda eleitoral gratuita. 

O resultado do primeiro turno entre os primeiros cinco colocados: 

1. Fernando Collor (PRN) – 30,47% 

2. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – 17,18% 

3. Leonel Brizola (PDT) – 16,51% 

4. Mário Covas (PSDB) – 11,51% 

5. Paulo Maluf (PDS) – 8,85% 

Uma observação importante foi a disputa acirrada entre os dois grandes candidatos da esquerda nessa eleição, e a diferença entre o resultado de Lula e Brizola foi de menos de 400 mil votos. Como nenhum candidato obteve a maioria absoluta dos votos, foi encaminhado então um segundo turno entre Collor e Lula. 

Os dois candidatos que disputaram o segundo turno dessa eleição tinham propostas para o país totalmente diferentes. Essas diferenças eram perceptíveis sobretudo na área da economia, uma vez que: 

Collor atacava o gigantismo do Estado e os “marajás” que se locupletavam do dinheiro público sem trabalhar e sem merecimento; e defendia um reformismo liberal que rompesse o caráter fechado da economia brasileira e integrasse o Brasil ao “Primeiro Mundo”. Lula adotava a retórica econômica do velho Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a do desenvolvimentismo-distributivo, que demandava um desenvolvimento conduzido pelo Estado que almejasse o crescimento econômico sem descuidar da igualdade, da distribuição de renda|1|. 

No segundo turno, uma série de partidos uniram-se a Fernando Collor: PDS, PFL, PTB, PDC, PL e alguns membros do PMDB. Essa junção de partidos apoiando Collor é entendida pelos historiadores mais como uma reação anti-Lula do que necessariamente uma campanha pró-Collor. 

Na campanha do segundo turno, Collor defendeu a modernização do Estado brasileiro ao mesmo tempo que intensificou ataques ao governo de José Sarney e passou a atacar o seu adversário, apresentando-o como um atraso ao país. A campanha de Collor deu certo, e ele venceu com 53% dos votos, enquanto que Lula obteve 47%. 

Governo Collor 

Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello tomou posse como presidente do Brasil após vencer a eleição 

Como mencionado, o Brasil naquela época vivia uma crise econômica intensa e a população sofria com uma inflação altíssima. Só para termos uma ideia, a inflação acumulada de 1989, o ano anterior ao da posse de Collor, foi de 1972,91%. A posse de Collor foi realizada no dia 15 de março de 1990, e, no dia seguinte, ele lançou um plano econômico que ficou gravado na memória da população. 

O conhecido Plano Collor vinha para solucionar os problemas da economia brasileira e trouxe medidas drásticas. A mais conhecida delas foi a determinação do governo de realizar o confisco dos valores depositados nas poupanças. Por ela o governo permitiu o saque de valores de até 50 mil cruzados novos (algo correspondente a 17 mil reais atualmente). O que não fosse sacado ou que excedesse a isso, seria confiscado pelo governo e devolvido a partir de setembro de 1991. 

Essa medida gerou pânico e filas nos bancos, uma vez que todos queriam sacar suas economias. Houve confisco também nos fundos do overnight, uma modalidade bancária utilizada, sobretudo pela classe média, para diminuir os impactos da inflação sobre o salário. O plano ainda incluiu ações como congelamento de preços, reajustes salariais e redução das tarifas alfandegárias. O plano inicialmente até teve sucesso no combate à inflação, uma vez que afetou diretamente o consumo, mas acabou fracassando, e a inflação voltou a crescer. 

Na questão administrativa, Collor promoveu uma grande reforma, enxugando os ministérios de 23 para 12. Isso fez com que alguns deles ficassem inchados, pois eram responsáveis por diversas pautas. Os superministérios ainda assim ficaram muito presos aos desejos da presidência e estipula-se que cerca de 100 mil funcionários foram demitidos|2|. A administração pública, no entanto, continuou ineficiente, mas as medidas tomadas pela presidência reforçaram a propaganda governamental de modernização do país. 

A relação do presidente com os parlamentares permaneceu estável enquanto o governo esforçava-se para controlar a inflação, mas depois que ficou evidente que Collor não seria capaz de resolver os problemas da economia, a relação entre Congresso e presidente azedou. A postura de Collor enquanto exercia o cargo também foi criticada. 

As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling afirmam que Collor tratava a política como espetáculo, além de desprezar outros políticos, desdenhar o Congresso e manter uma visão política moralista e autoritária|3|. Isso fez com que a oposição no Congresso contra o então presidente fosse reforçada. 

Impeachment de Fernando Collor 


Foi em meio a esse cenário que a situação complicou-se para Collor. Uma série de boatos a respeito de favorecimentos ilícitos e de corrupção do tesoureiro do presidente, PC Farias, começou a circular. Em maio de 1992, uma reportagem com o irmão do presidente, Pedro Collor, foi publicada. Nela, Pedro Collor denunciava seu irmão, o presidente, por corrupção. 

As denúncias de Pedro Collor falavam que o presidente havia sido o grande beneficiário de um esquema de arrecadação de verba ilícita por parte de PC Farias, e que ele havia arrecadado cerca de 60 milhões de reais pelo recebimento de propina para nomeações e concessão de favores políticos. 

O presidente já tinha apoio político limitado, e então, com a denúncia de envolvimento em esquema de corrupção, os maiores partidos do Brasil (PT, PMDB e PSDB) uniram-se para investigá-lo. Essa união resultou em uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as ações de PC Farias. 

Em junho, novas denúncias aconteceram e Collor foi acusado de ter despesas pessoais pagas com dinheiro sujo obtido por PC Farias. A CPMI, que tinha começado frágil, ganhou força, e a investigação iniciada apenas contra PC Farias também ganhou outra dimensão, passando a buscar o impeachment do presidente. 

Collor tentou garantir o apoio de 1/3 do Congresso, de forma a barrar o avanço do impeachment, e discursou pedindo que a população fosse às ruas de verde e amarelo para apoiá-lo. A população foi às ruas, mas por outro motivo: passou a exigir o impeachment de Collor. Entre agosto e setembro, milhares de pessoas foram às ruas exigindo o afastamento de Collor da presidência. 

Nos protestos muitos se vestiam de preto, outros pintavam o rosto de verde e amarelo, e os protestantes ficaram conhecidos como caras-pintadas. Com a mobilização popular, o processo contra Collor fortaleceu-se, e, em 29 de setembro de 1992, ele foi afastado temporariamente da presidência. Seu vice, um político mineiro chamado Itamar Franco, assumiu a presidência. Três meses depois, o processo contra Collor foi concluído, e seu impeachment foi aprovado no Congresso por 441 a 38, e no Senado, por 76 a 3. 

Em 29 de dezembro de 1992, decidiu-se então pelo impeachment de Fernando Collor de Mello e seu vice, Itamar Franco, assumiu oficialmente a presidência do país. Collor, além do impeachment, perdeu seus direitos políticos por oito anos. O pivô do seu esquema de corrupção, o tesoureiro PC Farias, foi assassinado, em condições misteriosas, em 1996. 

Imagens do Governo Collor












Reprodução: Internet

Notas 

|1| JUNIOR, Brasilio Sallum. O governo e o impeachment de Fernando Collor de Mello. In.: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da Nova República – da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 164. 

|2| Idem, p. 170. 

|3| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 494. 

Créditos da imagem 


[2] Arquivo Senado e Célio de Azevedo


Postar um comentário

0 Comentários
* Por favor, não faça spam aqui. Todos os comentários são revisados ​​pelo Admin.

Publicidade Topo

Publicidade abaixo do anúncio