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A GUERRA DE SANGUE ENTRE ARRAES E CAMPOS NO RECIFE

A disputa entre os primos Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) pela prefeitura da capital de Pernambuco pode definir o futuro do clã no estado, dominado há uma década por um mesmo núcleo familiar

Inácio França, do Recife


Desde a morte de Eduardo Campos, em 2014, João Campos e Marília Arraes disputam o espólio político dos Arraes em Pernambuco. Foto: Montagem com fotos de reprodução; e Editora 247

Quando Miguel Arraes era vivo, uma das principais críticas que se fazia a seu respeito era que ele nunca conseguiu desvencilhar-se da política local de seu estado, Pernambuco, para tornar-se um nome nacional da centro-esquerda. Não à toa, foi reconhecido por sua gestão no Executivo estadual, durante seus três mandatos como governador, e não por suas contribuições para o Legislativo, como deputado. Quando morreu, em 2005, deixou o neto Eduardo Campos, seu único herdeiro político, bem posicionado como ministro do governo Lula. Tudo indicava que a dinastia do “Dotô Arraia” continuaria a perseverar num estado permeado de oligarquias políticas — e talvez conseguisse transcender a arena nacional. Com que Arraes certamente não contava é que seus descendentes se embrenhariam numa guerra familiar em nome da política e protagonizariam a disputa mais acirrada a que as capitais brasileiras já assistiram nos últimos anos.

“Prefeitura não é pirulito para estar dando de presente para um menino”, proferiu Marília Arraes, de 36 anos, neta do patriarca, contra seu adversário na briga pela prefeitura do Recife, João Campos, de 26 anos, em um dos debates do qual participaram na disputa pelo segundo turno. Hoje petista, Marília deixou o PSB fundado por seu avô, depois de ser preterida pelo primo Eduardo Campos na disputa por uma vaga na Câmara em 2014. Tal como nos impérios de outrora, com a morte de Eduardo em 2014, seu filho João assumiu o legado político da família no PSB, mantendo o isolamento de Marília. Ambos se elegeram deputados federais em 2018 e conduziam seus mandatos separadamente em Brasília. Nas eleições deste ano, de olho no Poder Executivo que tanto agradava ao patriarca Arraes, voltaram para casa — e para a guerra.

Aparentados a figuras ilustres da história nacional, como o escritor José de Alencar e o marechal Castello Branco, João e Marília travam uma briga que passa ao largo do que se pode considerar uma disputa polida. A petista já qualificou o primo como “frouxo”, “duas caras” e até sugeriu que ele, caso saia vitorioso, seria tutelado pela mãe, Renata Campos, viúva de Eduardo. Já o candidato do PSB a ataca lançando mão das críticas à corrupção do PT. Nas ruas da cidade, cartazes apócrifos transformam Marília e Lula em caricaturas sombrias, com a mensagem em letras garrafais: “PT nunca mais”.

 “HABILIDOSO, O EX-GOVERNADOR EDUARDO CAMPOS CONSEGUIA ARREFECER A MAIORIA DAS TENSÕES FAMILIARES E MANTER-SE NO COMANDO POLÍTICO. SUA MORTE PREMATURA, EM 2014, ABRIU FLANCOS DE DISCÓRDIA QUE RESULTARAM NAS DESAVENÇAS QUE SE VEEM HOJE NOS PALANQUES DO RECIFE”

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João e Marília entraram na última semana de campanha empatados tecnicamente. De acordo com a pesquisa Ibope divulgada na quarta-feira 25, ele estava ligeiramente à frente com 51% dos votos válidos ante sua prima, que teve 49%. A margem apertada acirrou ainda mais o clima de vale-tudo. No centro da disputa, mais do que o governo do Recife, ambos reivindicam para si a legitimidade para carregar a herança de Miguel Arraes. Justamente o “Dotô Arraia”, conciliador por natureza, que compôs com praticamente todas as forças políticas — não importando o matiz ideológico.

Em 2014, Marília estava em seu segundo mandato na Câmara de Vereadores do Recife quando tentou alçar voos mais altos dentro do PSB e se cacifar para disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Deixou clara sua intenção de disputar uma vaga em Brasília já naquele ano e não encontrou guarida nos planos do líder da legenda, que já tinha projetos para João. Eduardo emplacou o filho no comando da Juventude Socialista, então chefiada por Marília, e a manobra foi a gota d’água para que ela se insurgisse contra o primo, migrando para o PT. A morte de Eduardo, em 13 de agosto daquele ano, antecipou a disputa pelo espólio político familiar. Se nove anos antes, quando Arraes morreu também em um 13 de agosto, já se sabia quem seria o herdeiro, naquele momento não havia um nome definido.

As divergências familiares se intensificaram no ano passado. Antônio Campos, o Tonca, irmão de Eduardo, passou a também reivindicar espaço na política, indispondo-se com o núcleo de Eduardo (e de sua viúva, Renata) no PSB, numa rivalidade herdada posteriormente por João. O deputado chegou a criticar publicamente o tio durante uma audiência na Câmara dos Deputados, depois que Tonca se aproximou do bolsonarismo e obteve a presidência da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Dirigindo-se ao então ministro da Educação, Abraham Weintraub, João disse: “Eu nem relação tenho com ele, ministro. Ele é um sujeito pior que você”, atacou.

A mãe de Eduardo e Antonio, a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) Ana Arraes, comprou a briga do filho e repreendeu o neto publicamente. Disse ter ficado “entristecida” e “indignada” com a “má educação” e com a “prepotência” do neto, com quem parou de falar. Tonca, em resposta às declarações de João Campos, disse que o sobrinho era “nutrido na mamadeira da empresa Odebrecht”. A rusga se estendeu à atual campanha. Antônio Campos anunciou que votaria em Marília Arraes. Ana Arraes, tia da petista, sinalizou acompanhar o voto do filho. Tonca, assim como Marília, se sente abandonado pelo clã Campos. Em 2016, ele se candidatou à prefeitura de Olinda e perdeu no segundo turno. Atribuiu a derrota à falta de apoio do PSB, que estaria, para ele, sob a influência de Renata. Na avaliação feita publicamente por ele, seu crescimento político não interessava a uma parte da família.

Renata e Antônio nunca foram próximos, mas conviviam cordialmente enquanto Eduardo era vivo. Habilidoso, o ex-governador conseguia arrefecer a maioria das tensões familiares e manter-se no comando. Em janeiro de 2015, a presença do cunhado na celebração do primeiro ano de Miguel, caçula do casal Renata e Eduardo, incomodou particularmente a viúva. Uma testemunha contou que Antônio chegou ao evento aparentando embriaguez, com um grupo de amigos que não haviam sido convidados por Renata. Em janeiro, ao ser questionado por ÉPOCA, o tio afirmou não se recordar desse episódio, mas revela que aquela foi a última vez em que compareceu em um evento familiar no clã Campos. “A morte prematura e inesperada do meu irmão, Eduardo Campos, deixou um vácuo enorme de comando de poder. E Renata Andrade Lima (Renata Campos) tem um projeto de poder que exclui qualquer pessoa que não se submeta aos seus caprichos e que não seja por ela comandado. Eduardo vivo equilibrava o jogo político”, disse Tonca em entrevista ao jornal O GLOBO nesta semana.

Miguel Arraes e Eduardo Campos comandaram Pernambuco por cinco gestões. Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo

Marília também deixou claras as divergências com Renata. Em um dos debates, a petista insinuou que a mãe de João seria alguém que poderia “mandar” na prefeitura caso o adversário fosse eleito. “Ninguém sabe quem vai mandar, é sua mãe, é Geraldo Julio ou Paulo Câmara.” A viúva de Eduardo Campos mantém forte relação com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e com o atual prefeito do Recife, Geraldo Julio, ambos do PSB. A petista diz ainda que a articulação para tirá-la da disputa pela prefeitura do Recife também teria as digitais de Renata. A sogra, Ana Arraes, disse ao GLOBO que a nora “tem um projeto de poder que exclui qualquer pessoa que não se submeta a seus caprichos”. No início do ano, o senador Humberto Costa (PT-PE) desembarcou em São Paulo com a missão de estancar uma crise. No Instituto Lula, tentou convencer o ex-presidente de que a candidatura de Marília seria um desastre para a esquerda e, consequentemente, para a relação do PT com o PSB. A manobra não teve sucesso. Com o aval de Lula, Marília tornou-se o nome dos petistas para enfrentar o primo, João Campos, representante de uma hegemonia de oito anos do PSB na prefeitura.

Marília também sofre dissidências na família. Os irmãos não votarão nela. Ambos têm empregos públicos garantidos pelas gestões do PSB e anunciaram a aliados apoio ao projeto político capitaneado pela família Campos. Maria Leal Arraes de Alencar ocupa um cargo comissionado na Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlubr) do Recife, com direito a um salário mensal de R$ 8.406,16. Seu irmão Arthur Leal Arraes de Alencar é servidor comissionado na administração do arquipélago de Fernando de Noronha.

Uma eventual derrota de João Campos no Recife fragiliza bastante o PSB pernambucano, partido que viu o número de prefeitos eleitos cair de 69 em 2016 para 52 em 2020. E a lista desses 52 municípios em que venceu não inclui os maiores colégios eleitorais do estado, como Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Petrolina e Caruaru. Marília aglutinou apoio de candidatos e figuras políticas ligadas à direita pernambucana que veem nela a possibilidade de tirar da família Campos a hegemonia política que comanda o estado há uma década e que, somada à gestão de Miguel Arraes, alcança 40 anos de forte influência na política local.

Com reportagem de Bruno Góes

 

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