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Túnel do Tempo: A saga de Vilmar Gaia – Parte III


Imagem: Reprodução

Novembro.
Circulam folhetos de cordel em homenagem ao pistoleiro que fez sua própria justiça no Alto do Sertão de Pernambuco:

“Filho de Serra Talhada/ No sertão de terra quente/ onde nasceu Lampião/ Natureza de serpente/ Agora tem Vilmar Gaia, feio, disposto e valente/ Dizem que ele se encanta/ Num pé de mandacaru/ Vive também envultado/ Numa onça canguçu/ Extasiando maior assombro no Vale do Pajeú/ Só tem 26 anos/Esta é a sua idade/Mas dizem que ele briga/De 110 qualidade/ Briga dentro da caatinga e luta em qualquer cidade/Já fez 32 mortes/Abraçou a miséria e deu coice na sorte/ É o maior cangaceiro que temos aqui no Norte”.


David Jurubeba. Foto: Reprodução


Fevereiro de 75 - Chegada de David Jurubeba e seus pistoleiros em Serra Talhada. Jurubeba veio para acabar com os Gaias. Ele é um rastejador profissional desde a década de 20, quando perseguia Virgulino Lampião. Sua inimizade aos Gaias vem dessa época, pois o velho Batista protegia o cangaceiro das volantes. Com a morte dos soldados Natalício e Luiz Gonzaga, seus parentes, aumenta o ódio de Jurubeba:

– Vim para matar. Venho das terras de Nazaré e só voltarei quando for eliminada a raça dos Gaias. Eu sou do clã dos Ferraz Jurubeba. Minha vida é no mundo perseguindo bandido. Se esse tal de Vilmar é valente como falam eu o perseguirei até a morte. Quero cortar a cabeça desse cabra como fizemos com Lampião. Batista era coiteiro e família que protege o cangaço não merece o perdão. Estou pronto para a luta.
Primeiros dias de março.
Jurubeba e dois pistoleiros carregam munição para uma camioneta, defronte ao prédio da delegacia. No mesmo dia um cunhado de Vilmar, Arnaldo Gaia, é fuzilado no balcão da caixa da sua mercearia, no centro de Serra Talhada. No dia seguinte é a vez de Batistinha Gaia, irmão de Arnaldo. Os pistoleiros fuzilam à queima-roupa. No dia 5, as cinco famílias dos irmãos do velho Batista estão em pânico com a entrada de Jurubeba e sua volante em suas terras.

Os fuzis apontam para os cinco irmãos.

Os dois canos grossos da arma estão bem junto aos olhos de Laudelino. O fuzilamento será à queima-roupa. Ao lado de Laudelino está Tozinho, pele de índio, cabelo preto, liso, com a baioneta do fuzil quase lhe raspando o nariz. Depois de Tozinho vem Eduardo, depois Cícero e por último Enoque. Todos os irmãos Gaia morrerão se não responder à pergunta:

– Onde está Vilmar Gaia?
– Respondam bandidos!

No milharal da fazenda, as mulheres vêem aquela cena e pedem de joelhos proteção a São Tomás de Aquino, a Frei Damião e a Padre Cícero. As crianças cantavam orações. De longe dali se ouvia a cantoria que só não era mais forte que o som dos gritos do fuzilamento.

Fogo nos bandidos!

Como nenhum dos irmãos fala sobre Vilmar, os policiais apertam o gatilho. Os tiros fizeram mulheres e crianças correrem e os animais da fazenda corriam juntos para todos os lados. Mas os Gaias continuam de pé. O fuzilamento fora uma ameaça. Os tiros passaram rentes à cabeça de Enoque e ele permaneceu como estava, o olhar fixo nos olhos do carrasco.

Indiferente, mudo, parece tranqüilo. Enoque está tão calmo que Jurubeba, o carrasco, assustado, muda de tática. Amarra os pulsos de Enoque e a mesma corda é amarrada nas encilhas do cavalo. Assim ele começa a ser arrastado pelas terras do distrito de São João, a norte de Serra Talhada.

O cavalo de Jurubeba é um animal selvagem que corre a trotes largos em direção às montanhas. A estrada é de pedregulhos e o corpo de Enoque se mantém um pouco atrás das patas do cavalo, os braços esticados, a cabeça erguida, o peito arrastando, já sem botas e sangrando. Nas poucas vezes que abre os olhos, o que vê é poeira e patas. O cavalo abre caminho. Enoque ainda ouve o relincho quando cruza os milharais.

Enoque ainda vive.

– O cavalo de Jurubeba é arisco, selvagem. Mas não consigo imaginar a que velocidade anda. Sei que andava rápido quando começou a malvadeza. Naquela hora você não sente dores. Eu estava sendo arrastado de bruços e sentia as pedras que batiam no meu corpo, sentia as pedras entrando na minha carne. Os galhos secos eram espinhos grandes e a terra queria devorar a minha barriga. Meu corpo estava mole, saltava como borracha.

Mas um homem nesta hora ainda sente muita força.

– Nunca me passou a ideia de trair o meu sobrinho. Eu sabia que estava sofrendo a malvadeza por causa dele. Mas eu sou dos homens que não sabem trair o irmão de sangue. Dizer onde está Vilmar Gaia é desprezar a nossa grande vingança. Seria uma atitude de homem que não preza amor da família. Que as patas me furem os olhos, mas eu não falo. Podem me chutar a boca, que me quebrem os dentes porque eu não digo. Vou proteger a pele do menino Vilmar até a morte se for preciso. É certo que Vilmar é pistoleiro e bandido. Mas também é certo que um homem só é afoito e valente se antes ele foi revoltado e corajoso. O caso de Vilmar é de revolta pela morte do pai. Ele fez sua própria justiça aqui no sertão. A justiça que os homens tiveram medo de fazer. Jamais vou trair um menino assim. Eu esperava pela morte porque a morte me salvaria daquele momento. Eu queria que a morte viesse depressa para não dizer o esconderijo de Vilmar, queria a morte como salvadora, como uma aliada contra o inimigo.

O sol é forte no sertão quando Jurubeba desata a corda do pulso de Enoque desfalecido. A roupa está úmida do sangue que escorre do rosto, a sobrancelha puída pela terra, a cabeça de Enoque é uma grande ferida. O couro cabeludo foi pelado, os fios de cabelo ficaram pelo caminho da tortura. E aquelas perguntas continuam...

Os habituais interrogatórios aos Gaias tornam-se trágicos. Maria Aparecida, uma tia de Vilmar, morre de colapso cardíaco quando vê o corpo de Enoque torturado. Ninguém denuncia, mas David Jurubeba continua a perseguição. Oferece um Volks para o Gaia que delatar Vilmar.

 

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