Pesquisa do
próprio Facebook mostra que o Instagram é prejudical para a autoestima de
crianças e adolescentes, pois afeta a construção da identidade
REAÇÃO A cantora e dançarina Beatriz Torres, de 16 anos: esforço para não limitar a vida à tela do computador (Crédito: Divulgação)
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tire a primeira pedra quem nunca se sentiu
incomodado com a própria aparência depois de olhar uma imagem publicada no
Instagram. A rede social conhecida pela publicação de fotos e vídeos
(instantâneos ou longos) gera uma série de gatilhos no que diz respeito à
autoestima e construção de identidade dos jovens em formação. Pesquisas
sigilosas feitas pelos próprios desenvolvedores do aplicativo e obtidas pelo
jornal norte-americano The Wall Street Journal mostram que 32% das meninas,
crianças e adolescentes que usam a rede social passaram a aceitar menos os seus
corpos e rostos. O texto do Facebook (empresa proprietária do Instagram)
responsabilizava-se pelo fato de “uma em cada três garotas” usuárias da rede
terem desenvolvido “problemas com a imagem do próprio corpo”. “Eu fico me
comparando com outras pessoas, com o corpo de outras pessoas”, diz uma
adolescente de 12 anos que preferiu não se identificar. “Vejo também que todo
mundo está sempre rodeado de amigos e eu me sinto sozinha. Isso afeta minha
autoestima”. Com a timeline tomando conta do dia a dia dos jovens, o
desenvolvimento do senso crítico tende a ser prejudicado. Afinal, as
publicações vendem um estilo de vida e padrões de beleza quase inalcançáveis.
Toda essa atmosfera traz sérios problemas que
podem afetar a vida adulta dos jovens, afinal, é nesse período que eles
desenvolvem a sua identidade. Vale ressaltar que o Instagram conta com um
bilhão e trezentos e oitenta milhões de usuários em todo o mundo (mais de 40%
deles são jovens com menos de 22 anos). No Brasil, cento e dez milhões de
pessoas estão na plataforma — o que coloca o País em terceiro lugar com mais
contas ativas. “Nessa rede, quem tem mais curtidas e engajamento são as pessoas
que, em teoria, se mostram perfeitas, sem defeitos”, diz Katherine Libânio
Paula, neurocientista especialista em psicopatologia e psicóloga na Clínica
Maia. “Isso provoca sentimento de desvalia e vergonha para aqueles que não se
encaixam nesse perfil.” As consequências disso são a depressão, a ansiedade e a
solidão. “Ninguém é perfeito. Se você sustenta essa imagem na internet acaba
escondendo os sentimentos ruins, que fazem parte da vida”, diz Vinícius
Pimenta, de 20 anos, que aos 12 precisou levar suas questões para a terapia,
pois não aceitava os seus cabelos cacheados e olhos escuros: queria ter cabelo
liso e castanho e olhos azuis. Hoje em dia, depois de anos de tratamento,
Pimenta percebe que aquele mundo ideal é ilusão — e já não o idealiza mais.
“O ambiente do Instagram fica tóxico porque a vida real fica em segundo plano” Marcelo dos Santos, psicólogo (Crédito:GABRIEL REIS)
Crise de identidade
É justamente nesse período da vida, na
adolescência, um momento de definição de novos papéis sociais, que Pimenta teve
mais problemas com as redes. Ao longo do dia, o jovem troca de “personagem”:
pode ser filho, aluno, amigo, sobrinho e assim por diante. Mas a partir do
momento que as mídias sociais passam a invadir a vida real, inibindo essa troca
saudável e necessária de papéis, o comportamento congela e o jovem passa a ser
somente o influencer, independentemente de quem seja o seu interlocutor. “O
ambiente do Instagram se torna tóxico porque a vida real fica em segundo
plano”, diz o psicólogo Marcelo dos Santos, professor da Universidade Mackenzie
e colaborador do Instituto Brasileiro de Análise de Dados sobre o Monitoramento
de Redes Sociais. “A criança ou o adolescente começa a sentir mais prazer nas
curtidas do que em momentos de fato vividos. Há um problema de formação
identitária”, diz.
Não à toa, Frances Haugen, ex-executiva
do Facebook, foi na semana passada ao Senado norte-americano para denunciar os
problemas das redes sociais de Mark Zuckerberg. “Os produtos do Facebook
prejudicam as crianças, alimentam a divisão e enfraquecem nossa democracia”,
afirmou. Frances também disse que a empresa deixou de lado a segurança de seus
usuários para beneficiar-se de seus lucros. Horas depois, Zuckerberg retrucou:
“isso não é verdade”.
Em meio à confusão,
Facebook, WhatssApp e Instagram sofreram um apagão nos EUA, Brasil,
Portugal, Reino Unido e Índia — ficando, em média, sete horas fora do
ar. Esse período forçado “offline” trouxe à luz importantes discussões de
como as nossas vidas poderiam ser longe das redes sociais. Necessidade ou
vício? A solução seria desligar-se totalmente ou aprender a usá-la com
sabedoria? Especialistas apontam para a segunda opção. Há bons exemplos de
adolescentes que usam o Instagram, inclusive, como forma de trabalho e têm uma
relação saudável com seus milhares de seguidores e infinitas curtidas. Um
exemplo disso é a cantora e dançarina Beatriz Torres. Ela tem 16 anos e mais de
800 mil seguidores no Instagram e se viu livre, certo dia, depois que acordou,
lavou o rosto e ligou a câmera do celular sem qualquer produção. Descabelada e
sem maquiagem, gravou um vídeo compartilhando angústias e inseguranças. Desde
então, sua relação com a timeline ficou mais leve. “Tento me esforçar
para que a minha vida não seja só na tela do celular e agradeço os meus pais
por isso, porque eles nunca trataram a fama como uma prioridade”, diz. “Percebo
que a desintoxicação me faz bem e me permite aproveitar o mundo real”.
Blog do Paixão