Casos de internações e óbitos estão em alta; por não estarem vacinadas, crianças dependem dos cuidados dos adultos para protegê-las
Crianças usam máscaras de proteçãoGetty Images
Camila NeumamMariana CatacciLudmila Candalda CNN
São Paulo
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om a variante Delta em expansão, a flexibilização das medidas de isolamento
e sendo o público ainda excluído da vacinação, as crianças brasileiras estão
mais expostas à Covid-19 agora do que no que especialistas consideram ter sido
o auge da pandemia, entre março e abril deste ano.
O número de internações de crianças e adolescentes por Covid-19 em
2021 já ultrapassa o total de 2020 no Brasil. As mortes pela doença entre
crianças e adolescentes até setembro também já superam as do ano passado.
Médicos e pesquisadores consultados pela CNN alertam
que cabe aos adultos proteger essa população mais vulnerável para evitar uma
explosão de casos e internações.
E que, embora a volta às aulas possa ser uma
preocupação, são os familiares quem mais transmitem o coronavírus às crianças,
principalmente durante reuniões e festividades.
“Depois de feriados sempre aumenta o número de
casos de crianças com Covid. O que contribui para isso é que os pais se
contaminam e levam o vírus para dentro de casa”, diz o infectologista
pediátrico Victor Horácio de Souza Costa Júnior, vice-diretor técnico do Hospital
Pequeno Príncipe, em Curitiba, maior hospital pediátrico do país.
Segundo o infectologista, apesar de as crianças
terem voltado às aulas, o maior risco de contaminação está mesmo em seus lares,
pelo fato de os parentes terem passado a circular mais após a vacinação.
Essa percepção é compartilhada pelo infectologista
Francisco Júnior, gerente-médico do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo. Ele afirma que mais de 80% dos
casos de Covid em crianças vêm de alguém do núcleo familiar. “Tem sido muito
raro o diagnóstico de Covid em crianças que relatam ter tido o contágio na
escola”, diz.
Mais vulneráveis
Há diferentes indícios estatísticos de que as
crianças e os adolescentes estão sofrendo mais agora com a doença do que em
outros momentos da pandemia.
Na semana passada, o Ministério da Saúde divulgou
um levantamento que mostrou que, entre janeiro e julho de 2021, 15.483 crianças
de 0 a 9 anos foram internadas por Covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS). Em
2020, de abril a dezembro, foram 10.352 internações na mesma faixa etária.
Um outro recorte, feito pela agência CNN com
base nos boletins epidemiológicos do próprio ministério, mostrou que o número
de internações por Covid de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos no
Brasil em 2021 foi de 17.299 – um aumento de 18,2% em relação às 14.638
internações de 2020.
É sempre importante lembrar que o número ainda é
relativamente pequeno quando se compara com adultos. Para pessoas acima dos 20
anos, já foram mais de 1 milhão de internações neste ano, contra 579.949
internações em 2020 (veja o infográfico).
Por fim, um outro dado que aponta para o aumento no
número de internações de crianças e adolescentes por Covid é o que monitora os
casos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Uma das principais causas de internação por Covid é
quando a infecção evolui para SRAG, caracterizada pela presença de desconforto
respiratório e oxigenação baixa, que leva à necessidade de suporte de oxigênio.
Atualmente, cerca de 96% dos casos de SRAG são
associados à Covid. Os demais têm relação com outros vírus respiratórios que
voltaram a circular com força em algumas regiões do país, após a diminuição do
isolamento social.
Dados do último Boletim Sivep-Gripe, da Fundação
Oswaldo Cruz, divulgado na semana passada, mostram que as internações por SRAG
associadas à Covid chegaram ao mais baixo patamar da pandemia no país.
Mas o mesmo boletim observou que entre crianças e
adolescentes (de 0 a 9 anos e 10 a 19 anos) há uma estabilização dos casos “em
patamar significativamente elevado quando comparados com o histórico da
pandemia”, diz o relatório.
Em outras palavras, os casos entre crianças e
adolescentes não sobem, mas também não caem como nas outras faixas etárias, o
que pode indicar um reflexo da falta de proteção ao vírus visto nas outras
faixas etárias vacinadas, segundo Marcelo Gomes, pesquisador em Saúde Pública
pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do Sivep-Gripe.
“Desde o final do ano passado, quando começamos a
ter um relaxamento do comportamento, a nos expor muito mais, antes da volta das
aulas presenciais, já víamos um aumento de casos em crianças. Com o retorno das
aulas, vemos um aumento também nas internações”, alerta Gomes.
O pesquisador da Fiocruz aponta que os Estados
Unidos já haviam dado uma amostra do que uma flexibilização em escala pode
causar. “Os EUA mostraram ao mundo que as flexibilizações, associadas à recusa
de adultos em tomar a vacina ou usar máscaras, expõem deliberadamente as
crianças ao risco”.
Os EUA vivem uma explosão de casos e de internações
de crianças por Covid, que aumentaram 240% desde julho.
Segundo Gomes, no entanto, o Brasil vive uma
realidade distinta da americana, em que a variante Delta não teve consequências
tão dramáticas. Mas o fenômeno pode se repetir aqui se as crianças não forem
protegidas. E o número de internações de crianças por SRAG mostra isso.
De acordo com dados do Sivep-Gripe, em 2021, o país
já apresentou picos nas médias de internação por Covid de jovens de zero a 18
anos maiores do que os picos de 2020.
“Tivemos uma proteção muito boa das crianças em
2020, e hoje a gente vê esse cenário distinto”, disse Gomes.
Internações de crianças e adolescentes no Brasil em 2020 e 2021 / CNN Brasil
Outros vírus respiratórios
Apesar de o número de internações estar em alta de
acordo com os levantamentos, na prática, médicos ouvidos pela CNN percebem com
mais clareza o aumento de diagnósticos de Covid-19 – mas nem sempre nas
hospitalizações.
De todos os exames positivos para Covid realizados
no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, atualmente 20% são de
crianças e adolescentes, percentual maior do que no pico da pandemia, que foi
de 14%.
“Esse patamar subiu porque há uma circulação maior
dos adultos que convivem com elas, apesar de a Covid não se mostrar uma doença
efetiva nessa população”, diz Linus Fascina, gerente-médico do Departamento
Materno-Infantil do Einstein.
Mas, segundo Fascina, a maior parte das crianças
que contrai Covid não precisa de internação. Entre as que precisam, não é
necessariamente o coronavírus que causa a gravidade do quadro, mas sim a soma
com outros vírus respiratórios.
Depois de mais de um ano com crianças reclusas em
casa, alguns desses vírus respiratórios voltaram a circular com força e a
predominar, competindo com o coronavírus.
Segundo Fascina, o rinovírus, os enterovírus e o
vírus sincicial respiratório (VSR), além da própria influenza (gripe) estão causando o
aumento de internações de crianças no geral.
Essa competição entre vírus pode ser ainda mais
prejudicial para crianças mais novas, explica Fascina.
“Quando se tem doenças competindo, a criança volta
a ter reações inflamatórias. Não se sabia como elas reagiriam e notamos que
houve um incremento de internações de crianças em julho, agosto e setembro por
quadros respiratórios, como bronquiolites desencadeadas por vírus”, diz.
No Einstein, desde o começo da pandemia até
setembro deste ano, 150 crianças e adolescentes, de zero a 17 anos, foram
internados com Covid-19. Destes, 54 em 2020 e 96 em 2021, e nenhuma morte foi
registrada no hospital paulista nessa faixa etária.
Crianças com menos de 1 ano totalizaram o maior
número de internações por idade, com 31 internações. Do total, crianças de zero
a cinco anos foram as que mais precisaram ser hospitalizadas, com 77
internações em 2020 e 2021 somados.
No Sabará Hospital Infantil, em São Paulo, a
porcentagem de exames positivos para Covid em crianças está na casa dos 6%,
enquanto no auge da pandemia chegou a 14%.
Desde o começo da pandemia, 1.600 crianças e
adolescentes foram diagnosticados com Covid no Sabará Hospital Infantil.
Destas, 218 foram internadas e um evoluiu a óbito, segundo o gerente-médico.
Por outro lado, no mesmo hospital, desde julho se
registra um aumento de internações de crianças por doenças respiratórias não
relacionadas à Covid, que está se mantendo em agosto e setembro, segundo
Francisco Júnior.
“O número de diagnósticos de crianças com Covid
aumentou, o que é esperado porque é a faixa etária que não está vacinada. Mas
não temos observado aumento de internações por Covid no Sabará, e nem aumento
de mortalidade”, diz.
Apesar de as crianças e adolescentes terem uma
tendência menor de agravar e morrer por Covid do que os adultos, o que também
preocupa os médicos é a incidência de casos em crianças muito pequenas, cujo
sistema imunológico pode não ser capaz de combater a Covid associado ao outro
vírus.
“A maioria das internações ocorre em crianças com
menos de dois anos de idade”, diz Francisco Júnior.
Na sede do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo,
não se observa o aumento nos casos de Covid entre crianças, segundo a coordenadora
da pediatria do hospital, Lucília Faria. Segundo ela, o Sírio da capital
paulista teve 10 internações de crianças e adolescentes por Covid desde o
começo da pandemia até setembro, destes dois quadros graves. Mas ambas
melhoraram e receberam alta.
“No ano passado, com as medidas de isolamento
social, escolas fechadas, a gente realmente teve uma queda muito importante nos
quadros respiratórios nas crianças. E a partir do momento que se reduz essas
medidas, com aberturas e as crianças voltando para a escola, a gente vê um
aumento das doenças na faixa etária pediátrica, mas não observamos isso por
aqui ainda”, diz Lucília.
Potencial da Delta preocupa pediatras
A variante Delta, mais transmissível, preocupa os
especialistas.
“O poder de transmissão da Delta é mil vezes
superior à cepa original. Se ela pode atingir os vacinados, imagina o que pode
fazer com os não vacinados?”, disse Victor Horácio de Souza Costa Júnior,
diretor do Pequeno Príncipe.
Segundo Renato Kfouri, presidente do Departamento
Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o país
pode ter um aumento proporcional de casos de Covid entre as crianças justamente
por causa da Delta, embora o avanço da vacinação ajude a barrar os casos graves
e internações.
“Se tivermos uma explosão de casos da Delta, vai
atingir especialmente as crianças. Se tiver outra onda por aqui, igual a de
março, abril, não vamos ter somente 2% de crianças com Covid, vamos ter mais,
porque os casos vão se concentrar nos não vacinados”, disse.
No entanto, o pediatra não vê a possibilidade de um
aumento geral de casos e internações nos mais jovens por Covid, pois conforme
cai o total de infectados com a vacinação contra Covid-19, isso também ajuda a
diminuir a circulação do vírus no país.
“Para cada 100 casos de Covid na população
brasileira, havia três crianças internadas, o equivalente a 3% antes da
vacinação massiva. Agora, de 30 adultos, você terá três crianças, o que equivale
a 30% – mas continuam sendo três crianças. Você aumenta proporcionalmente o
número, mas não é um dado absoluto”, afirma.
Já para Gomes, da Fiocruz, a disseminação da Delta
é um risco real para as crianças brasileiras, e o exemplo dos EUA deve servir
de alerta.
“É natural que se observe um aumento significativo
de casos nas crianças por elas não estarem vacinadas. Temos exemplo de outros
países que sofreram com isso. A melhor saída é a gente se prevenir”, diz.
Blog do Paixão