Eurípedis Tavares tentou provar inocência de Geraldo Magno. Diante do júri popular, o acusado já estava condenado pela opinião pública tamanha a repercussão do assassinato na sociedade.
Por Mônica Silveira e Bruno Marinho, TV Globo e g1 PE
Foto: Arte g1
Um ano e quatro meses após a morte da "Menina Sem Nome", em 22 de junho de 1970, na praia do Pina, no Recife, o segundo suspeito preso foi a júri popular. Geraldo Magno de Oliveira, de 22 anos, foi condenado a 19 anos de prisão. Entretanto, o defensor público que tentou provar a inocência do acusado acredita que Geraldo foi torturado para confessar a autoria de um crime que não cometeu.
[Nesta semana, o g1 publica a série especial "Menina Sem Nome", junto com a TV Globo. Até sexta-feira (9), reportagens sobre o caso relembram detalhes do crime e trazem informações inéditas.]
Os advogados Maria da Penha Guimarães e Eurípedis Tavares de Melo Filho, chamados pelo juiz Nildo Nery dos Santos, fizeram a defesa de Geraldo Magno no Tribunal do Júri. Em entrevista exclusiva à TV Globo e ao g1, Eurípedis disse acreditar que a comoção popular que o crime provocou pesou na investigação do caso e no julgamento do acusado.
Notícia sobre Geraldo Magno de Oliveira publicada no jornal 'Diário de Pernambuco' em 3 de julho de 1970 — Foto: San Costa/TV Globo
"A opinião pública estava batendo muito nisso. A polícia, para mostrar eficiência, essa é minha opinião, eu não tenho nada como comprovar essa opinião, então apresentou. Ele confessou, nessas condições: (...) as mãos estouradas, os pés estourados e as costas eram uma chaga. Dessa maneira, quem não confessa? [Ele me] disse: eu juro ao senhor que não fui [eu] que matei", disse o defensor.
Ainda de acordo com Eurípedis, Geraldo falou para isso para o defensor público, que foi nomeado às pressas e seguiu para a Casa de Detenção para ouvir a versão do acusado sobre o crime.
O defensor público relembra o quão machucado e traumatizado estava Geraldo no momento em que o encontrou pela primeira vez.
Por conhecer os bastidores da atividade policial, já que trabalhou como escrivão, Eurípedis tem convicção da inocência do acusado. "Como eu conheci o delegado e sabia o método da polícia, o escrivão batia o que queria e o sujeito era obrigado a assinar. Depois de uma dúzia de 'bolo' e apanhar de toda maneira que você possa imaginar, a existência acaba", afirmou.
Geraldo era um homem que vivia nas ruas. "Vivia mendigando qualquer coisa, não tinha trabalho fixo não", disse. O defensor público também chamou atenção para os objetos recolhidos pelos peritos na praia do Pina, onde o corpo da Menina Sem Nome foi encontrado, como quatro sandálias sem formar pares.
Quatro sandálias sem formar pares foram coletadas pela perícia onde o corpo da Menina Sem Nome foi encontrado — Foto: Antônio Creosola/Arquivo Público de Pernambuco
"As quatro sandálias não são dela porque não correspondem ao número, nenhuma delas ao número do pé dela. Como é que se explica isso? Isso tudo eu levantei, por escrito", declarou Eurípedis.
O laudo tanatoscópico elaborado pelos legistas do Instituto de Medicina Legal (IML) havia descartado que a criança tivesse sofrido violência sexual. Na opinião do defensor, faltava uma motivação para Geraldo praticar o crime.
"Ninguém comete um crime sem motivo. Eu não conheço, na minha história de advocacia, nenhum crime desmotivado. Quando se pratica o crime sem motivo, é doente mental", afirmou o defensor, que solicitou que o acusado fizesse um exame psiquiátrico. O resultado foi positivo para esquizofrenia.
Questionado sobre se achava que o acusado era culpado, ele respondeu: "De forma nenhuma." [...] Na minha opinião, não tinha nada a ver com o caso. [...] Ela deve ter sido morta, minha opinião na época, por um, a gente chamava por um balanço de droga. Uma turma drogada e pegou a moça e ... se houvesse violência sexual, tava explicado tudo. Mas não havia violência sexual."
O que aconteceu com Geraldo?
No dia 27 de outubro de 1971, o júri popular considerou Geraldo Magno de Oliveira culpado pelo assassinato da Menina Sem Nome. Ele foi condenado a 19 anos de prisão, pena determinada pelo juiz Nildo Nery dos Santos, que faleceu em 2018.
Geraldo começou a cumprir a pena na Casa de Detenção, que foi desativada dois anos depois do julgamento. Todos os detentos foram transferidos para uma penitenciária em Itamaracá, no Grande Recife. "Deve ter ido para Itamaracá. Agora, ele foi assassinado na prisão," acredita Eurípedis Tavares.
A TV Globo e o g1 tentaram rastrear o paradeiro de Geraldo Magno. A Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco (Seres) afirmou que não poderia informar o que aconteceu com o detento se não pudéssemos dar mais detalhes sobre ele, como o nome da mãe, por exemplo.
Para localizar um processo de 53 anos atrás no arquivo do Fórum do Recife, seria necessário ter, pelo menos, o número do processo. Através da administração dos cemitérios do Recife, não foi possível confirmar se Geraldo morreu, pois não se sabe nem mesmo uma data aproximada de um possível enterro dele.
[A próxima reportagem da série especial "Menina Sem Nome", na quinta-feira (8), vai mostrar como o caso da Menina Sem Nome seria investigado atualmente, com os recursos de tecnologia que não existiam na época desse crime.]
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