Tostão: “Eu quero é jogar bola”
Quando Tostão deixou o Hospital Metodista de Houston, tinha no rosto um sorriso de esperança e uma venda, no olho, de dúvida.
Por José Maria de Aquino
- Eu quero voltar a jogar. Quero isso mais do que quase tudo na vida. Quero no duro. Quero mesmo e vou fazer tudo que for preciso para que isso aconteça. Só não quero uma coisa: jogar sem estar em perfeitas condições. Não seria justo nem honesto.
Entre Tostão que encontrei agora, em Houston, no Texas, deitado numa cama e saindo do Hospital Metodista depois de uma terceira operação no olho esquerdo, e o Tostão com que conversei muito em janeiro de 1970, na praia de Marataízes, Espírito Santos, três meses depois da primeira operação, notei que algumas coisas mudaram, mas notei também que uma, pelo menos uma – e na certa a mais importante para ele como homem e como jogador de futebol -, continua a ser igualzinha depois desses três anos. Está intacta a sua maneira elevada de ver as coisas, de enfrentar os problemas mais duros.
Recordações
Em Mataraízes eu comecei falando da beleza da praia, do sossego, de como ele era querido naquela cidade que o trata muito mais como Eduardo-gente do que como o Tostão-jogador, da cervejinha gelada, das serenatas que fazia com os amigos, com que falava de literatura, política internacional, moças bonitas e pouco futebol. Fui falando dessas coisas todas, rodeando para entrar no assunto de sua operação, quando ele, me avacalhando um pouco, preguntou por que eu tinha medo entrar direto no assunto.
- Você não veio aqui para falar disso tudo, veio foi para saber se eu vou ficar bom da vista, se volto a jogar, se vou ter medo de cabecear a bola, se estou triste, se vou me matar caso não possa continuar jogando futebol. Você veio foi para saber dessas coisas todas, certo? Então por que não pergunta logo sobre o que saber?
E foi falando tudo que todo mundo queria saber. Sempre com a mesma voz firme, mais firme, acho, do que minhas mãos que anotavam.
- Diga que voltarei a jogar, que eu irei à Copa do México, que ainda continuarei a ser Tostão, e por muito tempo. Diga isso muitas vezes. Repita sempre, tá?
Tostão voltou. Naquela época ele estava lendo O Poder do Pensamento Positivo, de Norman Vicente Peale. Talvez por isso tivesse repetido tantas vezes que ia voltar.
Hoje, Tostão anda lendo outros autores. Ele mostrou-me que tem o poder de pensar positivamente. No nosso primeiro encontro não houve brincadeira. Houve, sim, uma ameaça de bronca dele para cima de mim. “Não é por nada, não”, repetia-lhe, “mas é que as visitas estão proibidas e os médicos me recomendaram repouso absoluto. Você volta amanhã”. Só não voltei porque tinha ido lá com a cara de pau e porque dona Vânia ajudou a convencê-lo do contrário.
- Olha, Edu, se o moço chegou até aqui, passando por toda a fiscalização do hospital, é porque você deve falar com ele.
- Vamos conversar, mas apenas um papo entre amigos, certo? Não é uma entrevista, certo?
Numa ponte rápida entre Mataraízes-70 e Houston-73, Tostão naqueles momentos me parecia um homem mudado, irritado, medroso. Não era o Tostão que tantas vezes antes havia desafiado a gente a falar sobre o olho, sobre a operação.
Não fiz rodeios, como em Mataraízes. Perguntei, apenas, se tudo ia bem. Perguntei, mas eu não estava achando que as coisas iam bem. Ele estava sério, as feições duras, a mão direita brincando nervosamente com a esquerda, rodando a aliança.
Eu não queria, mas começava a sentir o mesmo que todo torcedor da Seleção Brasileira, como eu, ainda vai sentir por alguns meses: o medo de não ter o Tostão brigando contra os gringos duros na Copa da Alemanha.
O medo de não vê-lo repetindo em 1974 tudo aquilo que ele fez no México e que levou um jornalista inglês a profetizar que a Copa da Alemanha seria a Copa de Tost]ao e Beckenbauer.
Se eu fosse me basear apenas nessa primeira impressão, se já não o conhecesse bem, acho que teria dito o que ninguém quer ouvir nem vai aceitar por muito tempo: Tostão já sabe ou já sente que dificilmente voltará a jogar. Começamos a falar de tudo, menos da operação, do seu medo de não voltar a jogar. Acho que até eu mesmo evitei um pouco.
Passei a noite e a manhã do dia seguinte tentando descobrir por que Tostão estava irritado, duro. No dia seguinte entrei disposto a fazer perguntas sem rodeios. Caí do cavalo. Ele estava sentado na cama, barbeado, sorrindo, querendo falar.
Fonte: Grandes Perfis Placar
Blog do Paixão