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Os 5 fatores que explicam alta mortalidade da febre maculosa



CRÉDITO,GETTY IMAGES
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O carrapato-estrela é um dos principais transmissores da febre maculosa

Author,André Biernath
Role,Da BBC News Brasil em Londres

O recente surto de febre maculosa na região de Campinas, no interior de São Paulo, chamou a atenção para a alta taxa de mortalidade da doença: segundo dados do Ministério da Saúde, um terço dos indivíduos contaminados na última década morreu.

O quadro, transmitido principalmente por picadas de carrapatos-estrela (Amblyomma sculptum), é causado por algumas bactérias do gênero Rickettsia — mais especificamente as espécies Rickettsia rickettsii e Rickettsia parkeri.

Mas o que explica essa proporção tão alta de mortes relacionadas à febre maculosa?

Há pelo menos cinco fatores por trás desse cenário, segundo publicações científicas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil:
  • o comportamento do agente transmissor;
  • a agressividade do patógeno;
  • a demora no diagnóstico;
  • a evolução rápida dos sintomas;
  • e algumas mudanças ambientais.
O que dizem os números

De acordo com portarias publicadas pelo Ministério da Saúde, a febre maculosa é uma doença de notificação obrigatória — o que significa que todos os casos detectados devem ser informados aos órgãos de vigilância do Brasil.

Isso permite conhecer o histórico da enfermidade — e como ela vem se comportando nos últimos anos.

As estatísticas do último boletim epidemiológico publicado pelo governo federal, compiladas pela BBC News Brasil, mostram que, entre 2012 e 2022, foram notificados 2.209 casos e 753 mortes por febre maculosa no país.

Esses eventos se concentram principalmente nas regiões Sudeste e Sul — as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm menos de dez infecções e óbitos provocados pelas bactérias Rickettsia registradas por ano.

Esses dados permitem inferir uma mortalidade por febre maculosa de 34% na última década.

O médico Marcelo Simão Ferreira, professor titular de Infectologia da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, explica que existem três grandes polos de febre maculosa no país.

"Os casos se concentram principalmente no interior de São Paulo, na região de Campinas, Jundiaí e Piracicaba; no Rio de Janeiro, na serra de Petrópolis e Teresópolis; e em Minas Gerais, no entorno de Belo Horizonte e Contagem."

O Ministério da Saúde também informou que o Estado de São Paulo — o epicentro do surto atual — registrou 12 casos da doença em 2023. Desses, quatro indivíduos se recuperaram, seis morreram e dois continuam em investigação.

No país todo, são 53 casos e oito óbitos neste ano, mas é provável que os números sejam atualizados e se modifiquem ao longo dos próximos meses.

O médico Marcos Vinícius da Silva, responsável pelo Ambulatório de Doenças Tropicais e Zoonoses do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, pondera que a febre maculosa é uma doença com muita subnotificação.

"O que vemos nos hospitais é apenas a ponta do iceberg. Há os casos leves, que passam como uma alergia e nem são avaliados adequadamente", diz ele.

E, mesmo entre os casos mais graves que aparecem nos boletins epidemiológicos e nas manchetes, há muita confusão com outros problemas de saúde — como explicamos a seguir.



CRÉDITO,GETTY IMAGES

1. Transmissor sorrateiro

A temporada de outono-inverno é o período de maior incidência de carrapatos. É nessa época que eles se reproduzem e que surgem as larvas, conhecidas popularmente como micuins.

Esse "filhote" de carrapato é bem pequeno e difícil de detectar. Ele pode se grudar ao corpo e permanecer ali por um tempo antes de ser removido.

Caso ele carregue o patógeno por trás da moléstia, a junção de todos esses fatores aumenta o risco de transmissão.

2. Patógeno agressivo

Marcelo Simão Ferreira, que é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, também pontua que as bactérias Rickettsia causadoras da febre maculosa têm um comportamento bem agressivo quando invadem o corpo humano.

"Elas infectam as células que constituem as paredes dos vasos sanguíneos", diz.

"Geralmente, o micro-organismo começa a afetar pequenos vasos, mas logo as lesões se espalham para a pele e outros órgãos, como o fígado, os rins, o coração e até o sistema nervoso central."

O quadro piora rapidamente e gera uma sepse — uma inflamação sistêmica em que o corpo deixa de funcionar como o esperado.

3. Demora no diagnóstico

O segundo motivo por trás da alta mortalidade tem a ver com as manifestações mais comuns da febre maculosa.

O grande problema é que eles são bem parecidos ao que acontece com outras doenças infecciosas relativamente frequentes, como dengue, leptospirose e meningite.

Essa similaridade de sintomas entre doenças infecciosas pode atrasar o diagnóstico correto — como a febre maculosa é mais rara, os profissionais de saúde tendem a suspeitar de outras doenças em primeiro lugar.

"É muito comum que o paciente chegue ao pronto-socorro com febre e isso cria uma suspeita automática de dengue, já que é essa é uma condição por trás de grandes epidemias no país", descreve Ferreira.

O Ministério da Saúde diz que os principais sintomas da febre maculosa incluem:
  • Febre;
  • Dor de cabeça intensa;
  • Náusea e vômitos;
  • Diarreia;
  • Dor abdominal;
  • Dor muscular constante;
  • Inchaço e vermelhidão na palma das mãos e na sola dos pés;
  • Gangrena nos dedos e nas orelhas;
  • Paralisia dos membros que se inicia pelas pernas e vai subindo até os pulmões, o que pode provocar graves problemas respiratórios.

Silva, que também é consultor de zoonoses do Ministério da Saúde, detalha que essas manifestações costumam começar sem nenhuma característica especial.

"Os sintomas da febre maculosa são inespecíficos. Geralmente a pessoa tem febre alta, dor de cabeça, mal-estar, falta de apetite…", lista o médico e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Um dos sinais mais marcantes da enfermidade surge logo na sequência para cerca de 80% dos acometidos: manchas ou erupções na região dos punhos ou dos tornozelos.

Eles estão relacionados à lesão nas paredes dos vasos sanguíneos, como explicado no tópico anterior.

A recomendação dos especialistas, então, é ficar atento a esses sintomas — e avisar o profissional de saúde se você visitou alguma região onde os carrapatos são mais comuns (como áreas de mata) ou teve contato próximo com animais que podem carregar esse artrópode (caso de capivara, gambás, cavalos, bois, cachorros…).


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Altas temperaturas costumam ser um dos primeiros sinais da febre maculosa

4. 'Evolução fulminante'

Com o atraso na detecção da febre maculosa, perde-se uma janela de oportunidade valiosa para iniciar o tratamento adequado.

O diagnóstico dessa doença, aliás, não espera nem o resultado de exames laboratoriais.

"Se a pessoa apresenta sintomas sugestivos e esteve em regiões de mata com presença de carrapatos ou animais que carregam esses artrópodes, o tratamento deve ser iniciado no máximo em 48 ou 72 horas", indica Ferreira.

Normalmente, o laudo dos testes pode demorar dias ou semanas para ficar pronto.

"Falamos de uma doença com evolução fulminante. Se esperarmos o resultado dos exames, nós perdemos o paciente", complementa o médico.

Nos primeiros dois ou três dias após o início dos incômodos, a doença pode ser tratada com antibióticos que atuam especificamente contra essa bactéria, como a doxiciclina e o cloranfenicol.

Os especialistas reforçam que, se usadas no momento correto, essas medicações têm uma boa eficácia e permitem a cura na maioria das vezes.

Conforme os estragos progridem pelo corpo, porém, o risco de sequelas (como amputações de membros por causa da gangrena) ou de morte aumenta exponencialmente.

Os fármacos para tratar a febre maculosa estão amplamente disponíveis na rede pública e o Ministério da Saúde afirma ter um estoque estratégico de doses, que podem ser enviadas aos Estados que precisarem.


CRÉDITO,GETTY IMAGES
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Capivaras são um dos animais que carregam carrapatos-estrela

5. Mudanças no meio ambiente

O quinto e último fator que ajuda a entender a alta mortalidade por febre maculosa observada no Brasil tem a ver com o contato próximo com reservas naturais e animais silvestres.

"Cada vez que você mexemos com a natureza, não sabemos onde a bomba vai estourar. Os desequilíbrios ambientais alteram as cadeias de transmissão de doenças, de modo que não temos certeza sobre o que pode acontecer", alerta Silva.

O infectologista lembra que, em muitas regiões do interior paulista, foram construídos condomínios que ficam próximos a áreas de mata.

"Nesses locais, também é comum ver a proliferação das capivaras, que carregam os carrapatos", observa.

Silva acrescenta que algumas aves também transportam esse artrópode de um lugar para o outro. "E pode acontecer de o carrapato parar num quintal, picar um cachorro e depois ser transmitido para uma pessoa", exemplifica.

A boa notícia é que existem algumas estratégias para diminuir o risco de ter contato com o carrapato e se infectar com o patógeno.

"Se você for visitar uma zona de mata, principalmente das regiões onde a febre maculosa é mais comum, vale tomar todo cuidado possível", sugere Ferreira.

O primeiro ponto de atenção está no vestuário. Use botas de cano alto e coloque a barra da calça para dentro do calçado — se for o caso, você pode até passar fitas adesivas nas canelas para vedar possíveis aberturas na área do tornozelo.

Isso impede que os carrapatos entrem pelas pernas e "escalem" o corpo. Geralmente, eles se instalam em regiões mais quentes e com boa oferta de sangue, como os glúteos, o períneo, a virilha e o abdômen.

"Usar peças brancas ou claras é outra dica, pois isso facilita na hora de identificar e eliminar os carrapatos", adiciona Silva.

Vale ainda passar produtos repelentes feitos com icaridina, que também funcionam para afastar esses artrópodes.

Se você for picado por um carrapato, a remoção dele deve ser feita com bastante cuidado. Silva recomenda o uso de pinças de sobrancelha para essa tarefa. "É preciso removê-lo inteiro, sem esmagá-lo", orienta o médico.

Por fim, caso você apresente os sintomas de febre maculosa e esteve numa área endêmica nas últimas semanas, vale visitar o pronto-socorro o mais rápido possível e relatar o caso em detalhes para o profissional de saúde durante a consulta.

Febre maculosa: quem deve responder pelas 3 mortes no interior de SP?


CRÉDITO,EDUARDO LOPES/ARQUIVO PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS
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Prefeitura de Campinas notificou fazenda e disse que ela só poderá receber novos eventos após obeceder a uma série de regras

Author,Felipe Souza
Role,BBC News Brasil em São Paulo

Após a confirmação de três mortes por febre maculosa e outros três casos estarem sob investigação, a prefeitura de Campinas, no interior de São Paulo, disse que tomou uma série de medidas para evitar novos casos. A intenção é que as regiões de mata e locais onde há maior chance de proliferação da doença sejam sinalizados e evitados.

O Instituto Adolfo Lutz, da capital, aponta que a Fazenda Santa Margarida, no distrito campineiro de Joaquim Egídio, é apontada como o provável lugar onde as seis pessoas foram infectadas, durante um evento chamado Feijoada do Rosa, em 27 de maio. O espaço foi interditado preventivamente pela prefeitura.

A Fazenda Santa Margarida só poderá fazer novos eventos após apresentar um plano de comunicação e de contingência ambiental para orientar os frequentadores sobre os riscos que a região apresenta.

Mas existe um responsável por essas infecções transmitidas pelo carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), em uma situação já considerada um surto na região?

A prefeitura de Campinas disse, em nota enviada à BBC News Brasil, que, “por tratar-se de local sem casos de febre maculosa conhecidos até então”, não havia exigências sanitárias específicas em relação a essa doença.

No entanto, Campinas e os municípios que compõem sua região metropolitana são endêmicas para a doença. A partir de agora, o município disse que exigirá um plano de comunicação para que os frequentadores de eventos semelhantes estejam cientes dos riscos.

Dessa maneira, não há expectativa de que a fazenda, seus donos e os organizadores do evento no qual as pessoas podem ter sido infectadas sejam responsabilizados pelas contaminações.

Em nota, os organizadores da Feijoada do Rosa lamentaram as mortes e se solidarizaram com as famílias das vítimas da febre maculosa.

A organização afirmou que esta edição contou com a presença de 3.500 pessoas e disse que, “até o momento, não se pode descartar que as contaminações tenham eventualmente ocorrido durante essa frequência na Fazenda Santa Margarida, mesmo porque a Vigilância Sanitária local veio a público reforçar que a cidade de Campinas ganha especial expressão como foco da referida doença”.

“É importante trazer ao conhecimento de todos que a Feijoada do Rosa é uma festa tradicional da cidade de Campinas, tendo realizado neste ano a sua 22ª edição, sendo que nos últimos 10 anos teve como palco a Fazenda Santa Margarida, no Distrito de Joaquim Egídio, conhecido e consagrado espaço de grandes celebrações há décadas.”

A administração da Fazenda Santa Margarida também lamentou as mortes e afirmou que “sempre agiu e age de acordo com todas as normas e exigências legais relacionadas à vigilância sanitária”.

A fazenda disse que “está trabalhando num plano de ação” que será apresentado à prefeitura até o fim da semana.

Conscientização


CRÉDITO,PA MEDIA
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Autoridades de saúde afirmam que o carrapato estrela está presente principalmente em áreas de gramado e mata

O Departamento de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas determinou, entre as estratégias do plano de ação, que a fazenda deverá “construir caminhos para as pessoas percorrerem o local".

A intenção é que os frequentadores evitem passar por áreas de mata e gramado, onde é mais provável a presença do carrapato-estrela, capaz de transmitir a febre maculosa.

O local é conhecido na região de Campinas por sediar shows de artistas conhecidos nacional e internacionalmente, como Seu Jorge, Ivete Sangalo e Gusttavo Lima, que tem show previsto na fazenda para o dia 21 de julho.

A fazenda também foi notificada sobre a necessidade de instalar placas para informar aos frequentadores sobre o risco de infecção da febre maculosa.

Segundo a prefeitura, “o local está com alvará para eventos e auto de vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) regular e estava autorizado a realizar o evento”.

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo alertou que todas as pessoas que estiveram na Fazenda Santa Margarida do dia 27 de maio a 11 de junho e sentirem febre, dores de cabeça ou no corpo, ou manchas avermelhadas na pele, devem procurar atendimento médico imediatamente e informar que estiveram no local.

O governo destacou que é importante estar atento a esses sinais, pois o período de incubação da febre maculosa é de dois a 14 dias.

Região endêmica



CRÉDITO,GETTY IMAGES
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Quando o carrapato infectado pica uma pessoa, as bactérias entram na pele

Dos 12 casos confirmados da doença em 2023, três foram de pessoas que estiveram nos eventos realizados na fazenda.

O tratamento precoce evita o agravamento da doença, segundo as autoridades de saúde. O tratamento contra a febre maculosa é feito por meio de antibióticos, como a doxiciclina, que age combatendo as bactérias no organismo.

A febre maculosa, também conhecida como doença do carrapato, é uma infecção febril de gravidade variável, com elevada taxa de letalidade. Ela é causada por uma bactéria do gênero Rickettsia e transmitida pela picada do carrapato.

A infestação ambiental por ninfas (estágio juvenil) de carrapato-estrela é alta entre junho e novembro, segundo as autoridades de saúde. E as cidades com maior frequência de casos são Campinas, Piracicaba, Assis e Sorocaba — todas no interior de São Paulo.

A diretoria do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo afirmou que as pessoas devem estar cientes dos riscos que correm ao visitar algumas regiões durante o período de reprodução do carrapato-estrela.

“Ao se aventurar em regiões de mata e cachoeira, é importante estar ciente que estamos no período de reprodução do carrapato-estrela, ocorrendo o risco de transmissão da febre maculosa através de sua picada.”

Entre as maneiras de evitar a doença, estão verificar com frequência se há algum carrapato preso ao corpo, usar roupas claras com manga longa, calça comprida e calçado fechado.

O levantamento mais recente do Ministério da Saúde mostra que, de 2007 a 2021, foram notificados 36.497 casos de febre maculosa no Brasil, dos quais 7% foram confirmados, em uma média de 170 por ano nesse período.

Dos 2.545 casos confirmados, 2.538 relataram situações referentes à exposição de risco e, destes, 68,5% haviam frequentado ambientes de mata.

O lago do Café, que fica em Campinas, ficou fechado de 2008 a 2013 após três funcionários do local morrerem de febre maculosa. Na reabertura ao público foram instaladas placas orientando os frequentadores a permanecerem apenas nas áreas asfaltadas.

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