Rapazola, Luiz Gonzaga foi discriminado pelo pai de uma pretendida. Depois de desafiá-lo publicamente, levou uma surra homérica da sua mãe e fugiu para Fortaleza. Daí seguiu para a fama
“Tão vendo? O cabra afrouxou...Fui lá, disse o diabo, e ele esperneou que só um cabrito...quá, quá, quá, quá.”
Enquanto isso, quase não conseguindo conter a raiva, Raymundo encaminha-se à feira na esperança de encontrar Santana, mãe de Luiz.
“Seu filho me desmoralizou...Me ameaçou de morte...Está armado e bêbado e é capaz de cometer alguma loucura aqui na feira...”
Quase sem acreditar no que escuta, Santana procura apoio e segurança no braço de Efigênia, a Geny, a mais velha de suas filhas, com quem faz biscates na feira. Indignada, só pensa agora, o mais depressa possível, em voltar para casa. Quando anoitece e os céus exuenses entoam mais Ave Maria, meio desconfiado e já pressagiando maus momentos, retorna Luiz Gonzaga. Santana está “refungando” com Januário e o filho não percebe que ela, muito nervosa, está segurando uma forte chibata de jumento. E logo chama à camarinha. De porta trancada, inteiramente possuída pelo rancor, baixa a cipoada no rapaz, ajudada por Januário. Quando finda a “sessão” de pancadaria, a maior sova de toda a sua vida, Luiz Gonzaga está extenuado.
Por quase uma semana, enquanto cura as dores, da alma e do corpo, não conversa com ninguém, apenas medita sobre os rumos de suas futuras estradas.
Um novo dia está amanhecendo nos céus de Exu, sombrio domingo para Luiz Gonzaga que ainda se ressente da implacável punição, para ele um injusto castigo. Está faminto e sedento. Resolve voltar para casa. Acontece, então, o primeiro “olho-no-olho” com Santana. Logo percebe em seus pesarosos olhares, sinais de arrependimento, sinais desenhados pelas fadigas do rosto, visíveis sinais no jeito de falar, nervoso e consternado, mas repleto de indisfarçável meiguice materna. Entretando, não mais dispondo das rédeas de seus caminhos, Luiz Gonzaga mente, a mentira de quem não mais saberá olhar nos olhos dos amigos, tampouco nos da namorada: a mentira – disfarce de todas as vergonhas – de quem entende que a retirada, sem deixar vestígios, torna-se uma imperiosa necessidade.
“Fui contratado para tocar numa feira do Crato. Vai ser uma segunda-feira, mãe! Eu tenho de partir!”
Mesmo a serenidade irradiada pelo filho, Santana se vê apreensiva pela longa caminhada.
“Setenta quilômetros a pé, filho?”
Luiz procura amenizar as aflições da mãe:
“Não se preocupe, mãe! Eu já conheço esses penosos caminhos, mas eu passo a noite na casa de seu Raymundo Preto. De manhãzinha, outra vez toco a estrada. É moleza”.
Chega ao Crato e a primeira providência é livrar-se da sanfona amarela, logo vendida por 80 mil réis. Pega um trem de carga e vai para Fortaleza, onde inscreve-se como voluntário da Forças Armadas.
Assim, por amor por Nazarena Saraiva Milfont, a doce Nazinha, o encaminha às novas veredas musicais.
Quando arriba de casa, condoído na alma e no coração – porque tivera a petulância de enamorar-se pela filha de um preconceituoso sertanejo – Luiz Gonzaga, sem imaginar o que o destino lhe reserva, abdica do reinado regional de Taboca a Rancharia. Em contrapartida, conquista as luminosas estradas que o conduzem à coroa de Rei do Baião.
Revista Continente
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