Os anos 60 foram de impiedosas discriminações a Luiz Gonzaga e ao gênero baião. É época de Bossa Nova, Jovem Guarda, guitarras elétricas, modismos estrangeiros e caseiros. O espaço que lhes sobra são as cidades do interior.
O preconceito chega ao auge no ano de 1967. Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, e o escritor Ariano Suassuna compõem um baião, “São os do Norte que Vê”, inscrito e classificado no II Festival Internacional da Canção Popular. Este cai como uma luva para a interpretação de Luiz Gonzaga. Tanto que Capiba, seu grande amigo, pressentindo a perfeição desse casamento – artista e música – convida-o para cantá-la, logo em seguida indo ao Rio para acerto dos detalhes de arranjo do Festival vetam a ideia.
Luiz Gonzaga está desgostoso e pensa em “pendurar” a sanfona prateada. É o reflexo de uma coroa que parece declinar dos topos do cancioneiro popular. Ao mesmo tempo reflete e tem sentimento de que o Nordeste ainda o acolhe. Sua gleba, esses interiores tão seus conhecidos, seus rincões, sua gente que o respeita e admira, são razões suficientemente fortes para que, com sua sanfona, continue compondo e cantando.
Na virada dos anos 60/70 muito se fala de “rock caipira” e “rock rural”. Uma exótica mistura de ritmos é imediatamente baião-rock. Há, também, quem sinceramente veja semelhanças entre as músicas de Luiz Gonzaga e a “country música” americana, que é uma das bases do rock de Elvis, de Bill Halley e dos então já decantados The Beatles.
Naqueles tempos, Carlos Imperial vivia o apogeu de sua carreira artística. Ator e compositor e “jurado” de programas de televisão, um dos pilares do movimento da “Jovem Guarda” e laureado em vários festivais de música popular, Imperial há muito proclamava a tal semelhança.
Em 1968, Luiz Gonzaga por ele é convidado para participar de um de seus programas televisivos, ocasião em que se discuteo “Baiao-rock”.
Meio sem jeito, sobretudo porque teme o que possa dizer caso ele confirme a apregoada semelhança, o “Rei do Baião” não se define e se vê quase perdido nas sombrias encruzilhadas desses entrançados musicais.
Nesse momento, Carlos Imperial bate na mesa, levanta-se e, olhando para Gonzaga (que logo pensa: “É agora, meu padrim padre Ciço, tô lascado!”), categoricamente afirma: “Esse homem que representa a simplicidade nordestina, sendo o criador e o divulgador mor do baião, na sua modéstia, não se sentiria à vontade para comentar semelhanças entre a música dos Beatles e a sua toada, como ele próprio classifica: e que é pelo menos, 20 anos mais antigas...”
Num gesto um tanto teatral, desvia o rosto para o foco de outra câmera, como se quisesse olhar nos olhos e falara com o telespectador, e continua: “Vocês – agora apontando para os demais debatedores – críticos de Música Popular Brasileira, que abominam o xote, o xaxado, a toada, o baião e a sanfona de Luiz Gonzaga, por vocês chamada sanfona cafona da mediocridade, saibam todos, e eu tenho a prova aqui: OS BEATLES ACABAM DE GRAVAR A ASA BRANCA DE LUIZ GONZAGA”.
A revelação tem efeito de um terremoto. A música de Luiz Gonzaga gravada pelos Beatles? Nem Ary Barroso mereceu tal distinção, dizem. Ora, nem Tom Jobim, e nem Chico Buarque, outros complementam.
Até ele, ali presente e que desconhece as reais intenções do apresentador fica surpreso. “É verdade, seu Imperial?”, é a simplória indagação de Luiz Gonzaga.
A partir de então todos se voltam para o cantor das léguas tiranas...É uma verdadeira loucura. Os focos dos refletores agora estão direcionados para o “Rei do Baião”. Jornais, rádios, revistas e a própria televisão, todos querem entrevista-lo. Seu cachê fica mais decente. Seus discos começam a vender em maior quantidade. Veteranos e jovens, músicos e cantores, do movimento pós “Bossa Nova” ao “Tropicalismo”, todos determinam unanimidade nacional em todo do pernambucano de Exu, filho e Santana e Januário, cantador zambeta e zarolho, que lançara para o mundo o permanente voo de uma nova música, o gênero baião. Outra vez cortejado e, por todos os méritos e direitos, reverenciados como a majestade única do baião, Gonzaga sustenta a inverídica notícia. Por questão de ética e respeito ao público, faz isto de uma maneira singular: não a confirma e nem a desmente. Ele só pensa em pega a “malota”, recheada de xote e de baião, e voltar a despejá-la por esses enormes brasis.
Revista Continente
Blog do Paixão