Depois do célebre episódio da apresentação de Dominguinhos como “herdeiro artístico“, o garoto não mais saiu da casa de Gonzaga. Para onde o “velho” ia, fossem shows ou gravações, lá estava lá o pirralho de contrapeso. “Ficou sendo a minha segunda casa. Ele dizia: ‘Neném pega a sanfona para me acompanhar’. Numa dessas turnês nordestinas, em 1967, cheguei a ser o motorista da “van” que transportava o sanfoneiro e a banda. Se as kombis hoje não prestam, imagine naquela época. Não tinha nem janela”, recorda.
Algumas vezes, o herdeiro também fez a locução dos shows. Depois, começou a tocar mesmo. Gonzaga assistia a toda a evolução do rapaz no palco, mas não o elogiava.
“Ele não era de elogiar. Só dizia ‘você tá muito enxerido’. Ele usava duas sanfonas. Eu fazia o acompanhamento normalmente. Era mais um embelezamento. Ele gravava com dois e até três acordeons. Mas não elogiava, aliás, nordestino não gosta de elogiar. O pai costuma agir assim para não estragar o filho. Ele dizia: esse moleque tá muito enxerido. Mas dizia às outras pessoas: ‘Pode confiar, ele está tocando muito’. Era o jeito dele”.
Dominguinhos, por sua vez, ignora a tradição nordestina e enaltece o mestre. “Ele foi a pessoa que mais inventou moda. Aquele jogo de fole ninguém fazia. O sulista norte-americano toca batido. Com o acordeom, você toca de tudo, valsa, bolero e música erudita. Há grandes concertistas de acordeom no mundo. Há acordeonista japoneses. Na Europa. Na Europa, há sanfona só com botões – sem o teclado de piano. Por isso, até Sivuca e Hermeto Pascal aprenderam com ele”, avalia.
Entre os shows dos quais José Domingos participou como sanfoneiro estava o espetáculo de 1972 que originou o CD “Volta pra Curtir”. A propósito, o forrozeiro ficou surpreso ao saber que o show havia sido gravado. “Ninguém da banda sabia. Nem o próprio Gonzaga porque ele não comentou nada com a gente. Quase trinta anos depois, a gravadora me procura para pedir a aprovação para liberar o material”, conta. Para o músico, o fato de o disco ter passado tanto tempo no limbo só tem um motivo: “burrice da empresa”. Afinal trata-se de um ótimo registro de uma apresentação ímpar.
“Eu tenho vários discos na BMG, mas todo ano só relançam as mesmas coisas. O mesmo fazem com Luiz Gonzaga. É uma falta de preparo. Mas elas são todas do mesmo jeito. Não chegam para o artista e perguntam: ‘há uma série de discos gravados, o que você sugere para ser relançado?’. Para fazer compilações, chamam umas pessoas que não têm competência”. Há vários 78 rotações de Luiz Gonzaga que não foram relançados.
Apesar de ter ficado surpreso com a qualidade da gravação do CD “Volta Pra Curtir”, o compositor reclama que na pós-produção fizeram “um corte horroroso no disco” exatamente em uma das histórias, causos, narrados pelo sanfoneiro. “Nos shows pelo interior do País, o povo cobrava: ‘seu Luiz, uma leriazinha!.’ Nesse disco cortaram muita conversa do show. Pouca gente sabe, mas ele era um grande ator”.
Para o artista, que conviveu de pertinho com Luiz Gonzaga, opinar sobre o panorama atual do forró é uma árdua tarefa. “São os trios (sanfona-zabumba-triângulo) quem realmente defendem o forró. Há vários pelo país. Trio Xamego, Virgulino, Sabiá, Fuba de Taperoá. Também existem outros artistas que têm esse compromisso, como Genival Lacerda, Biliu de Campina, Jorge de Altinho. Você vê isso nos recentes discos de Camarão e Jacinto Silva, que faleceu recentemente. O nome é ruim, mas o grupo é bom: Forró Sacana. O Falamansa é um momento. Não posso dizer que seja bom ou ruim. Hoje quem está lotando as casas de shows no sudeste são eles.
Pelo menos, estão divulgando a música nordestina. Agora tem também o Rastapé, o Peixe Elétrico”, lista. Há muita gente que faz música merengueada e diz que é forró”, critica o cantor, com a autoridade de quem acaba de lançar mais um bom disco na sua carreira.
“Quem começou esse movimento foram as bandas de forró cearense. Não podemos negar. Depois que a lambada acabou, colocaram casais para dançar no palco e passaram a tocar a noite inteira. Ele têm dois guitarristas, dois músicos para cada instrumento. Com isso desempregam vários artistas, inclusive eu. Como o sucesso, muitas bandas de baile passaram a tocar forró, como a Magníficos. Alceu Valença diz que essa sonoridade é meio Calypso. É um forrolambada”, avalia.
Ao contrário do mentor, Dominguinhos aproveita para também distribuir elogios aos colegas de profissão. “Gostei muito do disco de Gil. Ele é muito correto. É um grande cantor, toca sanfona bem. Aliás, antes de tocar violão, tocava sanfona. Também gosto de Targino Gondim (autor de Esperando na Janela). Eu o conheci quando ainda era garoto. Ele tem um carinho enorme por Gonzaga e teve a mesma chance que eu tive”. No caso, quem estendeu a mão foi Gil, que não por acaso, encarnou o personagem Gonzagão (com chapéu de couro, gibão) na capa do recente álbum, São João Vivo! (Warner), em que que homenageia o professor.
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