Discussão aconteceu após quadro do escritor ser pichado durante exposição na universidade. Segundo professores, encontro abordou cultura do cancelamento, censura e importância histórica das obras.
Por Vitória Amorim*, g1 Campinas e Região
Cartaz chamando as pessoas para o debate "O IEL deve cancelar Lobato?" realizado pelo IEL da Unicamp — Foto: IEL/UNICAMP/ Reprodução
Nem mesmo Monteiro Lobato, renomado autor da literatura brasileira, teve a obra imune à ação do tempo e aos questionamentos da atualidade. Recentemente, o “cancelamento” do escritor virou tema de um debate no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp após acusações de racismo.
📚 Nesta quinta-feira (18), data em que é celebrado o Dia do Livro Infantil em homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato, o g1 explica como as polêmicas que cercam o autor se tornaram “ponto de ignição” da discussão e – spoiler! – a razão pela qual ele deve continuar sendo estudado, segundo especialistas.
Como o debate começou? ⏳
Em Campinas, a discussão sobre o assunto começou em setembro de 2023, quando um quadro do autor que estava na exposição “Retratos Literários”, no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (Cedae), foi pichado com a palavra “racista”, e trouxe à tona conversas sobre sua obra e posicionamentos.
De acordo com o professor Petrilson Pinheiro, diretor do IEL, a pichação não representou apenas a ação isolada, mas demonstrou a visão de outras pessoas a respeito do autor e sua obra, envolvendo questões mais amplas sobre a própria cultura do cancelamento e a censura.
“Quando a gente propõe simplesmente o 'cancelamento', ele pressupõe, de uma certa forma, um apagamento. Se pressupõe que não se cogite sequer a possibilidade de levar aquela obra para discussão, né? Isso é que é ruim! A gente tem que problematizar a obra”, conta Pinheiro.
Afinal, Monteiro Lobato foi 'cancelado'? 🚫
Para Milena Ribeiro Martins, professora de literatura, especialista em teoria e história literária e formada em letras pela Unicamp, a proposta de cancelar qualquer obra “é um desserviço à cultura e à história”.
"Precisamos é entender o passado, entender como chegamos a ser a sociedade do presente, e daí delinear o que desejamos para o futuro", destaca.
Martins descreve Lobato como uma figura de importância imensurável no estudo da humanidade e da história do Brasil. Além disso, a professora acredita que o cancelamento ou outras atitudes que possam gerar “censura” às obras acabam acentuando o interesse pelos escritores.
"Vejo que o cancelamento afeta mais quem tem menor acesso a bens da cultura escrita. Afeta mais quem mais precisaria de formação, de incentivo, de acervo. Parece mais uma ação deliberada de desincentivo à leitura. Mais uma violência contra a leitura", diz.
Monteiro Lobato com as crianças Sandra, Eliana e Celeste. Belo Horizonte, 1946. — Foto: Fundo Monteiro Lobato CEDAE/IEL - UNICAMP
Por que o acervo da Unicamp é importante? 📃
A coordenadora técnica do Cedae, Roberta de Moura Botelho, relata que a preservação de um acervo pessoal como o de Lobato na Unicamp é importante para a própria existência do local, além de garantir a perpetuação do acesso público aos documentos.
"Na medida em que são considerados fontes primárias da informação, [os documentos] fornecem matéria-prima para a construção de entendimentos sobre o passado e o presente, constituindo-se portanto, como um importante patrimônio histórico e cultural da humanidade", pontua.
De acordo com Roberta, a “preservação do acervo de Monteiro Lobato, como outros arquivos pessoais sob nossa salvaguarda, oferece à sociedade muito mais que um legado individual, mas importantes contribuições para a memória e difusão do conhecimento, ultrapassando seu valor primário”.
Família Monteiro Lobato. Da esquerda para a direita, em pé, Marta, Purezinha e Monteiro Lobato, sentados, os filhos Guilherme e Ruth. Rio de Janeiro, [1925 ou 1926] — Foto: Fundo Monteiro Lobato CEDAE/IEL - UNICAMP
O que há no acervo? 🗃️
Criado em 1999 com a doação da Coleção Biblioteca Lobatiana pela mestranda Cilza Carla Bignotto, o Cedae cresceu ao longo dos anos com outras doações, como as dos fundos Monteiro Lobato e Charley Warren Frankie. Confira, abaixo, o que há em cada uma:
📘 Biblioteca Lobatiana: composta por 547 impressos e várias primeiras edições; traduções de Lobato; exemplares da Revista do Brasil editada por Lobato; e livros de Lobato publicados em diversos idiomas, como russo, japonês. Pode ser acessado pelo site do acervo.
📗 Fundo Monteiro Lobato: tem 600 manuscritos e datiloscritos, entre originais e correspondências; 468 impressos, entre livros, jornais, revistas e artigos de jornais; cerca de 600 fotografias; 165 desenhos e aquarelas; e 7 objetos. Pode ser consultado através deste link.
📙 Charley Warren Frankie: composto por 171 manuscritos e datiloscritos, na maioria correspondências; 2 impressos; 54 fotografias; e 1 mapa. Disponível para consulta através do link.
Os documentos do acervo podem ser acessados gratuitamente, tanto nas salas quanto pelo site. O horário de atendimento ao público é de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h30 às 17h30.
A Menina do Narizinho Arrebitado de Monteiro Lobato. Manuscrito de Monteiro Lobato. [São Paulo, 1920], 24 p., dt. (c/ correções ms.; incompleto). — Foto: Fundo Monteiro Lobato CEDAE/IEL - UNICAMP
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