Dr. Silvana & Cia conta ao
g1 que segue fazendo 'serão extra' em festas anos 80 e em estúdio. 'Era legal
fazer o pessoal rir. Faustão dizia que Mamonas Assassinas comeram na nossa
mão.'
Por Braulio Lorentz, g1
Cícero Pestana se apresenta com a banda Dr. Silvana & Cia com Xuxa ao lado e Letícia Spiller ao fundo — Foto: Divulgação/Facebook da banda
Cícero Pestana sempre olha para
trás quando alguém grita “Dr. Silvana” nas ruas do Centro do Rio, onde mora. O
nome do vilão de quadrinhos batiza a banda que ele lidera desde 1984, criada
mirando o sucesso com músicas “simples e engraçadas”, na definição dele. O Dr.
Silvana & Cia teve um grande hit, com o refrão “Eu fui dar, mamãe / Eu fui
dar um serão extra / Trabalhei com o patrão”.
Pestana também trabalhou
bastante. Foi roadie e técnico de gravação. Tocou em bailes e com o
popularíssimo Márcio Greyck. Em entrevista ao g1, Cícero contou que hoje a agenda da banda é
preenchida por apresentações em festas anos 80.
Como técnico de gravação, recebeu
créditos em álbuns que vão de Angélica a Rogério Skylab. Nos últimos anos,
também mantém um estúdio para gravar trilhas, jingles e o que mais valer um
serão extra.
Nesta semana, o g1 publica uma
série especial de entrevistas com brasileiros que fizeram sucesso na
música e apresentam novidades em 2025.
g1 - A banda voltou desde
quando?
Cícero Pestana - Olha,
a banda nunca parou de verdade. Sempre estivemos por aí. Paramos só uma vez por
causa de um acidente com nossa van, em 1995. O baterista e o tecladista
quebraram a perna, um outro machucou a cabeça seriamente e eu fiquei um tempo
sem andar. A gente estava indo para um show aqui no Rio de Janeiro. Foi
chocante mesmo, então a gente deu uma pausa. Mas depois disso eu chamei outros
integrantes e a banda continuou tocando principalmente em festas anos 80.
g1 - As festas dos anos 80
bombaram e ainda bombam muito. Como é tocar nelas até hoje?
Cícero Pestana - A
festa Ploc foi pensada para ter três edições e já temos 20 anos fazendo no
Brasil inteiro. Essas festas nos permitiram continuar trabalhando, sabe?
Trabalhamos basicamente com sucessos dos anos 80, não só nossos, como de outras
bandas. O público quer ouvir coisas que conhece para cantar junto. Hoje,
colocar música nova é problemático, porque o público fica desinteressado. Às
vezes, até tem como, mas tem que ser entre duas músicas bem conhecidas. É por
isso que não lançamos mais muita coisa.
"Tudo no streaming é rápido e quase ninguém decora músicas novas. As músicas dos anos 80 ficaram na cabeça das pessoas, porque ficavam um ou dois anos na parada e nos programas do Chacrinha, Silvio Santos, Raul Gil, Gugu, Faustão..."
A formação atual da banda Dr. Silvana & Cia com Cícero Pestana no centro — Foto: Divulgação/Site oficial da banda
g1 - A banda já teve o nome de
Sabor Morango, quando chegou a ter o Kid Abelha abrindo um show. Como foi essa
saga até escolher o nome Dr. Silvana e Companhia?
Cícero Pestana - Nome
de banda sempre foi complicado escolher, e todos parecem ruins até você
acertar. Depois que escolhe mesmo o nome, não tem problema. Paralamas do
Sucesso, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, João Penca e seus Miquinhos… todos
esses nomes ficaram conhecidos. Dr. Silvana foi escolhido porque tínhamos que
entregar uma fita na rádio. Eu sugeri “Dr. Silvana”, inspirado no cientista
maluco do Capitão Marvel, porque a gente era meio cientista maluco. O “e Cia”
era nosso público.
g1 - Vocês não tiveram
problemas? O Jota Quest, não sei se você se lembra, teve que mudar de nome,
antes era J. Quest. Mudaram para evitar um processo do estúdio do desenho Jonny
Quest, né?
Cícero Pestana - A
gente não teve problema nenhum, porque Dr. Silvana era só no Brasil. Fora
daqui, ele era Dr. Sivana. Eles não fizeram a correlação…
g1 - “Serão Extra (Ela Foi Dar
Mamãe)” é o maior sucesso da banda. Como foi a criação dessa música?
Cícero Pestana - Na
época, distribuímos fitas demo para as gravadoras e estávamos gravando músicas.
Tínhamos um conhecido, Eduardo Lages, que era arranjador do Márcio Greyck e do
Roberto Carlos. Eu toquei por um tempo na banda do Márcio Greyck… O Eduardo nos
indicou o Carlos Colla, um hitmaker fantástico da época, e ele trouxe uma
musiquinha meio bobinha chamada “Miss Mary”, mas não gostamos muito [ele
cantarola com voz fininha].
"A gravadora gostou e pediram um lado B. Fizemos "Serão Extra" para ser simples e engraçada. A ideia era que fosse pior ainda do que a outra que eles tinham gostado. [Risos] A gravadora gostou tanto que nos contratou. Mas aí “Serão Extra” foi censurada…. só depois conseguimos lançar."
g1 - E como você acabou
fazendo a voz fininha de “Eu fui dar, mamãe”?
Cícero Pestana - A banda tinha uma cantora, a Claudinha, mas ela saiu e não tinha ninguém para fazer a voz. Aí eu, ridiculamente, comecei a cantar fininho aquele “Eu fui dar, mamãe” [ele imita]. Funcionou e impulsionou a música, porque aquilo era um momento muito engraçado pra televisão. Fez sucesso no Brasil inteiro.
Capa do segundo álbum do Dr. Silvana & Cia, 'Tide', lançado em 1987 — Foto: Divulgação
g1 - O segundo disco teve
escolhas de repertório e recepção diferentes do primeiro. O que você acha que
mudou e como você lidou com isso?
Cícero Pestana - No
segundo disco, convencemos a gravadora que podíamos fazer um novo trabalho.
Algumas músicas fizeram sucesso no Chacrinha e em programas de televisão. Mas
aconteceu aquilo que acontece com muitas bandas depois do sucesso: brigas. O
Ricardo [Zimetbaum, vocalista] saiu para fazer carreira solo e o Edu [Lissovsk,
baterista] foi tocar com o Fábio Júnior.
Eu fiquei sozinho e arrumei um
novo baterista e outro baixista. Nunca me considerei cantor, mas comecei a
cantar na banda e deu certo. Na época, havia muitos showmícios, onde ganhávamos
um dinheiro. Em um desses shows, alguém me disse que eu cantava bem, e isso me
fez continuar.
g1 - Você também é produtor,
roadie, técnico de gravação, tem estúdio, trabalhou em discos que vão de
Angélica a Skylab. Ou seja, bem eclético. Você ainda produz?
Cícero Pestana - Já
fiz sambas também... Trabalho com todo tipo de música como produtor. Comecei na
década de 60, eu era garoto, carregando equipamentos para bandas, não tinha
esse nome de roadie, não. Eu era carregador mesmo. Vi muitos shows e aprendi
muito. Depois, fui músico de baile, onde a gente aprende tudo. O baile sempre
foi a maior escola dos músicos.
Na década de 70, comecei a gravar
e me apaixonei pelo mundo da gravação. Nos anos 80, fizemos relativo sucesso
com Dr. Silvana e investi o que ganhei em equipamentos de gravação. Continuei
produzindo e gravando. Até hoje faço trilhas, jingles e outros trabalhos de
estúdio. Muito cedo, eu entendi que é isso que seguiria me dando trabalho.
Porque aí não dependo do mercado… as bandas de rock n’ roll ficaram para trás,
cara. O músico tem que se estabilizar produzindo qualquer estilo, que foi o que
aconteceu comigo.
A formação de 1993 da banda Dr. Silvana & Cia — Foto: Divulgação
g1 - Você acha que a banda
abriu as portas para outros grupos que anos depois fariam rocks engraçadinhos,
com duplo sentido e tal, como o Mamonas Assassinas?
Cícero Pestana - Acho
que sim. A parte engraçada das nossas músicas era menor do que a parte
panfletária e política. Não éramos como Legião Urbana, Capital Inicial, Uns e
Outros. Mas aí tinha a turma das bandas mais gaiatas como João Penca e Seus
Miquinhos Amestrados, Blitz.
"Era legal fazer o pessoal rir. O Faustão dizia que os Mamonas Assassinas comeram na nossa mão, mas acho que isso é uma fantasia. Eles só gostavam de fazer coisas engraçadas, como a gente fazia. E eles eram ótimos músicos."
g1 - Achei a música mais
recente da banda, “Velhos”, meio melancólica. Era essa ideia da música?
Cícero Pestana - "Velhos"
foi uma das últimas que fizemos. A ideia veio de um parceiro de Divinópolis, em
Minas, chamado Rock Strada. Eu fiz o arranjo e ajudei na melodia, na harmonia.
Gostei da ideia da letra [“A vida é só uma passagem, um filme de curta-metragem…
velhos são todos iguais”], porque todos daquela época dos anos 80 estamos
velhos.
As bandas de rock dos anos 80
continuam tendo suas músicas antigas cantadas, mas hoje é difícil uma música
nova pegar. As músicas dos anos 80 ficaram na cabeça das pessoas, porque
ficavam um ano no mercado. Infelizmente, o mundo mudou e não foi para melhor.
Blog do Paixão