O Conselho Federal de Farmácia (CFF) ainda pode recorrer.
A decisão aconteceu após o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrar com uma
ação para anular a nova norma.
Por Silvana
Reis, g1
‘Absolutamente ilegal’, diz CFM sobre resolução do Conselho Federal de Farmácia que permite prescrição de medicamentos por farmacêuticos — Foto: Adobe Stock
A Justiça suspendeu nesta segunda (31) a resolução que autoriza
farmacêuticos a prescrever medicamentos, incluindo aqueles que exigem
receita médica. O Conselho Federal de Farmácia (CFF) ainda pode recorrer.
A decisão aconteceu após o Conselho
Federal de Medicina (CFM) entrar com uma ação judicial para anular a nova
resolução do CFF. A medida foi protocolada na última quinta-feira (20).
De acordo com a Justiça Federal do Distrito Federal "só
o médico tem competência técnica, profissional e legal para [...] firmar um
diagnóstico e o tratamento terapêutico".
O juiz Aalôr Piacini determinou que o CFF divulgue a decisão
em seu site e outros meios de comunicação institucionais sob pena de multa
diária de R$ 100 mil.
Em sua decisão, o juiz afirma que somente lei de iniciativa
da União, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada poderia, em tese, após
amplo debate com a sociedade, atribuir ao farmacêutico as iniciativas
constantes da Resolução 5/2025 do Conselho Federal de Farmácia.
Na ação, o CFM afirma que os farmacêuticos não têm
"atribuição legal nem preparação técnica médica para identificar doenças,
definir tratamentos e medidas para restabelecer a saúde de pessoas acometidas
das mais diversas doenças".
A nova norma do CFF havia sido publicada no Diário Oficial
de 17 de março e passaria a valer a partir do mês que vem. Com a nova
resolução, a prescrição de remédios que precisam de receita estaria
restrita ao farmacêutico que possua Registro de Qualificação de Especialista
(RQE) em Farmácia Clínica.
Com a publicação, a medida já havia gerado reações
negativas de associações médicas, que questionam a capacitação dos
farmacêuticos para a função e alegam que a atividade não faz parte do trabalho
desses profissionais.
‘Absolutamente ilegal’, diz CFM sobre resolução do Conselho
Federal de Farmácia que permite
O que diz a regulamentação
Entre outros aspectos, a resolução CFF Nº 5 DE
20/02/2025 permitiria que o farmacêutico:
- prescreva
medicamentos (incluindo os de venda sob prescrição);
- renove
"prescrições previamente emitidas por outros profissionais de saúde
legalmente habilitados";
- faça
exame físico de sinais e sintomas, realize, solicite e interprete exames
para avaliação da efetividade do tratamento.
Para isso, eles se basearam na licença que o farmacêutico
tem de traçar o perfil farmacoterapêutico do paciente. Para
o CFF, isso dá ao farmacêutico o direito de prescrever medicamentos e renovar
receitas.
O g1 conversou com advogado Henderson
Furst, especialista em Bioética e Professor de Bioética e Direito das
Organizações de Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert
Einstein. Ele explica que esse não é o entendimento legal.
"O perfil diz respeito a entender a reação entre medicamentos que aquele paciente toma. Por exemplo, a ginecologista passa uma medicação e o cardiologista outro. Esses médicos não se falam. Quando você vai comprar, o farmacêutico pode avaliar se há interação entre as medicações, se você deve voltar ao médico para rever. É muito mais sobre um reforço de cuidado com o paciente. Ela não pode, por exemplo, sinalizar a interação e trocar a medicação",
- explica.
A resolução ainda permite que o farmacêutico:
- Colete
dados por meio da anamnese farmacêutica
- Faça
exame físico com a verificação dos sinais e sintomas
- Realize,
solicite e interprete exames para avaliação da efetividade do tratamento
A proposta do conselho é que o profissional faça algo
parecido com uma consulta médica. A adoção de pronto atendimento em farmácias
vem sendo ventilada no ramo, com uma das gigantes do segmento anunciando a
proposta como parte dos seus planos futuros.
O advogado Henderson Furst explica que a regulamentação está
tentando atender uma demanda de mercado, mas que há muitas lacunas legais.
"A proposta é que o farmacêutico atue como médico, mas
não há legalidade nisso. É uma tentativa de entrar em um mercado, mas estamos
falando de saúde. Se ele solicitar exames, como o plano médico vai aceitar um
pedido? O SUS vai aceitar uma solicitação de exame feita na farmácia?",
questiona.
Ao g1, o CFF:
- rebateu
as críticas de entidades médicas, dizendo que a "prescrição
terapêutica não é atividade privativa dos médicos";
- afirmou
que a prescrição de medicamentos está "vinculada" aos
farmacêuticos com registro de especialista;
- que
os farmacêuticos não podem prescrever medicamentos que possuam
"notificação de receita, como os chamados de tarja preta";
- que
a decisão está embasada na lei que regula a profissão e nas diretrizes
curriculares do curso de farmácia.
O conselho ainda alega que há um reconhecimento do
Ministério da Saúde, como com a prescrição de profilaxias pré e pós-exposição
ao HIV (PrEP e PEP).
"A prescrição de PrEP e PEP por farmacêuticos e
enfermeiros é regulada por conselhos de classe, sendo estimulada pelo
Ministério da Saúde como parte dos esforços de eliminação do HIV como problema
de saúde pública no país e de ampliação do acesso aos usuários do Sistema Único
de Saúde (SUS) a estratégias de prevenção", informou o conselho.
🔴 O g1 acionou
a pasta para saber se há previsão de outras medicações serem incluídas, mas
aguardava o retorno até a publicação.
🔴 A reportagem
questionou o CFF sobre como será feita a fiscalização, já que, ao poderem
diagnosticar, os profissionais passam a ser responsáveis pelos seus
diagnósticos e pelas possíveis implicações. A entidade, porém, informou
que isso só será definido após a medida entrar em vigor.
Antes, disputa judicial sobre prescrição
A nova resolução do CFF foi publicada poucos meses após uma
decisão da 17ª Vara Federal Civil da Justiça no Distrito Federal contra outra
norma do CFF sobre o mesmo tema. Ou seja, esta é uma segunda tentativa.
A Justiça do DF declarou ilegal a resolução 586/2013 que
permitia que farmacêuticos receitassem medicamentos e outros produtos que não
exigiam prescrição médica. Ainda cabe recurso da decisão.
A resolução é mais um capítulo na disputa por espaço no
mercado de saúde no Brasil, como o mercado de estética. Recentemente, o g1 publicou
uma reportagem explicando os bastidores da disputa entre entidades
profissionais pela fatia do mercado de procedimentos.
O que o advogado explica é que, como no caso dos
procedimentos, a segurança do paciente é dada a ele como responsabilidade.
"É o paciente quem vai ter que cuidar da sua segurança, quando essa
questão deveria ser vista como saúde pública", explica Furst.
Blog do Paixão