PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA DIA 07/11/2012
J.R. GUZZO
Nada mais natural que depois
de uma eleição para prefeitos e vereadores, como a de agora ou para
governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um
diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os
costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser
uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e
perdeu quem teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e
não vai mudar. Outra coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.
Trata-se de uma liberdade de
duas mãos: cada um fala o que quiser e, em compensação, cada um entende o que
quiser daquilo que foi falado. Na recém-terminada eleição municipal de 2012,
como de costume, não ficou claro, nem vai ficar, quanta atenção o público
deveria realmente prestar a toda essa conversa que está ouvindo agora. É certo,
desde já, que está ouvindo coisas que não fazem nenhum sentido — e,
por isso mesmo, provavelmente não perderia nada se prestasse o mínimo de
atenção a elas.
A fórmula é sempre a mesma.
Cientistas políticos pescados em alguma universidade
ou instituto superior disso ou daquilo, aparecem
de repente nos meios de comunicação para explicar, depois de
encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha ou perdida. É uma
estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos comprovados, lida com
opiniões. Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem tem dois pulmões: não
pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na
ciência política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos
propriamente ditos, os comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e
de tudo o que dizem resulta uma salada que a mídia serve ao público como se
estivesse transmitindo ao vivo o Sermão da Montanha.
Uma demonstração clara
desse tumulto mental é a conclusão, por parte de muitas cabeças
coroadas do mundo político, de que a vitória pessoal do ex-presidente
Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a prefeitura uma nulidade
eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou as condenações que seu
partido e seu governo receberam no julgamento do mensalão. Está na cara que o
resultado não apagou nem acendeu nada, pois eleição não é feita para separar o
certo do errado, nem para decidir se houve ou não houve um crime ─ serve,
unicamente, para escolher quem vai governar. Dizer o que está certo ou errado é
tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF já decidiu que foi cometida no
governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo de corrupção. Não há, simplesmente,
como mudar isso. A Justiça pode funcionar muito mal no Brasil, mas é o único
meio que se conhece para resolver quem tem razão ─ assim como eleição é o único
meio que se conhece para escolher governos.
Não foi o “povo brasileiro”,
além disso, quem “absolveu” o PT─ ou concorda quando o partido diz que seus
chefes são “prisioneiros políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e
não por corromperem e serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos
deste país ficam à vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta
última eleição em 10% dos municípios. E os eleitores dos outros 90%, com 80% do
eleitorado, que povo seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também,
que Lula foi o maior ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo.
Por que isso? Porque ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o
começo, que só o município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores
brasileiros, importava; o resto era apenas o resto.
De tanto repetirem isso, virou
verdade. Mas é falso: não dá para dizer que não houve eleição em Salvador ou
Fortaleza, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou
candidatos com pleno apoio de Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em
todas ─ nas três últimas, inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No
mapa mental de Lula é como se nenhuma dessas cidades estivesse em território
brasileiro; o Brasil, em sua geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das
principais capitais brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas
como se ficassem em Marte.
O que Lula e seu partido
fizeram foi construir a ideia de que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o
restante do Brasil somado ─ e nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove
entre dez “profissionais” da política dizem mais ou menos a mesma coisa. Assim
é, se lhes parece. Mas o público não tem a menor obrigação de acreditar no que
estão dizendo.
Blog do Paixão