quarta-feira, março 02, 2016

PE: Serviço de hemodiálise no estado está na emergência

Entidades de classe afirmam que a defasagem do valor de repasse do SUS penaliza pacientes em todo o Brasil. Em Pernambuco, desde fevereiro, a diálise peritonial não está mais sendo oferecida
Hospitais lotados impossibilitam a abertura de novas vagas para futuros pacientes. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP
Hospitais lotados impossibilitam a abertura de novas vagas para futuros pacientes. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP

O serviço de hemodiálise em Pernambuco vive uma crise sem precedentes. Com quase cinco mil doentes renais no estado, a qualidade do atendimento caiu significativamente e faltam vagas para os novos pacientes, que chegam a aguardar um mês internados em hospitais enquanto esperam ser aceitos em alguma clínica para dar sequência ao tratamento. De acordo com as entidades de classe, o quadro afeta todo o Brasil e tem origem na defasagem e congelamento do valor de repasse do SUS, responsável por 80% do tratamento das quase 100 mil pessoas diagnosticadas com insuficiência renal crônica no país.

No estado, há 116 máquinas de hemodiálise em funcionamento nos quatro hospitais que atendem essa especialidade: 20 no Barão de Lucena, 20 no Hospital das Clínicas, 36 no Imip e outras 20 no Maria Lucinda. Pela concepção do sistema, os atendimentos nesses centros devem ser temporários, uma vez que são voltados para o doente renal que apresenta um quadro de emergência (cardiológica, vascular, dermatológica entre outras). Como é uma condição crônica, quando sai do quadro emergencial, o paciente é transferido para uma das 18 clínicas particulares que prestam serviço à SES. A ideia é encaminhá-lo a um serviço mais próximo de sua residência, já que são necessárias três sessões por semana. Além da hemodiálise e, claro, do transplante, há uma terceira alternativa oferecida às pessoas diagnosticadas com insuficiência renal crônica: a diálise peritonial, uma terapia realizada em casa com um equipamento que pode ser operado pelo próprio paciente e familiares e supervisionada à distância por um médico nefrologista.

Transferências suspensas
O sistema, no entanto, não tem funcionado como descrito acima. Longe disso, na verdade. Em primeiro lugar, a diálise peritonial não está mais sendo oferecida como alternativa. E, apesar de simples, não há previsão para a solução do problema. A modalidade foi cortada das opções de terapia desde o início de fevereiro porque os fabricantes dos insumos e soluções utilizados no tratamento cancelaram o fornecimento em todo o Brasil por conta da defasagem da tabela de valores do SUS. Isso contribuiu para a lotação das clínicas. Até esta quarta-feira, havia 26 pacientes internados em hospitais - alguns por até 30 dias - aguardando a liberação de vagas nesses serviços.

O cerne da questão é o valor do repasse do SUS pelos tratamentos. De acordo com estudo conduzido pelas entidades de classe, cada sessão de diálise deveria custar R$ 256 aos cofres da União. Bem acima dos R$ 179,08 pagos atualmente - o menor valor pago por esta terapia na América Latina. O que indica a necessidade de correção de 42,9%.

Sócio de uma das clínicas credenciadas pela SES, o nefrologista Joaquim Mello explica que o a crise assombra todas as clínicas e o impacto disso na qualidade dos atendimentos é direto. “Todas as clínicas que prestam atividade ao SUS, remuneradas através do Ministério, estão em situação de penúria financeira, num estágio pré-falimentar. Envolvidas em empréstimos bancários para tentar se manter ativas e em atendimento”, denuncia. O médico reconhece a queda da qualidade dos serviços oferecidos aos pacientes, mas ressalta que os esforços empregados vêm conseguindo manter o nível das diálises propriamente ditas. Mas ele faz uma alerta quanto ao futuro da hemodiálise no país. “Os pacientes estão sendo atendidos hoje, mas considerando a perspectiva de não conseguirmos ter condições de solvência financeira para manter o atendimento, vejo isso como uma tragédia anunciada. Acredito que teremos uma redução de vagas do SUS ou fechamento de clínicas por falência - falta de capacidade de honrar compromissos financeiros com fornecedores, profissionais, tributos e etc. Toda a cadeia produtiva inserida no processo está por um fio.”

Praticamente impotentes em relação à raiz do problema, pacientes como o psicólogo Azael Cosme, diagnosticado com insuficiência renal há 15 anos, já conseguem perceber no dia a dia a queda na qualidade do serviço prestado. “Eu fazia diálise peritonial em casa mesmo e ia ao hospital uma vez por mês apenas, para fazer exames ou algum ajuste na medicação”, lembra. “Depois, acabei indo para uma clínica e já dá pra perceber perdas significativas na qualidade da diálise. Com a falta de alguns remédios por exemplo. E alguns deles, são fundamentais para o tratamento, principalmente a partir de certo tempo de diálise, para que a gente continue andando, entre outras coisas.”

Azael lembra que antes da instalação desta crise, as clínicas costumava oferecer refeições completas para seus pacientes em diálise. “Pode parecer algo pequeno, mas para muitos pacientes, muitos mesmo , aquela era a principal refeição do dia. A gente tinha uma dieta balanceada, pensando nas necessidades nutritivas de cada um. Agora, com muito esforço, as clínicas oferecem um sanduíche ou um copo de sopa. Isso sem falar nos cortes que fizeram no quadro de funcionários.”

Para aqueles que estão aguardando vagas nas clínicas, a situação é ainda pior. Caso da dona de casa Iolanda da Silva Reis, 47 anos. Reclamando de falta de ar e cansaço, ela procurou um hospital em 7 de janeiro e depois da realização dos exames foi diagnsticada com insuficiência renal crônica. “A descoberta da doença já foi muito difícil e ficar tanto tempo internada piora tudo.” Ao todo, foram 50 dias no hospital, sendo quase três semanas aguardando o surgimento de alguma vaga em uma clínica perto de onde mora. No dia anterior à alta, ela não escondia a ansiedade pela volta à sua casa. “Assim que chegar, quero tomar um banho no meu banheiro, lavar meu cabelo e ficar com meus filhos e meu marido. Quero olhar a rua! No hospital eu mal ando. Os últimos dias têm sido muito difíceis. Fico triste o tempo todo. Só quero voltar pra casa.”

Diante disso tudo, as entidades de classe e as associações de pacientes planejam para 10 de marco, Dia Mundial do Rim, um movimento para chamar a atenção da população. “A gente tem 100 mil pacientes em diálise no Brasil. Desses, 80% são do SUS. Se o sistema entrar em colapso, 80 mil pacientes estarão em risco de vida. Então é uma situação bem grave. É uma situação nacional”, alerta a presidente da SBN-PE, Fátima Carvalho. Ela explica que o apoio popular é fundamental, uma vez que os contatos feitos com o governo não indicam uma solução a curto prazo para o problema. “Tivemos uma reunião com o ministério há três semanas e nos foi dito que não há o que fazer por falta de dinheiro. O ministro Marcelo Castro reconheceu o nosso pleito, mas disse que não tem uma solução.”

O diretor do Norte e Nordeste da ABCDT, Paulo Sette, destaca que diante da falta de verba, o SUS estuda reduzir o número de exigências para as clínicas. “Eles exigem um técnico de enfermagem para cada quatro máquinas, que os filtros seja utilizados no máximo 20 vezes, que as clínicas mantenham psiccólogo, nutricionista, assistente social e farmacêutico no quadro. Há duas semanas tivemos reunião com o ministro e ele disse que não tem dinheiro. Estamos há três anos sem correção e não tem dinheiro. Então pedimos pra ele abrandar a portaria, desde que não atinja diretamente o tratamento e ele ficou de estudar a pauta.”

Procurada pela reportagem, a SES se pronunciou por nota
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) esclarece que, mesmo diante do período de dificuldades por que passa todo o País, não tem medido esforços no sentido de continuar ampliando o acesso dos pernambucanos ao Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo no que se refere aos serviços de Hemodiálise. É importante esclarecer, no entanto, que a atualização da tabela SUS para esses serviços é uma prerrogativa do Ministério da Saúde. Hoje, são mais de 4,9 mil pacientes regularmente assistidos em to odo o Estado, por meio de 22 serviços.

A SES informa ainda que conta com credenciamento aberto, visando a ampliação de vagas nas clínicas já existentes e abertura de novos serviços, em todas as regiões do Estado. Só em 2015, foram abertas novas vagas em Jaboatão dos Guararapes e Recife, adicionando um total de 37 máquinas à rede e beneficiando cerca de 220 pacientes.

Por fim, a SES ressalta que a fila de espera pelo serviço, hoje, na Região Metropolitana do Recife, é de 26 pessoas. Essa fila, no entanto, é bastante dinâmica.

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