Uma terapia em fase final de estudos mostrou-se eficaz para combater a dor de cabeça severa. Será o primeiro remédio criado especificamente para prevenir a doença
Por: Natalia Cuminale
"A língua
inglesa, que pode expressar os pensamentos de Hamlet e a tragédia do Rei Lear,
não tem palavras para o calafrio ou a dor de cabeça (...). A mais simples
estudante quando se apaixona tem Shakespeare ou Keats para exprimir seus
pensamentos, mas peça a um sofredor que tente explicar sua dor de cabeça a um
médico e a linguagem imediatamente emudece." Essa pérola foi produzida
pela escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) em "Sobre estar
doente", de 1926, ensaio de cunho autobiográfico embebido de prolongadas
crises de enxaqueca.
Na contramão da dor indizível, ao menos em português foi
possível traduzir a sensação de alívio promovida por remédios. Para João Cabral
de Melo Neto (1920-1999), alvo da doença cruel, a aspirina era "o mais
prático dos sóis, (...) compacto de sol na lápide sucinta". A convivência
com a enxaqueca é uma condição humana inescapável, tão demasiadamente humana
que transformá-la em prosa e poesia foi o caminho para domá-la, como tantas
outras dores da alma.
Hoje, em todo o
mundo, pelo menos 300 milhões de pessoas sofrem de enxaqueca. No Brasil, são 30
milhões. A doença é incurável e extremamente sofrida. Para quem supõe que as
vítimas desse mal reclamam demais, basta saber que a Organização das Nações
Unidas classificou a doença entre as cinco mais incapacitantes, ao lado de
tetraplegia, depressão, psicose e demência. A boa-nova: pela primeira vez na
história da medicina há um sol afeito a prevenir as dores lancinantes. Estudos
conduzidos por quatro empresas farmacêuticas, publicados recentemente no
periódico The Lancet, revelaram um promissor mecanismo de ação
específico contra um alvo que deflagra a doença.
A droga em fase
final de investigação - as pesquisas deverão ser concluídas no próximo ano - é
um anticorpo monoclonal, uma molécula produzida em laboratório capaz de chegar
a seu destino sem provocar efeitos secundários no organismo. O medicamento
bloqueia um composto químico cerebral, o CGRP. A substância é liberada pelo
nervo trigêmeo, estrutura que se estende por quase toda a cabeça. Com efeito
vasodilatador e inflamatório, o CGRP é produzido como uma forma de defesa do
organismo diante de variados estímulos externos, como longos períodos de jejum
e stress. Uma chave genética faz com que o cérebro do portador da enxaqueca
seja hipersensível a tais estímulos e, por isso, as quantidades de CGRP
liberadas são mais elevadas. Níveis inflamatórios altos e vasodilatação
exacerbada deflagram a enxaqueca. Os doentes sentem enjoo, intolerância a
barulho, luz e sons. Em alguns casos, têm a visão distorcida - era o que
acontecia com o criador de Alice no País das Maravilhas, Lewis
Carroll, que fez das transformações físicas de sua grande personagem um retrato
de seu próprio desconforto.
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