O maior de todos os
pugilistas foi muito mais que um esportista – ele ajudou a moldar a história
política e cultural de nosso tempo
Muhammad
Ali, nascido em Kentucky, EUA foi um dos maiores campeões de boxe dos anos 1970
e o primeiro da categoria peso-pesado a ganhar o cinturão três vezes (Foto: Samir Hussein/Getty Images)
Considerado um dos maiores atletas de todos os tempos, Muhammad Ali
morreu na noite desta sexta-feira, nos Estados Unidos. Ele tinha 74 anos e
estava internado em estado muito grave em um hospital de Phoenix, no Arizona,
onde deu entrada com problemas respiratórios. A morte foi confirmada por
comunicado divulgado pela família do ex-campeão. O porta-voz de Ali, Bob
Gunnel, havia informado mais cedo que o ex-pugilista sentiu dificuldades ao
respirar no centro médico de Phoenix.
Carismático, provocador e muito, muito talentoso, Muhammad Ali fez mais
de 60 lutas profissionais em sua vitoriosa carreira - e perdeu apenas cinco.
Com uma técnica impecável e uma resistência fora do comum, o americano
tornou-se uma lenda no mundo do boxe. Não só pelo seus feitos em cima do
ringue, mas também por uma postura política que não era comum em atletas de
grande expressão.
Ele nasceu dia 17 de janeiro de 1942, na cidade de Louisville, em
Kentucky. Por ser o primogênito, ganhou o nome do pai e foi batizado como
Cassius Marcellus Clay Jr., que também foi o nome de um político abolicionista
do século XIX nos Estados Unidos.
O pai era descendente de escravos e trabalhava como pintor. A mãe,
Odessa O'Grady Clay, era empregada doméstica. Com apenas 12 anos, Cassius
conheceu o técnico de boxe Joe Martin, que também era chefe de polícia na
cidade. Em uma tentativa de assalto, o garoto reagiu com socos para evitar que
o ladrão roubasse sua bicicleta. Logo Martin viu o menino em ação e recomendou
que ele praticasse boxe, para aprender a se defender.
Com apenas 40 quilos, Cassius passou a aprender os primeiros golpes de
boxe com o próprio Martin e em seis meses fez sua primeira luta, ganhando por
pontos após três rounds. O esporte fascinava o garoto, que treinava com afinco
e dedicação. Era atrevido em cima do ringue e se esforçava mais que qualquer
outro atleta.
Aos 18 anos, o boxeador disputou os Jogos de Roma, em 1960, já tendo
Chuck Bodak como técnico, e teve sua primeira grande vitória: superou o medo de
avião para voar até a Itália para competir. Para isso, fez questão de levar um
paraquedas dentro da aeronave, para usar em caso de emergência. Voltou com a
medalha de ouro na bagagem, ao vencer o polonês Zigzy Pietrzykowski, e muitas
boas recordações da competição, onde demonstrou todo seu carisma e foi até
apelidado de "Prefeito da Vila Olímpica".
Aliás, nos Jogos de Roma ele já chamou a atenção pelo excelente trabalho
de pernas no ringue e meses depois fez sua primeira luta como profissional,
contra Tunney Hunsaker, e venceu por decisão unânime. A partir daí foram 18
combates, todos com vitória, sendo 15 por nocaute, até ter a chance de disputar
o cinturão dos pesados contra Sonny Liston. Venceu por nocaute, no sétimo
round, e ficou com o título da Associação Mundial de Boxe e do Conselho Mundial
de Boxe.
Ele tinha recém-completado 22 anos e já era campeão do mundo. A fase
amadora de sua carreira no boxe serviu para lhe dar experiência para os
combates que estariam por vir. Aliás, o cartel dele quando era amador não é
preciso, mas estima-se que tenha tido mais de 100 vitórias no mínimo e menos de
dez derrotas, ou seja, um aproveitamento excelente.
Só que logo após a vitória sobre Liston, que foi movida por muita
provocação entre os lutadores, Cassius resolveu mudar de nome e passou a se
chamar Muhammad Ali, nome escolhido pelo líder nacional do Islamismo, religião
que ele adotou. Na ocasião, o boxeador falou que não queria usar seu sobrenome
de escravo que ele não havia escolhido.
Para sua infelicidade, ele acabou tendo seu cinturão da Associação
Mundial de Boxe retirado. A entidade alegou outros motivos, mas no fundo o
atleta achou que era por causa de sua opção pelo Islamismo. Pouco mais de um
ano depois de conquistar o cinturão, veio a revanche contra Sonny Liston. A
vitória veio com pouco mais de dois minutos no primeiro round.
Depois disso engatou uma sequência de dez defesas de cinturão sem
derrota. Em 1967, após a vitória sobre Zora Folley, se recusou a aceitar a
convocação do exército para combater na Guerra do Vietnã. Ainda disse que não
via motivos para lutar contra os vietcongues porque "nenhum deles me chamou
de crioulo". Por causa dessa negativa, foi suspenso do boxe e teve seus
títulos confiscados. Até ali tinha um cartel de 29 vitórias sem derrota, sendo
22 por nocaute.
Ali retornou aos ringues em 1970 e foi no ano seguinte que sofreu o
primeiro revés como profissional, ao perder para Joe Frazier por decisão
unânime. O pugilista se recuperou na luta seguinte, contra Jimmy Ellis, e
emendou mais nove vitórias até cair novamente, desta vez diante de Ken Norton,
por decisão. Só que na revanche com o rival, em setembro de 1973, venceu também
pela contagem dos pontos.
No ano seguinte, venceu Joe Frazier e ganhou moral para enfrentar George
Foreman, no Zaire, naquela que é considerada uma das maiores lutas da história.
Ganhou por nocaute no oitavo assalto e embolsou 5 milhões de dólares na época.
De 1975 a 1977, Foram dez defesas de cinturão sem derrota.
Um novo revés veio em 1978, contra Leon Spinks, mas na revanche ele
retomou o cinturão. Fez mais duas lutas ainda na carreira, contra Larry Holmes
e Trevor Berbick, e foi derrotado em ambas antes de pendurar as luvas. Longe
dos ringues, sua luta passou a ser contra as doenças. Em 1984 foi diagnosticado
com Mal de Parkinson.
(Com Estadão Conteúdo)
Mundo do esporte se despede de Ali: 'Deus veio
buscar o seu campeão'
Muhammad Ali e George Foreman durante luta em 1974(VEJA.com/AP)
Personalidades do esporte lamentaram neste sábado a
morte de Muhammad Ali, um dos maiores atletas de todos os tempos. Nas
homenagens, antigos rivais dos ringues e admiradores ilustres destacaram o
talento e a personalidade do ex-pugilista.
Muhammad Ali morreu na noite de sexta-feira, aos 74
anos. O ex-campeão sofria de Mal de Parkinson e estava internado em um hospital
de Phoenix, no Arizona, com problemas respiratórios.
Derrotado por Ali na 'Luta do Século', disputada no
Zaire em 1974, o também ex-campeão George Foreman afirmou no Twitter: "Uma
parte de mim se foi". Já Mike Tyson postou uma foto sua ao lado de Ali e
escreveu: "Deus veio buscar o seu campeão".
Meus campeões se encontram outra vez
A dura vida de repórter tem lá suas vantagens. Uma
delas é você ter a chance de conhecer e conviver com algumas lendas. Sérgio
Leitão, meu pai, aproveitou isso intensamente ao longo de mais de 50 anos de
profissão. Mas nenhum dia foi como aquele 28 de junho de 1971. Não era dia de
batente. De férias, em Nova York, fazia uma visitinha ao escritório da Associated
Press (onde
trabalhava como correspondente no Brasil), quando a notícia chegou à redação
informando sobre a liberação da Corte Americana para que Muhammad Ali pudesse
voltar a lutar. Ele estava suspenso quatro anos por se recusar a ir à guerra do
Vietnã. O repórter setorista de boxe estava de férias também. E incomunicável:
"Eu vou!", gritou, eufórico, já metendo a mão num bloquinho e tomando
o caminho da porta. Não tinha outro, lá foi ele para a casa do campeão.
Foram quase duas horas de bate-papo no sofá da sala.
A matéria saiu, mas aquele foi um verdadeiro exercício de autocontrole. Ainda
sem Zico para torcer, Ali havia se tornado o maior ícone do esporte mundial
para o papai. "É o Pelé dos ringues", comparava. A idolatria só
aumentou. Em 8 de dezembro de 1982, oficializou essa paixão dando seu nome de
batismo ao filho caçula. Aliás, Cassius era para ser Cassius Marcellus Clay
Leitão, mas mamãe, obviamente, não deixou. Ficou só Cassius Leitão. Hoje, claro,
também repórter.
Crescemos (eu, James, o filho do meio e nosso
Cassius) ouvindo todas as histórias possíveis do The
Greatest. A sala da nossa casa tinha quadros do Ali em ação por
toda parte. E para cada fotografia havia um longo enredo. Papai sabia tanto da
vida do Ali que, certa vez, se inscreveu num programa que testava conhecimentos
de fãs sobre seus ídolos. Não foi sorteado. Então, eramos nós os espectadores
eternos.
O ápice desse relacionamento foi em 1987. O maior
boxeador da história viria ao Rio de Janeiro para promover um evento. Já sofria
com o Mal de Parkinson, a doença que o mataria lentamente durante mais de três
décadas. Ficamos algumas horas esperando ele aparecer no saguão do Hotel
Intercontinental, em São Conrado. Quando ele apareceu, papai parecia mais
criança do que a gente. E logo entendemos a criança que era Ali.
O falastrão (certas vezes arrogante) campeão era
também um doce na relação com seus fãs. Para agradar, disse ao papai que
lembrava da entrevista de 1971. Duvido. Mas agradou. E acertou o coração do
papai em cheio quando soube que aquele menorzinho levava seu nome. O Cassius
famoso pegou nosso Cassius no colo. Abraçou apertado. Deu um beijo no rosto,
ganhou outro. Colocou no chão. Distribuiu autógrafos para os hóspedes. E pegou
no colo novamente. Um grude.
Voltamos para casa em êxtase. No carro, papai
cantarolava um dos lemas favoritos do campeão: "Float like a butterfly,
sting like a bee..." E gritávamos os três: "Muhammad Ali!"
Aquele dia é eterno. Eterno como o papai, que numa
ironia do destino morreu ano passado, depois de mais de uma década lutando
contra o mesmo Mal de Parkinson. Eterno como Muhammad Ali, o boxeador e o ser
humano, na melhor definição do seu grande fã: "Ele foi o homem que lutou
pela paz e se recusou a ir à guerra".
Descansem em paz, meus campeões. Agora, juntos outra
vez.
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