Quadrilha que
fraudava a Lei Rouanet pagou o casamento de um membro com dinheiro destinado a
apresentar “a magia do teatro” a crianças carentes
Por: Juliana Linhares e
Eduardo
O
casamento patrocinado pela Lei Rouanet: o noivo (no centro) foi preso na semana
passada(Divulgação/VEJA)
O argumento da "democratização do acesso à cultura" sempre foi
um abre-te, sésamo para produtoras abocanharem verbas da Lei Rouanet. Mas a
Logística Planejamento Cultural foi além. A justificativa que apresentou ao
Ministério da Cultura para pedir a aprovação do projeto que levaria 11 000 estudantes de escolas públicas ao teatro é
quase um poema: "A arte atravessa.
Ela tem o poder de atravessar.
Atravessar universos, histórias, limites, personagens, sentimentos, pessoas.
Esse projeto quer mostrar a potência do teatro como elemento de propagação de
cultura, despertando a percepção de crianças sobre esse elemento artístico.
Queremos que elas atravessem todas as barreiras e entrem no mundo mágico do
teatro". Pois o dinheiro captado para apresentar "o mundo mágico do
teatro" a crianças carentes acabou usado para pagar despesas de uma festa
de casamento para 120 pessoas em Jurerê Internacional, a praia mais badalada de
Florianópolis, conhecida como "a Ibiza brasileira". Se algo
atravessou limites nesse caso, foi o cinismo.
A Lei Rouanet, criada em 1991, autoriza grupos ou artistas que tenham
projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura a captar dinheiro com
empresas, que, em troca, ganham o direito de deduzir do imposto de renda parte
do valor do patrocínio. Segundo a Polícia Federal, a Logística era uma das onze
empresas usadas pelo Grupo Bellini Cultural para desviar dinheiro destinado ao
fomento da cultura para o bolso dos seus sócios, entre eles Felipe Vaz Amorim,
o noivo de Jurerê, seu irmão, Bruno Vaz Amorim, e seu pai, Antonio Carlos
Bellini Amorim, todos presos na semana passada. No casamento de Felipe, o cachê
de 13 216 reais pago ao cantor sertanejo
Leo Rodriguez, por exemplo, saiu do dinheiro captado pela Logística. Como
confirma Lincoln Porto, advogado da empresa que assessora o cantor: "Eles
pediram que constasse no corpo da nota fiscal que a despesa se referia ao
projeto tal". O projeto "tal" era o das criancinhas carentes que
precisavam conhecer a magia do teatro e chamava-se Minha Cidade. Junto com ele,
a Logística apresentou um segundo projeto ao MinC, batizado de Caminhos
Sinfônicos (objetivo: organizar apresentações gratuitas de música clássica para
mostrar que o gênero "não é um privilégio da elite"). Com a aprovação
dos dois projetos, a Logística foi autorizada a captar 1,8 milhão de reais no
mercado. A PF não sabe se esse valor foi integralmente usado para bancar as
despesas do casamento.
Segundo os investigadores, em vinte anos a Bellini Cultural recebeu
autorização para captar 180 milhões de reais por meio de justificativas fajutas
encaminhadas ao Ministério da Cultura. A polícia já sabe que boa parte do
dinheiro foi usada para contratar artistas conhecidos que se apresentavam a
seletos grupos ou em festas de empresas. Por intermédio da Bellini, e cortesia
da Lei Rouanet, um grupo atacadista de alimentos, por exemplo, bancou a
apresentação da banda Jota Quest a 4 000
convidados, e um dos escritórios de advocacia mais renomados de São Paulo
contou com show do comediante Fábio Porchat em sua festa de aniversário.
Segundo o Ministério Público, há cinco anos o MinC foi informado das fraudes
cometidas pela Bellini. Mesmo assim, seguiu aprovando os projetos do grupo.
Quem fez vista grossa à farra e por que motivo são as perguntas a que o MP e a
polícia pretendem responder em breve.
Postar um comentário
Blog do Paixão