Pesquisadores brasileiros
encontraram traços do vírus BVDV, um agente que se imaginava afetar somente
animais, em fetos com microcefalia provocada por zika
Por Da
redação
De acordo com os autores, caso
a interação seja confirmada, ela pode ajudar a explicar por que algumas regiões
do Nordeste foram muito mais afetadas pela microcefalia causada pelo zika do
que outros Estados ou países.
O surto de microcefalia no Nordeste pode ter outras causas além da
contaminação por zika durante a gestação. Pesquisadores brasileiros encontraram
traços do vírus BVDV, um agente que até hoje se imaginava afetar rebanhos
animais, como bovinos, em fetos com microcefalia associada ao zika.
A pesquisa foi feita por integrantes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto
(Ipesq). Os trechos do BVDV foram encontrados em três amostras, um número
pequeno para fazer alguma afirmação categórica, mas considerado relevante para
os cientistas.
“Essa é uma peça importante dentro desse quebra-cabeças. Nunca foi
descartada a possibilidade de que, além do zika, outro vírus estivesse
relacionado ao aumento de casos de bebês com problemas neurológicos”, disse um
integrante da força-tarefa do Ministério da Saúde destacada para avaliar o
caso.
O BVDV e a microcefalia — O BVDV é um vírus presente no rebanho de vários
países, incluindo o Brasil. Da mesma família do zika (Flaviviridae), ele causa
uma série de doenças no gado, como diarreias e problemas respiratórios. O que
chama mais a atenção, no entanto, é a grande quantidade de abortos e
más-formações provocadas pelo vírus no rebanho. Entre os problemas encontrados,
está a artrogripose, uma síndrome que provoca má-formação em articulações, já
identificada em alguns bebês com microcefalia.
Foi justamente essa semelhança na forma do ataque do vírus na formação
do feto de gado e dos bebês com microcefalia associada ao zika que despertou o
interesse dos pesquisadores. Assim como acontece com bebês, a literatura mostra
que o impacto do BVDV na formação do feto bovino muda de acordo com o período
de infecção. Assim como de humanos, o período de gestação no gado é de 9
meses.
“Abortos e más-formações são mais comuns no primeiro trimestre da gestação dos
bovinos”, afirmou Eduardo Flores, professor do Departamento de Medicina
Veterinária Preventiva da Universidade Federal de Santa Maria.
O professor afirma que, embora muito presente no rebanho brasileiro,
até hoje não houve relato sobre a transmissão do BVDV para seres humanos.
Também não há registros sobre contaminação do vírus no meio ambiente. Uma das
hipóteses de pesquisadores é de que o fato de o zika e o BVDV serem da mesma
família possa aumentar a possibilidade de interação. “Talvez isso ajude a
explicar a forma como o zika rompe a barreira placentária e ataca o feto”, diz
um representante do governo de Pernambuco.
Essa interação poderia também ajudar a explicar um fato que intriga
autoridades sanitárias e a comunidade científica em geral: por que algumas
regiões do Nordeste brasileiro foram muito mais afetadas pela síndrome
provocada nos bebês pelo zika do que outros Estados ou países? A resposta
ouvida até agora era de que a epidemia de zika em outras regiões do país é
muito recente e que, por isso, seria preciso esperar alguns meses até que bebês
com a síndrome congênita começassem a nascer.
“O tempo está passando e a epidemia de grandes proporções esperada no
Sudeste não está acontecendo”, afirmou o representante. O último boletim do
Ministério da Saúde sobre a microcefalia mostra que há 1.417 casos confirmados
no Nordeste e 106 no Sudeste.
Alerta ao Ministério da Saúde — Por precaução, os autores do estudo comunicaram os
resultados ao Ministério da Saúde em uma reunião de emergência realizada na
semana passada, antes mesmo da publicação do trabalho em revista
científica.
Diante das suspeitas, uma série de medidas foi adotada.Um grupo do Ministério
da Saúde foi destacado nesta semana para ajudar a estudar o caso. Equipes foram
enviadas a campo, na Paraíba, para tentar buscar ligações entre as mulheres que
tiveram seus embriões com suspeita de contaminação por BVDV. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) também foi comunicada e ontem foi realizada uma reunião
com o Ministério da Agricultura para avaliar medidas de proteção do gado, caso
a hipótese seja confirmada.
O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Alexandre
Santos, afirmou que as medidas adotadas até o momento sobre o vírus BVDV são
feitas por precaução. “Existem indícios. Técnicos foram enviados para ajudar na
investigação. A notificação da OMS faz parte do regulamento sanitário.”
Diarreia
Viral Bovina (BVDV) — Casos de infecção do gado provocada pela Diarreia
Viral Bovina (BVDV) são identificados no Brasil desde a década de 60. Estudos
mostram que o vírus é encontrado em várias partes do país e afeta,
principalmente, o gado leiteiro. “Não é uma doença de notificação compulsória.
A vacinação também não é feita de forma regular. O fato é que há muitos
rebanhos contaminados”, afirma Eduardo Flores, professor do Departamento
de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Federal de Santa Maria.
A contaminação pelo vírus pode acontecer por meio das secreções (como
durante a alimentação no cocho) e pelo sêmen. O ponto-chave para o controle da
doença está na identificação e no controle de animais portadores do vírus, mas
que não apresentam sintomas. “Esses bezerros geralmente são contaminados na
última fase da gestação. Eles clinicamente são normais, mas excretam vírus
continuamente.”
Rebanhos com grande circulação do vírus, disse o professor, trazem
grandes perdas reprodutivas. “Abortos, natimortos e más-formações”, conta.
Possibilidades — A
dúvida de pesquisadores é por que um vírus presente há tanto tempo no país e em
outras partes do mundo agora está sendo associado a uma doença tão grave? Há
várias hipóteses. Embora até hoje não haja registros de contaminações
ambientais, uma das possibilidades avaliadas é de que o vírus entre em contato
com humanos por meio da água contaminada pelas fezes do animal. “A região
afetada sofre com desabastecimento de água. Poços geralmente estão
próximos de locais onde o gado pasta”, disse o pesquisador. Há também a
possibilidade do consumo de leite cru. Tais fatores de risco, no entanto,
sempre existiram.
“A diferença é que agora entra em cena o zika, que poderia de alguma
forma se associar com BVDV”, diz um integrante do Ministério da Saúde. “Mas são
hipóteses. São necessários ainda estudos para comprovar alguma relação.” Santos
afirma que, no momento, não é preciso adotar nenhum cuidado extra. “São as
recomendações de sempre: comer carne cozida, usar leite pasteurizado.”
Um dos pesquisadores envolvidos no estudo disse que a tarefa, neste
momento, é identificar o vírus inteiro do BVDV. Uma tarefa que é cara.
Justamente por isso, buscaram auxílio do Ministério da Saúde. “Encontramos
trechos de fragmento de genoma. É preciso mais. Seria uma leviandade afirmar de
forma categórica que o BVDV está associado à síndrome das crianças.”
(Com Estadão Conteúdo)
Postar um comentário
Blog do Paixão