DE UMA FAMÍLIA de políticos de Pernambuco, José Mendonça Bezerra Filho,
50 anos, já foi deputado estadual, secretário, governador e, agora, é deputado
federal licenciado pelo DEM. No Congresso, ajudou a alinhavar acordos
pró-impeachment de Dilma Rousseff. Acabou alçado pelo presidente interino
Michel Temer ao comando do Ministério da Educação (MEC), área que o próprio
Mendoncinha, como é chamado, diz não dominar. Para assessorá-lo, ele montou uma
equipe de profissionais respeitados e a encarregou de sacudir a estrutura e as
políticas do ministério que tem o terceiro maior orçamento da Esplanada. Sabe
que não conseguirá fazer uma revolução em dois anos e meio. Mas, nesta
entrevista a VEJA em Brasília, define suas duas ambiciosas prioridades:
garantir a elaboração de um bom currículo nacional e reformar o engessado
ensino médio.
Antes de falarmos de educação, uma curiosidade: por que uma das
primeiras audiências do senhor como novo ministro foi com o ator de filmes
pornográficos Alexandre Frota?
Se o recebo, há polêmica. Se não o recebo, também. Seria acusado de
antidemocrático, de preconceituoso. Mas ter estado com ele não significa
compartilhar das escolhas de vida do Frota, que não julgo.
Os jovens brasileiros estão atrás na corrida global pela excelência. O que
o senhor pretende fazer para romper com a lógica do fracasso?
O primeiro passo será mudar de uma vez por todas o modelo de ensino
médio no Brasil. Ele é único no planeta, e não funciona. O atual sistema se
apoia em uma ideia falaciosa, a de que ensinando uma única cartilha a todo
mundo garante-se a igualdade de oportunidades. Pois é justo o contrário.
Pessoas têm ambições, gostos e aptidões diferentes. Desconsiderar isso e querer
que todos passem por um mesmo amontoado maçante de disciplinas é um erro que
sepulta oportunidades no lugar de ampliá-las. Metade dos alunos deixa a sala de
aula antes de concluir a escola. Que chances estamos dando a esses jovens?
Zero.
Muito já se falou sobre mudar o ensino médio, sem resultado. Por que
acreditar que desta vez vai acontecer?
Estamos falando com secretários de todos os estados, em conversas já
bastante amadurecidas, e tomando medidas concretas em direção à mudança.
Adianto aqui que o ensino médio será por ora retirado da discussão sobre o
currículo nacional, que focará o ciclo fundamental. Não faria sentido definir o
que o estudante deve aprender em cada matéria do nível médio se o objetivo é
justamente trocar o modelo existente.
Qual é o plano, afinal?
A meta é tomar o ensino médio mais flexível, como em outros países.
Ainda em discussão e sujeita à aprovação do Congresso, a ideia é exigir
uma base única para todos os alunos até certo ponto. Depois, cada um percorreria
a própria trilha: uns montando uma grade de matérias de acordo com seus
interesses, dentro da escola tradicional; outros seguindo a rota do ensino
técnico, ainda tão subaproveitada e desvalorizada no país. Se apenas 16% dos
jovens frequentam hoje a universidade, certamente falta olhar para os outros
84% que ficam pelo caminho e lhes dar saídas. Eles são a prova de um modelo
engessado que deu errado. O Brasil inventou uma jabuticaba.
Se o ensino médio mudar, o Enem também mudará para se ajustar à nova
sala de aula?
Sim, a prova terá de ser readequada ao novo modelo. Não dará mais para
cobrar no exame tudo de todo mundo na mesma medida. A fórmula atual foi feita
para o sistema único de ensino médio, que é exatamente o que queremos mudar.
Uma das ideias é elaborar um exame de língua portuguesa, matemática e inglês
aplicado a todos. Em outra parte, seriam testados conhecimentos de ciências
humanas, exatas ou biomédicas, a depender do curso escolhido pelo aluno. A
discussão está em andamento. O fato é que, de algum modo, o Enem precisará se
adaptar à nova era.
“As crianças devem ser apresentadas a todo tipo de ideologia, de Karl
Marx a Adam Smith. Não se pode ter uma leitura única na escola, um panfleto
dogmático”
Um de seus últimos atos foi trocar integrantes do Conselho Nacional de
Educação (CNE), instituição que tem em mãos a missão crucial de chancelar o
primeiro currículo brasileiro. Por que fez isso?
O mais importante foi tirar o peso ideológico da configuração deixada
pela gestão anterior. Havia uma unidade de pensamento afinada com o petismo e a
lógica sindical. Agora, o perfil do conselho ficou mais técnico e
representativo.
O senhor quer substituir a ideologia passada por qual ideologia?
Por nenhuma outra ideologia. Pretendo mais equilíbrio, mais variedade.
Havia gente muito engajada politicamente, e isso é ruim. Em educação, o
conhecimento técnico é fundamental.
A discussão sobre o currículo nacional está atrasada em relação ao
estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE). Quando sai alguma definição?
Pode demorar ainda um pouco, até o fim do ano, mas é em prol da
qualidade. As universidades vinham centralizando o debate. Decidimos então
ampliar o rol convidando os melhores especialistas de cada área para opinar. Se
temos no Brasil um núcleo de excelência como o Impa, referência na matemática
mundial, ou a Academia Brasileira de Letras, por que não consultá-los?
De todos os currículos de disciplinas apresentados, o de história foi o
mais controverso. Ele muda ou fica como está?
A primeira versão tinha um viés ideológico absolutamente distorcido,
além de deixar de fora capítulos como Grécia, Roma e Revolução Francesa.
Expressava as convicções daqueles que a escreveram. A segunda versão avançou,
mas ainda precisa ser aprimorada. Por isso vamos ouvir mais gente boa, para
fazer uma peneira rigorosa.
Mas aqui também fica uma dúvida: ó o caso então de trocar um viés ideológico por outro, trocar a visão de esquerda das coisas por um olhar de direita, de centro?
Mas aqui também fica uma dúvida: ó o caso então de trocar um viés ideológico por outro, trocar a visão de esquerda das coisas por um olhar de direita, de centro?
Não. As crianças devem ser apresentadas a todo tipo de ideologia, de
Karl Marx a Adam Smith. Não se pode ter uma leitura única na escola, um
panfleto dogmático. Em vez do panfleto, de qualquer cor, devemos oferecer a
leitura dos grandes pensadores no original. E cada um escolhe seu caminho.
Nosso objetivo, até onde for possível ir, é não deixar que a escola se torne
domínio de determinada doutrina, mas que seja aberta e plural nas ideias. Do
ponto de vista técnico, a meta é chegar a um currículo irrepreensível. Podem me
cobrar depois.
Em pouco mais do uma década, o orçamento do MEC triplicou e nunca foi
tão afto: cravou 137 bilhões de reais em 2015. Afinal, falta dinheiro?
Não vou afirmar aqui que mais verbas não poderiam ajudar a melhorar a
educação. A experiência brasileira mostra, porém, que de nada adianta ter uma
bolada na mão se ela não for muito bem aplicada. O que se viu no Brasil nos
últimos anos foi um verdadeiro espetáculo de desperdício do dinheiro público.
O senhor poderia ser mais objetivo em sua crítica?
Agora que estou dentro do MEC, posso falar sem medo de ser injusto: sobram no
ministério programas onerosos, sem boa gestão nem cobrança de resultados. É
dinheiro a fundo perdido. Olhe um exemplo: mais de 800 000 professores
estaduais e municipais receberam bolsas com o objetivo de fazer com que as
crianças avançassem na alfabetização. Valor total: 2,6 bilhões de reais. E sabe
o que aconteceu? Nada. Quase metade dos estudantes ainda chega ao 3° ano do ensino fundamental
fora do nível esperado de alfabetização. Uma das grandes bandeiras petistas na
educação, o Pronatec também não foi efetivo em sua missão de colocar no mercado
uma multidão de técnicos com aptidões demandadas pela economia, como fora
prometido.
O que deu errado no caso do Pronatec?
Faltou conectar os cursos às reais necessidades do mercado e, depois,
acompanhar os resultados de investimento público tão vultoso. Qual foi o efeito
do ensino técnico na vida do aluno? Afinal, ele arranjou emprego? E que emprego
é esse? Não se sabe nada. O que se sabe, isso sim, é que a taxa de evasão do
programa é altíssima: um de cada cinco estudantes sai.
O senhor pretende extingui-lo?
Não, mas vou ajustá-lo de modo que dê mais retorno às pessoas e à
economia. A contrapartida para ter dinheiro do Pronatec será ofertar um bom
ensino.
Outro alto investimento federal de grandes ambições foi o Ciência sem
Fronteiras, que dá bolsas a alunos de graduação e pós-graduação no exterior.
Qual será seu destino?
As bolsas de pós-graduação já existiam e
continuarão a receber o aporte de dinheiro necessário. Quanto aos intercâmbios
de graduação, faço duas promessas. A primeira é que vamos honrar a dívida
gigantesca herdada da gestão anterior e pagar aos estudantes. A outra é que o
programa será reavaliado radicalmente. Nenhum país investe tanto nesse tipo de
ação. Para se ter uma medida, 3,7 bilhões de reais foram gastos para atender 35
000 alunos. Isso equivale ao orçamento total da merenda escolar, que alcança 40
milhões de estudantes.
“De nada adianta ter uma bolada na
mão se ela não for bem aplicada. O que se viu nos últimos anos no Brasil foi um
verdadeiro espetáculo de desperdício do dinheiro público”
E detalhe: o Ciência sem Fronteiras chega em grande parte à
classe média. Defino-o como um Robin Hood às avessas – tira dos mais pobres
para dar aos mais ricos. Aliás, como regra geral na educação, apesar de todo o
discurso, o PT acabou por privilegiar quem tem mais dinheiro.
Parece um típico discurso de oposição.
Os números são autoexplicativos. Nos últimos cinco anos, o dinheiro
federal para o ensino superior cresceu num ritmo que é o triplo do das verbas
para o ensino básico, justamente onde tropeça a base da pirâmide. Entre os
jovens, 1,7 milhão compõe a geração nem-nem – nem estuda nem trabalha. Eles
estão completamente fora do jogo. São o retrato de um péssimo sistema
educacional.
Como é fazer parte de um governo ainda interino e com pouco tempo para
tocar projetos de longo prazo?
Não pretendo realizar nenhuma grande revolução. Se conseguir deixar um
bom currículo nacional e um ensino médio mais eficiente, já terá sido uma
vitória.
Ver colegas de Esplanada enredados em corrupção o desestimula?
Todo mundo deve pagar o que deve. Durmo e acordo pensando em meu próprio
ministério.
Conseguiu dormir quando pairou sobre o senhor a suspeita de ter recebido
100000 reais via caixa dois em sua campanha para deputado federal em 2014?
Doeu na alma, mas a questão já foi esclarecida e a acusação, retirada do
inquérito. Aquela era uma doação legal para meu partido, o DEM.
O senhor teme a Lava-Jato?
Não. Sei que sempre fiz bem meu dever de casa.
Fonte: VEJA
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