Seca:Segundo Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco, chuvas são
raras desde junho de 2016. Irrigação é a solução apontada para salvar a
plantação, mas alto custo do processo dificulta a adoção da medida.
Por
Marina Meireles, G1 PE
Na Zona da Mata Norte de Pernambuco,
canaviais sofrem com a estiagem (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
O pernambucano
Roberval Germano, de 39 anos, só tem um desejo: a chegada da chuva. E esse é um
desejo compartilhado com todos os integrantes da milionária cadeia de produção
de derivados de cana na Zona da Mata de Pernambuco, que sofre com as
consequências da seca.
O G1 mostra, em uma série de reportagens, uma pequena
amostra da realidade vivida na região - e as muitas saídas que encontra para
conseguir sobreviver.
Vivendo na terra
em que os anos são contados em safras, Roberval não se lembra ao certo quando
começou a jornada em um canavial de Nazaré da Mata. “Entrei aqui numa
entressafra, depois de sair de uma fábrica de cerâmica em Carpina”, relembra.
Sustentando a esposa e os três filhos de dois, sete e nove anos com o salário
mínimo conquistado a cada mês, ele reza para que a seca que castiga a plantação
não seja capaz de cessar a sua única fonte de renda.
Trabalhando
diariamente das 6h às 12h, ele aduba e retira o capim da cana que conseguiu
sobreviver à estiagem, que, segundo alguns dos produtores da região, é a pior
dos últimos 20 anos. “Se eu sair daqui, não tem outra plantação para ir. O medo
de ficar desempregado é grande porque isso é geral”, conta, depois de ter
assistido à recente demissão de 59 canavieiros que trabalham em um mesmo
canavial.
Canavieiro Roberval Germano teme sair
do emprego devido à seca na Zona da Mata de Pernambuco (Foto: Marlon
Costa/Pernambuco Press)
Tida como
necessária, a medida foi tomada pelo produtor Octávio Coutinho, que lamenta a
morte da ‘socaria’, nome dado ao broto da cana, e tenta enxergar com bons olhos
os 30% de área viável que restaram em sua plantação de 700 hectares. Nos outros
70% da área, a esperança de uma produção robusta traduzida através do verde dos
canaviais deu lugar ao marrom, cor póstuma dos brotos sem vida.
Depois da
primeira safra, a cana pode brotar por até cinco anos seguintes, mas, sem a
hidratação adequada, a planta pode morrer e, consequentemente, causar o
prejuízo pelas safras que deixarão de ser colhidas nos anos seguintes. Diante
de um cenário desanimador devido à seca, a dispensa dos funcionários tornou-se
inevitável. “Para os que sobraram, eu vou ter que dar férias porque não tem
mais muita cana para cuidar”, lamenta Coutinho.
Verde das mudas que se destacam em
meio à paisagem marrom é de plantas que não terão alto potencial de extração,
segundo produtores de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
Esse quadro é
uma consequência da estiagem na Zona da Mata de Pernambuco, que tem castigado
as plantações de cana em municípios como Nazaré da Mata, Glória do Goitá,
Tracunhaém e Lagoa de Itaenga. De acordo com o presidente da Associação dos
Fornecedores de Cana de Pernambuco (AFCP), Alexandre Andrade, a ausência das
chuvas é registrada desde o mês de junho de 2016. “As chuvas foram mal
distribuídas e o pessoal precisa ser demitido antes do tempo. O trabalho na
entressafra já tem um volume menor e, com essa estiagem, o pessoal que trabalha
no campo está sendo demitido antes do tempo”, explica.
Para os próximos
meses do ano, as previsões não são animadoras. Durante uma discussão técnica
entre meteorologistas de quatro estados do Nordeste no fim de março, no Recife,
foi gerado um prognóstico de chuvas abaixo da média histórica para o setor
Leste da região, no período de abril a junho de 2017. De acordo com a previsão
da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), praticamente toda a área de
Pernambuco terá chuvas abaixo da média climatológica.
Previsões da Agência Pernambucana de
Águas e Clima (Apac) prevê chuvas abaixo do esperado para Pernambuco em alguns
meses de 2017 (Foto: Reprodução/Apac)
“A cana que
sobrou não está em boas condições. Para fazer o replantio da área que não pode
mais ser aproveitada, eu vou muito além de ter o prejuízo de não cortar a cana
nas safras que ela poderia nascer de novo”, explica Coutinho. Para cada
hectare, seriam entre R$ 7 mil e R$ 7,5 mil para replantar a matéria-prima para
açúcar e etanol, além dos R$ 120 mil de prejuízo causados pela morte da planta
em safras primárias.
No caso do
produtor Felipe Nery, de Lagoa de Itaenga, também na Mata Norte de Pernambuco,
a situação é semelhante. “Vou ter que reduzir a área de plantio, porque a seca
reduziu 40% do total de cana que seria cortada e a manutenção de cada hectare
custa mais ou menos R$ 1,2 mil”, detalha.
Segundo dados do
Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Pernambuco
(Sindaçúcar-PE), a safra de 2014/2015 resultou no corte de 15,01 toneladas de
cana. Na safra de 2015/2016, o número caiu para 11,6 toneladas e representa, em
20 anos, o pior resultado de colheita no estado.
Em Pernambuco, produção de açúcar na
safra de 2015/2016 foi a pior nas últimas duas décadas (Foto: Reprodução/G1)
Nesse último ano
de safra, a extração da cana resultou na produção de 353 mil metros cúbicos de
etanol, resultado inferior aos 386 mil metros cúbicos obtidos a partir da safra
de 2014/2015. O açúcar também não teve bons resultados em 2016 e, assim como a
cana, teve o pior resultado em 20 anos. “Já somos um setor com atividade
sazonal. Nossa receita é não é perene e, quando há queda na produção das
safras, esse cenário fica bastante prejudicado”, comenta o presidente do
Sindaçúcar-PE, Renato Cunha.
Para a safra
2016/2017, as expectativas não são as melhores. “Foram feitos investimentos
esperando-se uma safra de pelo menos 13 milhões de toneladas, e dificilmente
essa safra chegará a 12 milhões”, lamenta o presidente do Sindaçúcar-PE,
torcendo, assim como todos os outros envolvidos na produção canavieira, para
que a previsão do tempo consiga reverter a desesperança provocada pela previsão
da safra.
Irrigar para salvar a plantação
Engenheiro agrônomo Alberto Felipe
Silva demonstra como é feita a irrigação por aspersão (Foto: Marlon
Costa/Pernambuco Press)
De acordo com o
presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco (AFCP),
Alexandre Almeida, a irrigação dos hectares é única saída para evitar a perda
da cana devido à seca. A solução, no entanto, esbarra no alto custo de
investimento e não garante a colheita de plantas saudáveis. “As plantas que
estão conseguindo se desenvolver não têm tanto potencial quanto aquelas que
receberam irrigação desde a fase da socaria. A irregularidade das chuvas acaba
diminuindo a capacidade de extração”, conta.
De acordo com o
engenheiro agrônomo Alberto Felipe Silva, o trabalho de irrigação custa, em
média, R$ 250 por hectare. “A irrigação é feita por aspersão, e, ao longo da
safra, a plantação recebe cerca de 100 milímetros de água. Esse processo é
feito com a água usada na produção do álcool, então é fruto de
reaproveitamento”, explica o profissional.
Atuando como
gerente agrícola de um condomínio de produtores da Mata Norte de Pernambuco, em
Timbaúba, ele está ciente de que a estiagem provocou mudanças na paisagem do
interior e sabe que não são todos os que têm capacidade financeira para
investir na irrigação. “É um processo caro, mas pode levar ao corte de 80 a 100
toneladas por hectare. Esse número já cobre os custos da irrigação, mas ainda
assim, só os fornecedores mais estruturados conseguem fazer isso”, explica.
Em Timbaúba, grandes produtores
investem na irrigação para proteger o canavial da estiagem (Foto: Marlon
Costa/Pernambuco Press)
Para os que
conseguem lançar mão do processo, o resultado não decepciona. Irrigada
periodicamente, a cana difere completamente da plantação encontrada nos
municípios afetados pela seca. Grandes, fortes e saudáveis, as plantas enfeitam
a paisagem com um verde vivo, que simboliza o alto potencial de extração
durante o período de safra.
Após o
crescimento e o corte, as toneladas saudáveis da cana são compradas pela
Cooperativa do Agronegócio dos Associados da Associação dos Fornecedores de
Cana de Açúcar (Coaf), que reativou, com auxílio do governo do estado, uma
usina no município de Timbaúba. Funcionando há três safras, a usina é a
esperança dos produtores que têm perdido grande parte da plantação para a seca
e transforma a matéria-prima saudável, cortada no canavial que circunda o
espaço, em derivados como açúcar e etanol, gerando lucro e trazendo uma
centelha de fé para canavieiros, produtores e usineiros.
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