Nascido e criado no Morro de São Carlos, no bairro do Estácio, Luiz Melodia sempre teve o samba em suas veias, mas, misturado à música que ouviu no rádio, da jovem guarda ao rock, passando por baião, choro, bolero, reggae e o que mais atraísse sua fina sensibilidade. Daí ter desenvolvido um natural e pessoal sincretismo que, no início dos anos 1970, encantou a agitadores culturais como o poeta Waly Salomão, o artista plástico Hélio Oiticica e o cineasta Ivan Cardoso.
Waly, que na época trabalhava com Gal Costa no que viria ser o show divisor de águas “Fa-Tal: Gal a todo vapor” (1972), apresentou Melodia à cantora, que incluiu no roteiro a balada “Pérola negra”, pérola que encanta tanto pela melodia envolvente quanto pela forte poesia, marcada por imagens inusitadas: “Rasgue a camisa / enxugue meu pranto / Como prova de amor, mostre o teu novo canto / Escreva no quadro em palavras gigantes: 'Pérola Negra, te amo, te amo'".
Ainda nesse ano foi a vez de Maria Bethânia se encantar (e encantar o Brasil) com “Estácio, Holly Estácio”, outro clássico, gravado no álbum “Drama”.
Graças ao aval dessas duas divas da MPB, as portas da indústria se abriram para Luiz Melodia, que confirmou com sobras seu talento no fundamental disco “Pérola negra” (1973, selo Philips). Com direção de produção de Guilherme Araújo e produção musical do guitarrista Perinho Albuquerque, além de suas versões para “Pérola negra” e “Estácio, Holly Estácio”, que, por sinal, nada deviam às de Gal e Bethânia, o repertório trazia mais provas do grande compositor que surgia em canções como “Farrapo humano”, “Magrelinha”, “Objeto H”, “Forró de janeiro”, “Estácio, eu e você” e “Vale quanto pesa”.
Seu segundo disco, "Maravilhas contemporâneas” (1976, Som Livre), manteve o nível da estreia, puxado pelo sucesso “Juventude transviada” (tema da novela “Pecado capital”) e ainda incluindo mais clássicos como a faixa-título, “Congênito”, “Veleiro azul” (esta, regravada há dois anos por Mariana de Moraes) e “Memórias modestas”. Ao lado do intérprete também fora de série estavam muitos dos músicos que, na mesma época, criariam a Banda Black Rio, grupo que o acompanharia no álbum seguinte, “Mico de circo”(1978).
Através das quatro últimas décadas, apesar de não contar com a mesma repercussão, ignorado pelos grandes intérpretes da MPB, Melodia não parou de produzir maravilhas musicais eternas, como ouvimos em seu último
disco de estúdio com repertório inédito, “Zerima"(2014, Som Livre) - numa das faixas, "Dor de carnaval", ele contou com a participação da cantora Céu.
Parte o artista original, mas fica uma obra que permanecerá viva, eternizada também em álbuns como “Felino" (1983), “Claro" (1988), “Pintando o sete” (1991) e “14 quilates” (1997).
“Pérola Negra, te amo, te amo”.
Crédito imagens: Luiz Melodia em 1977 (foto de ACM) e reproduções capas de discos.
Luiz Melodia morre aos 66 anos, em decorrência de câncer de medula
Por Mauro Ferreira / G1
O cantor, compositor e músico carioca Luiz Carlos dos Santos, o Luiz Melodia, morreu na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), aos 66 anos, em decorrência de complicações de um câncer que atacou a medula óssea. Melodia morreu na madrugada de hoje, 4 de agosto, por volta das cinco horas da manhã. A informação foi confirmada ao colunista musical do G1 por Renato Piau, guitarrista que tocou com Melodia, após ligação para a família do artista. Melodia chegou a fazer um transplante de medula óssea e resistiu ao procedimento, mas não vinha respondendo bem à quimioterapia. O câncer voltou e o estado de saúde de Melodia se agravou bastante ontem. O artista estava internado no hospital Quinta D'Or.
Ele cantava que o nome dele era ébano na música que defendeu no festival Abertura, exibido pela TV Globo em 1975. Na certidão de nascimento, o nome era Luiz Carlos dos Santos. Mas o Brasil o conhecia mesmo pelo nome artístico de Luiz Melodia. Nascido em 7 de janeiro de 1951 no morro do Estácio, o bairro da cidade natal que ele cantou poeticamente em um dos sambas mais conhecidos do repertório gravado a partir da década de 1970, Luiz Melodia saiu de cena hoje em decorrência de complicações de um câncer de medula óssea conhecido cientificamente como mieloma múltiplo, mas fica eternamente em lugar de honra na história da música brasileira.
Tinha 66 anos de vida e 46 de carreira, se estabelecido como marco zero da trajetória profissional o lançamento da música Pérola negra em 1971 na voz de Gal Costa. Pérola negraera um dos destaques do show Fa-tal – Gal a todo vapor. No ano seguinte, Maria Bethânia lançou o samba Estácio, Holy, Estácio no álbum Drama (1972), abrindo caminho para que Melodia lançasse em 1973 pela gravadora Philips o primeiro álbum, Pérola negra, um dos clássicos da música brasileira de todos os tempos.
Pérola negra tinha samba, mas não era um disco de samba como o cantor tinha aprendido no morro em vivência musical que começou dentro de casa, quando Luiz ouvia o pai, o compositor Oswaldo Melodia, tocar. O álbum que projetou Melodia ergueu uma ponte tropicalista que ligava o samba do Estácio ao blues, passando pelo choro, pelo soul e pelo rock ao cair em suingue singular.
O romantismo ingênuo do cancioneiro da Jovem Guarda, influência assumida do cantor, ficaria mais evidente em álbuns posteriores com regravações de sucessos da turma comandada por Roberto Carlos em 1965, época em que Melodia ainda frequentava programas de calouros em busca do lugar ao sol que não havia conseguido com a formação de conjunto efêmeros, como Os Filhos do Sol e Os Instantâneos, para animar bailes da juventude pop dos anos 1960.
De lá para cá, a partir especificamente da edição do álbum Pérola negra, Melodia firmou nome na música brasileira como um dos compositores de assinatura pessoal, delineada em posteriores álbuns autorais como Maravilhas contemporâneas (1976), Mico de circo (1979), Nós (1980), Felino (1983), Claro (1987), Pintando o sete (1991), 14 quilates (1997), Retrato do artista quando coisa (2001) e o derradeiro Zerima (2014). Grande cantor de voz aveludada, Luiz Melodia foi bamba que foi muito além do samba do Estácio.
(Crédito da imagem: Luiz Melodia em foto de divulgação de Daryan Dornelles)
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