domingo, setembro 24, 2017

OPERAÇÃO TURBULÊNCIA - acha elo entre esquema local e operador uruguaio condenado na Lava Jato, por prestar serviços a Nestor Cerveró

Procurador destaca a necessidade de discutir um novo formato de contratação e estruturação jurídica e financeira de eventos


Da Folha de Pernambuco
Bruno Campos

 “Discussão ampla, com a participação dos agentes públicos, dos artistas e da sociedade”
As denúncias envolvendo shows realizados no Estado têm levado o procurador Cristiano Pimentel, que comanda o Ministério Público de Contas (MPCO), a um trabalho minucioso - em parceria com outras instituições - no combate a eventos que possam estar utilizando dinheiro público indevidamente. Nesta entrevista à Folha, Cristiano relata sua preocupação com o uso de recursos públicos, mas fala, principalmente, da necessidade de discutir um novo formato de contratação e estruturação jurídica e financeira desses eventos.
Segundo o procurador, o importante, neste momento, é discutir um modelo adequado com a sociedade, com os artistas e com os órgãos públicos, que traga transparência e otimize as ações na área. Ele também fala da preocupação em relação à PEC 30/2014, que propõe o congelamento do orçamento do Tribunal de Contas, em valores de 2013. O que representaria um retrocesso para os tribunais. Acompanhe abaixo.

Já houve diversos problemas com diversas gestões em relação a shows. Há algo que se possa fazer para dirimir estas questões?
O que a gente precisa enfrentar é essa figura dos empresários que fazem a figura de intermediação entre o poder publico e os artistas. Como vimos nas redes sociais, os áudios (divulgados recentemente por artistas como André Rio, denunciando cobrança de propina para realizar eventos públicos)  se referiam, em parte, ao papel desses empresários. Acho que o papel desta figura, como empresário meramente intermediador, é nociva para este sistema de cultura e de shows públicos em Pernambuco. Outra questão que precisa ser estudada é o critério de gastos. Por que estão sendo gastos valores acima de R$ 500 mil com cantores nacionais, que muitas vezes não têm uma relação com a história e a cultura pernambucana? Precisamos perguntar: é justo que recursos públicos sejam gastos com shows? Não devemos prestigiar apenas coisas que tenham relação direta com a cultura e com a tradição histórica de Pernambuco?

Financiamento público em evento privado, com este recebendo patrocínio privado ou cobrando ingresso, como vimos nas investigações. Isto pode continuar?
Esta é a discussão do modelo. Porque quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) abriu essa auditoria especial, não queria discutir apenas as irregularidades, os eventuais superfaturamentos e desvios, como ele fez nos dois escândalos - Shows Fantasmas, em 2009 e a gestão da Empetur encerrada, em 2014, que também teve as contas rejeitadas pelo Tribunal. Neste momento, o TCE quer ir além de apontar irregularidades, quer discutir o modelo e a questão colocada na estruturação jurídica e financeira destes eventos. Vamos discutir este modelo com a sociedade, com os artistas e com os órgãos públicos.

No escopo desta investigação, identifica-se empresas fantasmas? 
Existem empresas muito pequenas, existem empresas que não têm sede fixa ou estrutura, mas isso não quer dizer que sejam empresas fantasmas. Agora, existem pessoas que sem ter tradição, estrutura ou história com a realização de eventos, às vezes aparecem intermediando evento ou shows enormes. A questão é como que a pessoa apareceu neste elo - entre o artista e a realização do show -, se ela é uma microempresa, por exemplo?

Observamos que muitos artistas se repetem nestes shows e a quantidade de dinheiro envolvido é enorme. Para vocês, os artistas são usados por estes empresários ou também fazem parte do esquema?
Não temos elementos para dizer que os artistas tenham participação nisso. É lógico que as pessoas e os próprios artistas estão insatisfeitos com alguma coisa. Se não, isso não teria refletido tanto na sociedade pernambucana. Agora, acho muito temerário e até injusto criminalizar o artista por este tipo de situação. Neste caso, eu vejo o artista mais como vítimas deste sistema, que tem muitos problemas.

Em sua opinião, deve ser abolida a emenda parlamentar para show?
A emenda parlamentar é um instrumento importante, mas não pode ser tão específica a ponto de apontar o artista, a cidade e a data do show, como ocorreram com estas emendas de 2014. Mas devo dizer que o próprio TCE, em 2014, enviou um ofício à Empetur, alertando para a impossibilidade deste modelo de emenda e a empresa acatou, porque não existe, posterior a 2014, este tipo de emenda tão especifica e detalhada.

Qual é o modus operandi atual da Empetur?
Essa é uma coisa que vai ser apurada e debatida nesta auditoria especial. A Empetur tem um orçamento próprio, fomenta o turismo no Estado. O que queremos discutir são os critérios. Se existem critérios objetivos e se estes são os melhores para o fomento da cultura e do turismo em Pernambuco. Esta vai ser uma discussão ampla, democrática, com a participação dos agentes públicos, dos artistas e da sociedade civil.

Na investigação identificaram 42 deputados e houve ação contra oito. Há a possibilidade de outros parlamentares serem implicados?

O inquérito civil, que é o instrumento que eles usam para fazer essa investigação, não foi encerrado. De modo que existe a possibilidade de novas pessoas serem alvo de ação de improbidade administrativa.

Há anos o TCE vem investigando shows. Quais as situações que mais lhes chamam a atenção? Ou situações mais comuns?
O que me chama a atenção é que, muitas vezes, tem sido colocado um show numa pequena cidade do Interior que não tem nenhuma vocação turística, às vezes até com artistas de expressão nacional e nós temos dúvidas da pertinência deste gasto. Se este show está sendo usado, algumas vezes, para promoção pessoal de políticos que tenham atuação na cidade, como o próprio prefeito ou eventualmente deputados, que sejam votados na terra.

Às vezes, artistas, que estão no palco, mandam um ‘alô’ para prefeito tal, da cidade tal, deputado tal... Como fiscalizar isso?
Acho que a discussão deste modelo deve resultar em regras claras a respeito disso. O artista não pode ficar elogiando prefeito ou político que manejou a verba pública para levar o show, isso é o uso indevido do recurso público. Isso, por si só, é previsto no parágrafo primeiro, do artigo 37, da Constituição Federal, como um ato de improbidade administrativa.

Há casos de Prefeituras com salários atrasados e realizando shows...
Essa questão da Prefeitura estar com salários atrasados e realizando shows é séria. Fizemos uma parceira do TCE com o MPPE, e os prefeitos estão monitorados. Inclusive, fizemos apelo aos próprios servidores, que eles denunciem, caso passem por esta situação. Prefeitos já estão devidamente avisados porque, desde o início do ano, estamos avisando  sobre isso, inclusive, com ofícios circulares. Eu diria que o prefeito que insiste nesta prática, insiste com conhecimento de causa.

Percebe-se um refinamento nos mecanismos utilizados para burlar a lei...
É lógico que o dinheiro é visto, por pessoas mal intencionadas, como algo fácil de desviar e as quadrilhas nacionalmente se sofisticam cada vez mais, estamos vendo aí até pela própria Operação Lava Jato. Realmente, vemos com muita preocupação todas essas questões que foram reveladas nos autos, pois não deixa de ser uma exploração do artista.

Sobre a lista de fichas sujas que o TCE apresentou esta semana com 1.598 gestores?
O TCE por obrigação da Lei Eleitoral, sempre antes das eleições, tem o dever de mandar a lista com pessoas que tiveram as contas rejeitadas nos últimos oito anos. Fizemos isso, desta vez, com um número expressivo, prova de que o TCE está tendo atuação boa em Pernambuco. Tem vários ex-prefeitos importantes citados nessa lista, alguns até com pretensões de disputar novamente as próximas eleições. Esta lista não é lista de inelegíveis, mas de pessoas com as contas rejeitadas. Caberá à Justiça Eleitoral dar a palavra final se estas pessoas podem ou não ser candidatas, o que lamentamos é a possibilidade de a Lei da Ficha Limpa não ser totalmente obedecida porque sabemos que existem muitos advogados com muitos recursos junto à Justiça Eleitoral e que, eventualmente, possa permitir estas pessoas serem candidatas.

Há um aperfeiçoamento da Lei de Ficha Limpa para ser aplicadas com rigor?
O projeto inicial de Ficha Limpa, que era um projeto popular que se recolheu 1,5 milhão assinaturas, era muito bom. A Lei foi discutida no Congresso e foi com muito custo que ela saiu. Houve modificações que tornaram a Lei da Ficha Limpa existente um avanço, mas poderia ter avançado muito mais. Não entendemos como um político com cinco ações de improbidades e várias ações penais possa ser candidato, mesmo que ele não tenha sentença condenatória. Se uma pessoa tem várias ações contra ela, como ela pode ter probidade para participar de uma eleição? Mas a Lei da Ficha Limpa exigiu que tenha condenação. E mais: tem que ser de um Tribunal, não vale a sentença de um juiz de primeira instância.

Como é o comparativo entre os números deste ano e dos anteriores?
Há uma estabilidade, até porque desde a década de 90 o Tribunal se estruturou e há muito tempo não são criados novos municípios em Pernambuco. Em termos absolutos, há uma estabilidade. O que tem mudado é a qualidade dos atos praticados - muitas vezes falhas de licitação, desobediência a Lei de Responsabilidade Fiscal, não recolhimento da Previdência dos servidores.

O que o senhor achar da PEC 30/2014, que propõe o congelamento do orçamento do Tribunal de Contas, em valores de 2013?
É uma PEC apresentada por um senador do Amapá (João Capiberibe/PSB) que quer congelar o orçamento de contas ao que ocorria em 2013. É um grande retrocesso aos Tribunais de Conta que trabalham bem, que cumprem seu papel. Se hoje os orçamentos dos Tribunais de Contas dos Estados voltassem a ser iguais aos de 2013, nós teríamos um grande prejuízo nas atividades. A rigor, não conseguiríamos nem desenvolver mais normalmente as atividades porque, no orçamento 2013, há uma defasagem muito grande comparado ao atual. Então, vemos com preocupação este tipo de proposta. A Associação Nacional dos Tribunais de Contas (Atricon) já se manifestou em nota oficial contra isso e o presidente da Associação, conselheiro Valdeci Pascoal, pediu uma audiência com o presidente do Senado (Renan Calheiros/PMDB) para tratar especificamente sobre essa PEC. E vemos também como retaliação ao trabalho dos Tribunais de Contas.


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