quinta-feira, julho 05, 2018

MUNDO: Os garotos da caverna

A história espetacular do time de futebol de adolescentes retido em uma caverna inundada pela chuva na Tailândia e a incerta operação de resgate que pode levar meses
LUCAS MORETZSOHN / ÉPOCa

O time adolescente de futebol depois de ser localizado por um grupo de mergulhadores. Os jovens estavam desnutridos e com hipotermia, mas se recuperaram bem (Foto: THAI NAVY SEAL/REUTERS)

Seria apenas mais um treino de sábado para o time de futebol amador Moo Pai, ou Javalis Selvagens, na tradução do tailandês. Mas, como eventualmente fazia, o treinador assistente Ekkapol Chantawong, de 25 anos, decidiu levar os 12 rapazes de 11 a 16 anos para uma curta trilha à tarde. O destino da vez seria o complexo de cavernas de Tham Luang, já visitado antes pelos meninos e por Ake, apelido do técnico. O local não é muito frequentado por turistas por ficar em uma área remota, perto de Mae Sai, cidade tailandesa na província de Chiang Rai, no norte do país. Atrai, no entanto, os moradores da região, que veneram uma pequena estátua de Buda no local.
O céu estava limpo naquele 23 de junho, e os 13 não imaginavam que a proximidade da temporada de chuvas transformaria uma leve caminhada num pesadelo. Mesmo com tempo aberto, as monções tendem a chegar rapidamente. Desta vez, a intensidade da precipitação foi capaz de inundar o sistema de túneis, que se estende por cerca de 10 quilômetros sob uma montanha no parque florestal Khun Nam Nang Non, perto da fronteira com Mianmar. O volume de água era tamanho que não foi difícil perceber: estavam presos, na escuridão e sem comida.
O primeiro alerta do desaparecimento do grupo veio de uma das mães, quando seu filho não retornou do treino para casa naquela noite. Além das bicicletas na boca da caverna, mochilas e sapatos ao longo da trilha e marcas de mãos nas paredes, nenhum vestígio indicava sinal de vida do grupo. Foram nove dias desaparecidos até a última segunda-feira, dia 2 — os 13 foram encontrados sãos e salvos.
O governador de Chiang Rai, Narongsak Osattanakorn, mobilizou uma equipe de cerca de 1.000 profissionais, entre médicos, soldados, mergulhadores, especialistas em cavernas e engenheiros de vários países, como Estados Unidos, Japão, Reino Unido, China e Austrália, além dos socorristas tailandeses. Um centro de operações foi instalado numa câmara da caverna a 1,7 quilômetro de distância da entrada, onde as buscas se concentravam.
Ao entrar na caverna, o time transpôs uma placa que alertava os visitantes a não ultrapassá-la entre julho e novembro, devido ao perigo de enchentes na estação chuvosa. A distância permitida para percurso é de 700 metros. O aviso também dizia que era preciso se reportar à guarda florestal antes de entrar — o que o grupo não fez, de acordo com as autoridades. Relatos de pais das crianças, no entanto, não acusam Ake de irresponsabilidade. Pelo contrário, descrevem-no como “dedicado ao time”.
Região próxima das cavernas foi desmatada para que se tente a perfuração de um poço vertical que facilitaria a saída, mas há dúvida sobre o local em que o trabalho deve ser feito
“Ele sempre espera as crianças aparecerem no campo após a escola. (O time) Era uma ótima maneira de se manter saudável, longe da TV e do computador, e de fazer amigos. Posso afirmar que eles eram muito próximos”, contou Noppadon Kanthawong ao New York Times. Seu filho de 13 anos integra a equipe de futebol, mas faltou à excursão.
Os Javalis Selvagens são um time muito além do gramado. As eventuais excursões, no entanto, já vinham preocupando Thinnakorn Boonpiam, cujo filho, Mongkol Boonpiam, de 13 anos, está entre os presos na caverna. O jovem frequentemente chegava em casa após as 21 horas devido às aventuras da equipe, para desgosto do pai. Ainda que ele reconheça com firmeza que Ake é “uma ótima pessoa”, Thinnakorn considera o filho muito novo para fazer tais passeios com apenas um adulto.
Ele descreveu Mongkol como um menino estudioso, que sonha em ser jogador profissional. Não é o único no time. Compartilha o desejo com seus companheiros: Duangphet Promthep, de 12 anos; Somphong Jaiwong, de 13 anos; Chanin Wiboonroongrueng, de 11 anos; Phornchid Kamluang, de 16 anos; Prachuck Sutham, de 14 anos; Peerapat Sompiengjai, de 16 anos; Ekkarat Wongsookchan, de 14 anos; Pipat Phothai, de 15 anos; Nattawoot Thakamsai, de 14 anos; Adul Samon, de 14 anos e Panumart Saengdee, de idade desconhecida.
A forte religiosidade na Tailândia foi essencial para os quase dez dias sem notícias. Cultos budistas em massa foram organizados por todo o país, inclusive sob ordem da realeza tailandesa durante a oração semanal em homenagem ao rei Bhumibol Adulyadej, morto em 2016. As famílias montaram um altar nas proximidades da caverna para orações, que contou com a presença frequente de monges budistas.
As expressões de angústia se transformaram em sorrisos e lágrimas de alegria quando imagens de dentro da caverna emergiram. A família de Peerapat Sompiengjai o espera até agora do lado de fora da caverna com uma torta. Foi seu aniversário de 16 anos em 23 de junho. Os pais organizaram uma festa em casa, mas ele não voltou. Sua mãe, Supaluk, temia não ouvir mais a voz do filho, mas se emocionou ao vê-lo nas fotos e vídeos: “Me reconforta muito saber que está a salvo, mas me sentirei melhor quando ele sair da caverna”, disse. “Quando chegar, faremos uma surpresa. Também compramos presentes.”
O grupo foi localizado a mais de 4 quilômetros da entrada da caverna, numa câmara mais elevada e seca chamada de Pattaya Beach. A Marinha da Tailândia divulgou dois vídeos das crianças com Ake para acalmar as famílias. O primeiro mostra o momento em que os mergulhadores britânicos Rick Stanton e John Volanthen chegam até eles após nadar por três horas na água lamacenta. Desnorteado, um dos meninos perguntou que dia era, e eles explicam que era segunda-feira e que o grupo estava preso havia mais de uma semana. O socorrista pede para que os garotos e o treinador fiquem no ponto mais alto da área em que estavam e indica que vão fornecer, luzes, comida e assistência médica.
Mãe sorri ao reconhecer o filho em grupo preso na caverna, após nove dias desaparecido (Foto: LILLIAN SUWANRUMPHA/AFP)
O segundo vídeo foi divulgado depois de consumirem alimentos de fácil digestão e bebidas proteicas, levados por médicos-mergulhadores que atestaram na quarta-feira que o grupo estava em “boa condição de saúde”. Cada um dos meninos se apresenta e diz: “Estou bem”.
Apesar do alívio, a operação de resgate ainda traz altos riscos, e, até a quarta-feira, dia 4, não havia certeza sobre como os meninos seriam retirados do complexo de cavernas. Mesmo com a operação do sistema de drenagem para tirar a água, o volume é elevado e a previsão para os próximos dias é de chuva. Uma das estratégias que estavam sendo estudadas é tirá-los com eles nadando e mergulhando, auxiliados. Na prática, no entanto, a inexperiência pode ser fatal, e os meninos e seu técnico têm de ser treinados — o que começou a ser feito na própria quarta-feira.
“O recomendado é ter por volta de 50 mergulhos em água aberta”, afirmou Daniel Fernandes, instrutor de mergulho em cavernas e dono da escola Diving College, em São Paulo. “Será necessário garantir que, sem enxergar, a crianças consigam respirar sem desespero. É um desafio muito grande. Além da experiência dos mergulhadores, vai depender de um autocontrole absurdo das crianças.”
As equipes de emergência estudavam outras saídas na caverna. Nos últimos dias, a floresta foi desmatada perto de um poço vertical para permitir o pouso de helicópteros em um possível resgate aéreo. Por enquanto, não foi provado que a passagem esteja ligada ao trecho da caverna onde está o grupo. Outra possibilidade é garantir que eles estejam em local seguro mesmo se o nível da água voltar a subir. Se assim for, as autoridades avaliam enviar mantimentos suficientes até a normalização das condições da caverna. Nesse caso, os meninos poderiam continuar por meses debaixo da montanha.
O alívio de encontrá-los com vida foi grande, mas a apreensão continua.

Postar um comentário

Blog do Paixão

Whatsapp Button works on Mobile Device only

Start typing and press Enter to search