A assessora do prefeito do Rio de Janeiro ganhou os holofotes por ser a operadora das benesses distribuídas a aliados do PRB
O prefeito sobre Márcia Rosa Nunes:
"Se os irmãos tiverem problemas, falem com a Márcia" - Reprodução
POR BRUNO ABBUD
“Se os irmãos tiverem alguém na
igreja com problema de catarata, se os irmãos conhecerem alguém, por favor
falem com a Márcia”, disse Crivella ao lado da assessora, que costuma
representá-lo em agendas com diretores de hospitais municipais e federais do
Rio de Janeiro.
“Ela conhece os diretores de
toda a rede federal, conhece o diretor de Ipanema, da Lagoa, do Andaraí, de
Bonsucesso, do Fundão, conhece os diretores de todos os hospitais da rede
municipal que eu já apresentei a ela, que já vieram e almoçaram conosco, de
maneira que ela me representa em todos esses setores. Miguel Couto, Souza
Aguiar, Lourenço, Salgado, Piedade e vai por aí afora”, continuou, emendando:
“É só conversar com a Márcia, que ela vai anotar, vai encaminhar e, daqui a uma
semana ou duas, eles estão operando”.
A plateia estava reunida durante o “Café da Comunhão”, um evento secreto
convocado um dia antes por WhatsApp para que pastores levassem à prefeitura
demandas variadas de igrejas e fiéis, a relação de suas igrejas e o número de
membros. Tudo a convite “de nosso amado e querido prefeito Marcelo Crivella e
dos pré-candidatos Rubens Teixeira e Raphael Leandro”.
Na ocasião, a equipe de
assessores acomodou os seguidores diante de comida e bebida e mandou garçons
para servi-los. Quarenta minutos antes da chegada de Crivella, a chefe do
cerimonial buscou o microfone para advertir que ninguém tirasse selfies ou fotografasse
o prefeito.
Três pedidos de impeachment de
Crivella foram protocolados na Câmara Municipal do Rio de Janeiro quando vieram
a público as ofertas de benesses do prefeito do Rio. A oposição quer seu
impeachment. Servidores pediram demissão. Aliados políticos emitiram críticas
públicas. O Ministério Público ajuizou uma ação contra o prefeito por
improbidade na Justiça. E Márcia deixou o sossegado anonimato, sendo obrigada a
bloquear até a linha telefônica que mais usava.
A 90 dias do primeiro turno das
eleições, e a apenas 16 do início das convenções partidárias, o evento de
Crivella parecia ter um mote: espalhar a mensagem útil de que a prefeitura
estava à disposição dos evangélicos. Uma chance para que a máquina municipal
fosse utilizada em prol dos apoiadores do prefeito e bispo licenciado: “Vamos
aproveitar esse tempo na prefeitura para arrumar nossas igrejas”, bradou
Crivella no microfone.
Assessora parlamentar de
Crivella desde os tempos em que ele ocupava uma cadeira no Senado, Márcia foi
nomeada em função de confiança na Companhia Municipal de Limpeza Urbana
(Comlurb) no início de 2017, assim que o chefe assumiu a gestão municipal.
Durante o evento no Palácio da Cidade, foi citada ao menos sete vezes pelo
prefeito, sempre na condição de canal ideal para a solução de problemas junto à
prefeitura. Crivella chegou a entabular uma miniaula de assistencialismo. Além
de cataratas, apontou às eleitoras o que fazer sobre problemas de varizes. “A
maioria são mulheres que estouram uma variz na perna e abrem uma ferida que não
fecha. E a senhora apenas troca o curativo. Hoje existe uma maneira: injeta na
veia dela uma espuma medicinal e fecha a ferida. Uma bênção. Também por favor
falem com a Márcia”, continuou. “É muito importante os irmãos ficarem com o
telefone da Márcia, porque às vezes ocorre um imprevisto. Se houver caso de
emergência, liga. Liga para a Márcia e ela liga para mim.”
De simples assessora, Márcia
virou meme, manifestação e até letra de samba. Designada por Crivella com
outros três assessores para anotar as demandas que surgiam de igrejas da
capital, mas também dos mais variados grotões evangélicos do estado, Márcia
inspirou o evento “Vamos falar com a Márcia?” no Facebook. Dos 46.232
convidados, 11.604 se interessaram pelo evento e 5.307 confirmaram presença.
Mais tarde, um grupo de manifestantes ocupou a sede da prefeitura, na Cidade
Nova.
A imagem do cartão da servidora se alastrou pela internet. Seus
telefones foram divulgados maciçamente. A foto dela foi parar na TV. O samba
criado para Márcia diz: Se
não tem vaga no SUS/Nem remédio na farmácia/Fala com a Márcia/Fala com a Márcia”.
“Estou assustado”, contou Luiz Fernando Cordeiro, o compositor. “Nunca tive uma
repercussão dessa.” Segundo ele, que trabalha como advogado no Sindicato dos
Petroleiros do Rio de Janeiro, a letra foi composta dois dias depois da
revelação das benesses prometidas. Cordeiro a cantou publicamente pela primeira
vez no Botequim Vaca Atolada, um bar no centro da cidade onde compositores se
reúnem toda terça-feira para exibir sambas inéditos e autorais. Compartilhada
por WhatsApp, a música se tornou sucesso instantâneo. Faz várias referências à
agenda escondida de Crivella.
Para a promotora Gláucia Santana, que investiga casos de
improbidade no Ministério Público (MP) estadual, as ofertas de Crivella
engrossaram a investigação iniciada 11 meses atrás. O MP anotou quando
integrantes da Guarda Municipal foram questionados pela prefeitura, num censo
registrado em formulários, sobre sua religiosidade; quando a prefeitura cortou
recursos de eventos como a Parada Gay e a tradicional procissão em homenagem a
Iemanjá; ou quando demitiu funcionários comissionados para abrir espaço para
aliados da igreja.
Três pedidos de impeachment de Crivella foram protocolados na
Câmara Municipal. A oposição tenta reunir forças para obter a difícil maioria
em favor do impeachment. Em plenas férias, os opositores conseguiram um terço
da Casa para pedir a suspensão do recesso. Crivella alegou que já fez 1.000
encontros do tipo, com diversos setores da sociedade. Contudo, mesmo sendo
instado a dar detalhes, manteve-se calado. Mobilizou sua base a reagir.
Movimentou a caneta para remanejar cargos na esfera municipal. E saiu a
desancar a imprensa.
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