quarta-feira, outubro 17, 2018

ARARIPINA 90 ANOS: PANORAMA DE UMA ÉPOCA (I)

1. Aspectos Urbanos. 2. – O Comércio. 3. – A Vida Religiosa. 4. – A Vida Social. 5. – A Política. 

. - ASPECTOS URBANOS. Nas duas primeiras décadas do século, São Gonçalo levava a vida pacata e tranquila de uma pequena comunidade encravada nos rincões do sertão. Distante dos centros mais adiantados, sem meios de comunicação, seus moradores, preocupados com a agricultura e a criação de gado, não tinham um estímulo para o progresso e para o desenvolvimento. O arruado, com suas casas de taipa, compostas da sala da frente, corredor, quartos, sala de jantar, cozinha e a sentina lá no fundo do quintal, não tinha organização urbana. Sem calçadas, com grandes espaços entre as casas e na frente e atrás destas. A comunicação entre uma e outra se fazia por veredas. Eram as casas do tipo de moradia rural. Piso de barro batido ou de ladrilhos, aquelas poucas que se contavam nos dedos de uma mão construídas de alvenaria. 

As vias de acesso à Vila, que distava 10 léguas de Ouricuri, eram as veredas estreitas, tortuosas e, às vezes, íngremes. O meio de transporte era o animal, cavalo, burro ou jumento. As comunicações escritas faziam-se por mensageiros, que varavam distâncias, muitas vezes a pé. Nem se ouvia falar em rádio. As notícias chegavam raramente pelo jornal, depois de muitos dias. 

A falta de escolas aprendia-se a ler, escrever e fazer contas, com os pais ou com os irmãos mais velhos. Ou então com professores particulares, que ensinavam a domicílio. Aí pelo ano de 1917, o professor José Augusto, do Assaré (CE), montou uma escola na Vila, para o ensino das primeiras letras, como se dizia. Ficava localizada na atual Joaquim Alexandre Arraes. Foram alunos do Professor José Augusto: Joel Modesto, Gerson Modesto, Antônio Braz Sobrinho, Luiz Félix, Antônio Félix, Elias Modesto, Joaquim Mundoca, João Mundoca, Alfredo Modesto, Aniceto Benício, Plínio Arraes, Nilo Arraes, Honorato Muniz, Pedro Muniz, Aurélio Muniz, Natércia, Santinha Penha, Patrocínia Valdevino, Hilda Arraes, Edite Arraes e Salvador Augusto. Todos com idade entre 9 e 18 anos. Desses, somente Elias Modesto conseguiu título superior, bacharelando-se em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, na turma de 1941, militando no Foro de Recife, como advogado, por mais de 30 anos. No começo dos anos vinte, o Professor Antônio Loyola de Alencar, também cearense, ensinava de casa em casa e nos sítios. 

Não havia médico, nem farmácia. Curavam-se as doenças com as meizinhas. Em casos mais graves, despachava-se Cândido Teotônio, homem de seus 50 e poucos anos, para Santana do Cariri, no Ceará, distante 30 léguas, em busca da medicação, com Joaquim Ferreira Lima, o seu Quinca da Butica. Escrevia-se num pedaço de papel a doença – era a “exposição” – e Cândido Teotônio levava para seu Quinca, que, pela “exposição”, diagnosticava a doença, preparava o remédio e mandava pelo mesmo portador. Eram cinco ou seis dias de viagem, a pé. Cândido Teotônio fazia esse serviço por cinquenta mil réis. Quem não tinha condições de arcar com tamanha despesa morria à míngua. Era a vontade de Deus, a hora era chegada, consolava-se a família. 

2. - O COMÉRCIO. O comércio, nessa época, restringia-se aos negócios da feira semanal e de algumas poucas bodegas, onde se vendiam café em grão, arroz, açúcar, miudezas e outras mercadorias de consumo doméstico. Antônio de Barros Muniz – Totonho Cícero, aí pelos anos de 1910 estabeleceu-se na Vila com uma loja de tecidos. Foi a primeira casa comercil de porte a se instalar em São Gonçalo. A feira, aos domingos, era muito concorrida principalmente com a presença dos mascates, que vendiam as novidades: cortes de tecidos finos, sapatos, cinturões de verniz, óculos de todos os tipos, inclusive de grau, suspensórios de elástico (sucesso), utensílios de *ágate, tigelas, bacias, bules, pratos, urinol ou de louça fina, talheres de prata e de latão, linha, agulhas, tesouras, canivetes, navalha e tudo o mais que se possa imaginar. 

*Ágata: Ferro esmaltado 

No pátio em frente a Igrejinha e ao redor do Mercado, nos dias de feira ou de festas, armavam-se barracas ou tendas. Vendiam-se redes, cordas de caroá ou de couro, selas, cangalhas, arreios para animais, utensílios de barro ou de flandres, potes, alguidares, panelas, pratos, penicos, canecos, chaleiras, funis e outras tantas bugigangas. As mulheres montavam as barracas de comida, servindo bolos, tapiocas, cuscuz, café, leite, sopa, guisado, arroz, feijão, farofa, cachaça, vinho, etc. havia ainda a feira de animais, onde se comprava, vendia e trocava cavalo, burro, jumento, com ou sem arreios. Na parte interna do Mercado, ficava a feira de farinha, de milho, feijão, arroz e outros cereais. Espalhados pelo chão da rua os lotes das frutas regionais, banana, laranja, manga, caju, abacaxi, ananá, pequi, umbu, goiaba. A prefeitura de Ouricuri cobrava “imposto de chão”. 

3. - A VIDA RELIGIOSA. A vida religiosa da Vila limitava-se à prática de orações na Capela, terços e novenas. Até 1910, ano de seu falecimento “Seu Vigário” – Pe. Francisco Pedro, de Ouricuri, visitava São Gonçalo três ou quatro vezes por ano. Vinha celebrar missa, fazer batizados, casamentos e confessar. Após o seu falecimento, a cura da Capela de São Gonçalo ficou com Pe. Sizenando Parente de Sá Barreto, que manteve a mesma assistência religiosa de seu antecessor. A estada do Padre na Vila era uma festa. O povo tomava conhecimento da visita do padre com muita antecedência e vinha gente de muitas léguas de distância para assistir(em) os atos religiosos ou para comerciar(em). Totonho Cícero era quem se encarregava de anunciar a boa nova e faturava um dinheirinho vendendo o pano para a roupa da festa. 

Aos sábados, reuniam-se pela manhã, algumas piedosas mulheres e uns poucos homens, para cantarem o Ofício de Nossa Senhora. À noite, era rezado o terço. Havia também o costume de se fazerem orações coletivas em casa, geralmente para pagar promessas. 

No ano de 1920, Chico Cícero e Joaquim Modesto procederam uma reforma na Capela, ampliando-a, na largura e cumprimento, para 45 e 100 palmos respectivamente. A obra consumiu a importância de dois contos e quatrocentos mil réis, segundo o depoimento de Chico Cícero. 

4. - A VIDA SOCIAL. Cada família que chegava a São Gonçalo trazia filhos, moças e rapazes, que movimentavam a vida social da Vila, juntamente com os jovens da terra, em alegres noitadas. Não se falava em bailes. Também não era o “samba”, as danças próprias do meio rural. Eram os “assaltos”, festas improvisadas em alguma casa da rua (no meu tempo se chamava ‘assustado”, costume que parece desaparecido). Animados pelo som de uma boa harmônica, nas mãos de hábeis tocadores, Boré, Domiro ou Horácio, os mais requisitados, varavam a noite. Os cavalheiros pagavam a cota, recolhida em um chapéu, pelo responsável. O apurado, vinte ou trinta mil réis, era o cachê do tocador. Fora isso, somente as brincadeiras de rua, sob o luar do sertão e as conversas noturnas de cadeiras em frente as casas, entretinham os moradores de São Gonçalo. 

5. - A POLÍTICA - Nenhum fato político digno de nota ocorreu em São Gonçalo, nesse primeiro quartel do século. As principais figuras locais eram ligadas aos grupos políticos de Ouricuri, vindos, há mais de 50 anos, de lutas políticas, com atuação não só no Município, como também no Estado. O Pe. Francisco Pedro da Silva, ex-deputado provincial, era o chefe político de Ouricuri, com prestígio nacional. Tinha o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo e de Comendador da Ordem da Rosa, outorgados pelo Imperador Pedro II. Seu Vigário formou escola e dela saíram os seus menos habilidosos sucessores Antônio Pedro da Silva e o Coronel Anísio Coelho. Mesmo assim, não lhe faltaram adversários e opositores. Honorato Marinho era o principal deles, exercendo uma liderança tal, que conseguiu eleger-se deputado estadual em duas legislaturas. Esses chefes políticos de Ouricuri tinham projeção e força no âmbito estadual. Eram consultados e ouvidos pelos altos escalões do poder do Estado. 

Em São Gonçalo não se destacou nem um líder de projeção estadual. Nenhum conseguiu alargar o campo de seu prestígio e influência, além das 10 léguas que separavam a Vila de Ouricuri. O Cel. Antônio Modesto, seu irmão Joaquim Modesto, Severo Cordeiro dos Santos, Cel. Pedro Cícero, Totonho Cícero e Chico Cícero eram *“rosistas”. *“Dantistas” eram as famílias do Baixio, do São Paulo, da Boca da Mata, lideradas por João Custódio, mas sem qualquer vocação política. De nada aproveitaram com a ascensão de Dantas Barreto ao governo do Estado. João Custódio, já nos últimos anos de sua vida, aderiu ao “rosismo”, ficando desfalcada a corrente “dantista” do seu mais letrado membro. Nenhum interesse político envolvia João Custódio. Sua vida era dedicada exclusivamente á família e ao seu trabalho. Concentrava em sua casa, filhos, genros, noras, netos, e agregados, num total de mais de duas dezenas de pessoas. Não deixou herança política. 

São Gonçalo tinha praticamente uma só corrente política, mesmo assim, sem nenhum horizonte. Foi Chico Cícero, que com sua vinda para São Gonçalo, começou a organização da vida política na Vila. Graças ao seu prestígio e força junto a Honorato Marinho, conseguiu espaço na política municipal, embora estivesse de baixo. Estimulou os líderes de São Gonçalo a se aglutinarem num só grupo, para trabalharem por São Gonçalo, visando a emancipação. Joaquim Modesto manifestava-se com vocação para assumir a liderança do grupo, devido ao seu grau de intelectualidade. O Cel. Antonio Modesto, com sua postura de patriarca, era aberto às novas ideias. Severo Cordeiro dos Santos, Joaquim Alexandre Arraes – Quincó, Totonho Cícero, Antônio Máximo e outros empenharam-se na integração política de São Gonçalo. 

*Rosista – Corrente política em Pernambuco liderada por Francisco de Assis Rosa e Silva (que compra o Diário de Pernambuco em 1901) 

* Dantista – Corrente política em Pernambuco liderada pelo General Emídio Dantas Barreto, oposição aos Rosistas. 

A partir daí, São Gonçalo começa a mexer-se, na procura de sua identidade política e quem assoprava a brasa era o jovem Francisco da Rosa Muniz.

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NOTA
Baseado em depoimento de Joel Modesto Arraes e de Francisco da Rosa Muniz.

DO LIVRO: ARARIPINA, HISTÓRIA, FATOS & REMINISCÊNCIA
DE: FRANCISCO MUNIZ ARRAES

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