terça-feira, outubro 30, 2018

ARARIPINA 90 ANOS: PANORAMA DE UMA ÉPOCA (II)

PANORAMA DE UMA ÉPOCA (II)


Francisco da Rosa Muniz - o mentor intelectual da emancipação política de Araripina

1. – Francisco da Rosa Muniz. 2. - A Criação da Paróquia. 3. – O Pe. Luiz Gonzaga Kerhle. 4. Os Emancipacionistas

1. - FRANCISCO DA ROSA MUNIZ. No ano de 1917, Francisco da Rosa Muniz, Chico Cícero, chega a São Gonçalo. Salgueirense, vinha de Ouricuri, onde se casara com Belmira Granja, Moreninha, de tradicional família ouricuriense. Veio para ficar e trabalhar em prol da Vila de São Gonçalo, a cuja tarefa se dedicou de corpo e alma, constituindo-se elemento de proa nos movimentos de melhoria da Vila. Com o seu entusiasmo e descortino político, contagiou os são gonçalenses. Em 1920, empreendeu uma reforma na Capela. Em 1921, por ocasião da visita de D. José Lopes, Bispo de Pesqueira, encetou os primeiros passos para a criação da Paróquia. Instalada no ano seguinte e em 1923, consegue a nomeação do vigário, Pe. Luiz Gonzaga. Com recursos próprios, adquirira as alfaias necessárias ao funcionamento regular da matriz, a casa paroquial e colabora para as despesas iniciais de manutenção do padre. Sua determinação de alcançar a emancipação política de São Gonçalo tem agora um novo aliado, o Pe. Luiz. Elegeu-se vereador ao Conselho Municipal de Ouricuri, tomando posse no dia 24 de abril de 1927, como representante de São Gonçalo. Era ligado ao grupo político de Honorato Marinho e de Rodrigo Castor. Ao tomar conhecimento pelos jornais, de que o Governador Estácio Coimbra pretendia criar novos municípios no Estado, viu chegada a oportunidade de emancipar São Gonçalo. Teve o sonho realizado no 11 de setembro de 1928. Chico Cícero foi, sem dúvida, o Patriarca de nossa emancipação política.

2. - A CRIAÇÃO DA PARÓQUIA. Depois de ter feito a reforma na capela, com a ajuda e a colaboração de Joaquim Modesto, Francisco Pedro da Silva e outros. Chico Cícero deu início a outro passo, para a normalização da vida religiosa da Vila. Era a criação da Paróquia. Conta Chico Cícero que, no ano de 1921, D. José Lopes fez sua primeira visita pastoral a São Gonçalo. Com ele veio o Mons. Rolim (Frutuoso Rolim de Albuquerque), então Vigário Geral da Diocese de Pesqueira. Chico Cícero pediu informações ao Mons. Rolim sobre o que era preciso para a criação da paróquia, um desejo geral da população de muitas almas que viviam desassistidas dos ofícios religiosos, e insistiu junto ao Monsenhor para que patrocinasse a causa junto ao bispado.

Chico Cícero mandou comprar em Recife, com o seu dinheiro, três paramentos, um branco, um vermelho e um preto, uma âmbula e um sacrário (objetos litúrgicos). Adquiriu de Severo Cordeiro dos Santos uma casa, pagando a quantia de um conto e quinhentos mil réis, para servir de moradia ao padre. Telegrafou então ao Mons. Rolim, dando-lhe ciência de que havia adquirido os bens necessários à criação da Paróquia. No dia 22 de julho de 1922, D. José Lopes de Oliveira editou o decreto episcopal, criando a Paróquia de São Gonçalo, com a invocação de Nossa Senhora da Penha (que, aliás, não pegou).

3. - O PADRE LUIZ GONZADA KEHRLE. Fora dado o primeiro e grande passo para a organização dos serviços religiosos de São Gonçalo. O seguinte seria conseguir o padre residente, tarefa bem mais difícil, devido à distância do lugar, suas precárias condições e, sobretudo, à escassez de padres na Diocese. Chico Cícero não desanimava. Sua obstinada vontade de lutar por São Gonçalo não via fronteiras e nem conhecia obstáculos. Usava de todas as armas ao seu alcance. Conhecia o Capitão da Guarda Nacional Francisco Ramos Nogueira, Capitão Chico Ramos, moradora na fazenda Boqueirão (do Distrito de Bom Nome, município de São José do Belmonte). O Cap. Chico Ramos tinha uma loja de tecidos em São Gonçalo, aos cuidados de seus cunhados Francisco Carlos Muniz e José Carlos Muniz e tencionava vir morar definitivamente em São Gonçalo. Era um trunfo que Chico Cícero não podia desprezar, para conseguir um padre para São Gonçalo. E disso cuidou logo.

Nos meados de maio de 1923, o Cap. Chico Ramos dá por telegrama essa alvissareira notícia: Francisco Muniz. São Gonçalo. Ouricuri. Cumprindo promessa vg mande sete conduções Vila Bela biponto cinco encangalhadas vg uma com sela homem vg um sela mulher pt Consegui ida de padre Luiz Kehrle pt saudações Francisco Ramos”, telegrama que Chico Cícero guarda de cor, com todos os vegês e petês. De imediato, Chico Cícero alugou sete burros a Senhor de Sauhén e mandou os animais devidamente aparelhados, conforme havia sido pedido, para Vila Bela, pelo ponteiro João Francisco de Alencar. Ficou cuidando dos preparativos para a recepção do padre. Gastou com os enfeites de rua e com fogos a importância de oitocentos mil réis.

No dia 14 de junho de 1923, por volta das três horas da tarde, Padre Luiz era recebido festivamente em São Gonçalo. À boca da noite, foi oferecido um jantar na casa de Severo Cordeiro dos Santos, contando com a presença das mais expressivas figuras da sociedade local. Após o jantar, Chico Cícero mandou a garota Maria Ramos, filha do Cap. Chico Ramos, entregar ao Padre a importância de quinhentos mil réis para as suas despesas. O Padre foi instalar-se em sua residência, a casa paroquial, localizada no centro da Vila, na atual Rua Severo Cordeiro dos Santos, na qual morou depois muitos anos, Totoinho Granja.

No dia 17 desse mês, perante o delegado do Bispo diocesano de Pesqueira, Pe. Luiz toma posse solene como Vigário de São Gonçalo. Assinaram também o termo de posse o Capitão Francisco Ramos e Francisco da Rosa Muniz.

No dia 23 de junho, Pe. Luiz fazia o primeiro batizado, como Vigário de São Gonçalo, da criança Elvira, nascida no dia 09.06.1923, filha de Francisco Veríssimo da Silva e Maria Josefa da Conceição. No dia 30 desse mês, era realizado o primeiro casamento celebrado por Pe. Luiz na sua nova paróquia. Casaram-se Antônio Joaquim do Nascimento e Ana Maria Conceição, ambos viúvos. 

Com a chegada de Pe. Luiz, os ofícios religiosos na capela de São Gonçalo passaram a ser realizados com regularidade: missa pela manhã, nos dias de semana, e, aos domingos, a missa das 7 e das 9; à noite, o terço, diariamente e as novenas dos santos mais festejados.

Pe. Luiz era alemão e veio ao Brasil no começo deste século, trazido por seu irmão Pe. José Kehrle, do clero da diocese de Pesqueira. Fez os seus estudos eclesiásticos em Pesqueira e Olinda, ordenando-se sacerdote, no dia 07 de dezembro de 1919. Foi designado vigário cooperador de seu irmão, na paróquia de Floresta dos Navios. Em princípios de 1923, o Pe. José Kehrle sofreu uma ofensa em Floresta. Alguém, insatisfeito ou desgostoso com o trabalho do Padre, soltou uma bomba caseira em seus pés. Pe. José mudou-se então para Vila Bela, levando também o seu irmão.

Quando Pe. Luiz chegou a São Gonçalo, trazia em sua companhia uma empregada de nome Maria. Acompanhou-o também o jovem Décio Rodrigues da Silva, que servia como sacristão, mister que desempenhou até o ano de 1944. Conta-se que a empregada fazia a arrumação da casa pegou em um rato morto, adquirindo a peste bubônica. Adoeceu e morreu logo depois.

Pe. Luiz, jovem, inteligente, determinado, dinâmico e operoso, logo conquistou a simpatia e a confiança de seus paroquianos. Integrou-se na comunidade e passou a exercer liderança. Sem perder a postura sacerdotal, não desprezou o sentido social de sua missão evangélica e fez um trabalho apostólico exemplar. Melhorou a pequena matriz, aparelhando-a com as alfaias e os vasos sagrados, necessários às celebrações dos atos religiosos. No ano de 1924, fez sua primeira viagem à Alemanha, onde conseguiu recursos para a execução de seu plano de trabalho, a construção de uma nova matriz e da casa paroquial. Em 25 de agosto, com grande festividade, na presença de várias autoridades, entre elas o Pe. Miguel Tavares, de Araripe (CE), que foi orador oficial da solenidade, lançou a pedra fundamental da nova matriz. No dia 30 de novembro desse ano, deu início à construção da casa paroquial, que estava pronta no fim de dezembro.

O plano de construção da matriz teve de ser adiado. É que, em 1926, chegou a São Gonçalo uma comitiva de autoridades de Ouricuri, à frente o Dr. Joaquim José de Caldas Rocha, Juiz de Direito, para traçar com os representantes locais a demarcação da antiga Fazenda São Gonçalo e dos valados da Serra do Araripe. Pe. Luiz ainda resistiu á medida, ponderando sua inoportunidade, em face da situação de pobreza dos são gonçalenses. Os representantes de Ouricuri não se sensibilizaram e procedeu-se então a demarcação. Coube ao patrimônio de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de fato da Paróquia, toda área onde está situada a Cidade, num total de 1.267.490 km2, com os títulos no valor de vinte e nove contos e oitocentos mil réis. Alguns moradores tiveram de vender seus bens, para pagamento das custas da demarcação. Pe. Luiz para não sacrificar mais ainda a população, adiou o seu plano de construção da matriz.

Em 1950, Pe. Luiz foi afetado por uma doença nas cordas vocais e ficou parcialmente privado da fala. Não podendo mais fazer seus sermões, com aquela voz forte e vigorosa de antigamente, deixou a Paróquia que dirigiu por quase 30 anos e retirou-se para a Ordem da Sagrada Família. Faleceu com a idade de 89 anos, na cidade de Patu (RN), em dezembro de 1984. 

4. - OS EMANCIPACIONISTAS. Na segunda década do século, havia uma espécie de conformismo com a situação política da Vila. Ninguém se interessava por qualquer melhoramento, não se reivindicavam melhores condições de vida. O ensino público não existia. A presença de desordeiros e de criminosos na região e na rua, nos dias de feira e festas, trazia a intranquilidade para a população. Não havia uma autoridade graduada, para dar combate a esses desordeiros, que encontravam refúgio seguro naquele sovaco de serra. A administração municipal não atuava nem para recolher os impostos. Totonho Cícero comprava os tributos da prefeitura de Ouricuri e recebia dos contribuintes, arcando com grande prejuízo. Qualquer caso de polícia, havia de ser resolvido em Ouricuri, para onde se devia se dirigir o interessado. Não havia um representante de São Gonçalo no Conselho Municipal, o que importava ficarem os são gonçalenses ausentes das decisões sobre os problemas locais.

Essa situação perdurou até a chegada de Chico Cícero, que lançou o movimento para a emancipação política da Vila. Teve apoio de Joaquim Modesto, do Major Quincó, de Severo Cordeiro dos Santos, do Cel. Antônio Modesto, de seu irmão Totonho Cícero. Pe. Luiz arejara a mentalidade dos chefes locais e todos se engajaram na campanha emancipacionista. O idealismo de Chico Cícero e sua experiência política em Ouricuri, a visão alargada de Pe. Luiz e a decisão dos demais sãogonçalenses, demandaram as transformações econômicas, política e social de São Gonçalo. Foram lançadas as bases para a conquista da autonomia da Vila.

NOTA 
(1) – Livro de Batizados da Paróquia de São Gonçalo, n.º 1, fls 40v.
(2) – Livro de Casamentos da Paróquia de São Gonçalo, n.º 1, fls 16 a 17v.
(3) - ARARIPINA (Um pouco de sua história), Gonçalo Pereira Lima, Mamografia (datilografada), 1977

Obs. – Outras informações foram colhidas do depoimento de Francisco da Rosa Muniz.

Recorte do Livro - Araripina -História, Fatos & Reminiscências 
De Francisco Muniz Arraes

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