O presidente hasteia bandeira branca e reúne a
imprensa, os empresários, o sistema financeiro e os políticos do Congresso
Nacional no salutar vale-tudo pela aprovação da reforma da Previdência

SINTONIA
FINA Bolsonaro acerta com Rodrigo Maia os detalhes de como será o
encaminhamento da reforma da Previdência na Câmara (Crédito: NELSON ALMEIDA)
Rudolfo Lago e Wilson Lima
Ao final do café da
manhã do presidente Jair Bolsonaro com um grupo de jornalistas na quarta-feira
13, o chefe do Gabinete Institucional da Presidência, general Augusto Heleno,
não escondia o regozijo. “Essas conversas são fundamentais”, comemorava o
general para um grupo de assessores militares que atua na área de comunicação
da Presidência da República.
“A maioria deles
não conhece o presidente. E acaba tendo uma visão equivocada sobre ele”,
comentava. Na verdade, a recíproca, não mencionada por Heleno, era também
verdadeira: o presidente não conhece a maioria dos jornalistas e, por isso,
cultiva uma visão equivocada a respeito deles e do trabalho da imprensa. Ao
incluí-los na roda de conversas, Bolsonaro ampliou o grupo de interlocutores.
“Estou buscando um casamento com vocês”, declarou o presidente adotando um tom
inédito desde a posse ou mesmo antes dela. Essas mesas de diálogos deverão se
tornar rotineiras daqui em diante, mas não se restringirão à imprensa, por
óbvio. Fazem parte da estratégia que o mandatário começa a compreender como
vital — longe da contenda ideológica travada via redes sociais — para
deslanchar a parte mais necessária e ao mesmo tempo mais espinhosa e intrincada
da agenda governamental: a reforma da Previdência.

ODAS
DE CONVERSAS Bolsonaro reuniu-se com
jornalistas no Planalto na quarta-feira 13: “Sem reforma, o Brasil quebra em
2022” (Crédito:Marcos Correa)
Para aprová-la, ele
propõe, à sua maneira, hastear uma bandeira branca. O primeiro grande
armistício mundial foi responsável por cessar a chamada Grande Guerra em 11 de
novembro de 1918. O armistício que Bolsonaro quer levar adiante, neste caso,
constitui o início de sua primeira guerra pessoal, a batalha pela reforma. Para
vencê-la, o presidente convoca ao debate não apenas os meios tradicionais de
comunicação, como também empresários, o sistema financeiro e os políticos do
Congresso Nacional. “Sabemos que a reforma da Previdência é salgada”,
reconheceu Bolsonaro na terça 13. “Mas nós temos um compromisso de tirar o país
da crise”, ponderou. O mantra que o presidente tem repetido como ladainha em
procissão é “a reforma da Previdência ou o caos”. “Já está claro que se a
reforma não for aprovada, o Brasil quebra em 2022”, diz ele. O vale-tudo, desta
vez saudável, por esse intento fundamental para disciplinar as contas do País
embute apelos para o “espírito patriótico” dos parlamentares e, é claro, à
velha e surrada liberação de emendas.

O
NEGOCIADOR O ministro Paulo Guedes faz o
meio de campo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o governador João
Doria (Crédito:SERGIO LIMA)
R$ 1
bilhão em emendas
Reside aí um estilo
Bolsonaro de governar. O presidente resiste, pelo menos por enquanto, a ceder
completamente às pressões do Congresso para a volta do “toma lá, dá cá” mais
descarado. Na conversa com os jornalistas, por exemplo, Bolsonaro comemorava a
estratégia adotada de liberar R$ 1 bilhão de emendas impositivas (obrigatórias)
ao orçamento. “Se as emendas eram impositivas, o governo tinha de liberar. Não
tem toma lá dá cá”. Foi um bom escape retórico. Na prática, será preciso saber
como e se irá funcionar. “O presidente pode usar esse argumento. Liberou
emendas impositivas, de forma não discricionária. Para governo e oposição.
Então, não se pode falar em contrapartida”, observa Leopoldo Vieira, analista
do IdealPolitiks. De fato, um dia depois da liberação, assistiu-se a uma reação
inusitada: sua base reclamava mesmo com a liberação do R$ 1 bilhão. Justamente
pela falta do “toma lá, dá cá” tradicional. A jogada explicitou o desejo de
quem quer retomar o balcão de negócios e mostrou de que lado da trincheira o
governo está: o da boa política. Irá funcionar? Só o tempo irá dizer, mas
trata-se de uma aposta louvável. A opinião pública, nesse round específico, está
inteiramente do lado do presidente.

CACHIMBO
DA PAZ Onyx Lorenzoni toma chimarrão
com deputados para convencê-los a embarcar na proposta enviada pelo governo
(Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)
Em conversas na
última semana, Bolsonaro reforçou que pretende manter o perfil técnico de seu
Ministério, sem ceder à pressão política por cargos. Se ele for capaz de manter
entre o distinto e respeitável público a ideia de que o achaque parte do
Congresso, ele pode vir a ter sucesso. Entre as duas Casas Legislativas, o
governo entende que a Câmara será o principal obstáculo. Pela natureza, em
geral, fisiológica do voto e perfil dos deputados. Em um Senado composto em
grande parte por ex-governadores, o presidente acredita que a tramitação será
mais fluida, uma vez que haveria uma percepção maior da necessidade da
aprovação. “No Senado, acho que vou ter votos até mesmo no PT”, aposta. “Se
todos jogarmos no mesmo time, o Brasil dá um salto”, prega Bolsonaro.
“Reforma
não pode ser desidratada”
O governo até
admite que mudanças acontecerão na proposta de reforma ao longo da sua
tramitação. Para não entregar os dedos antes mesmo dos anéis, ninguém no
Palácio do Planalto revela quais são os pontos passíveis de negociação. Mas
Bolsonaro faz questão de alertar a quem quiser ouvir: a reforma não pode ser
desidratada totalmente pelo Congresso, ou não terá os efeitos desejados. Foi o
que aconteceu com a proposta de Mauricio Macri na Argentina. Sem maioria no
Parlamento, Macri decidiu não aproveitar a onda de uma eleição histórica para
seu país, que acabou com 13 anos de kirchnerismo, para avançar com as
alterações na Previdência. Em dezembro de 2017, o Congresso argentino deu sinal
verde a um projeto de modificação parcial do sistema previdenciário que não
mexeu em questões fundamentais, entre elas a idade de aposentadoria para homens
e mulheres, que continua sendo de 65 e 60 anos, respectivamente. Deu no que
deu. O presidente Bolsonaro não quer incorrer no mesmo erro.

LARGADA Felipe Francischini, presidente da CCJ,
aperta a mão de Bia Kicis, aliada de primeira hora de Bolsonaro: na
quinta-feira 13 a bola da Previdência começou a rolar (Crédito: Fátima
Meira/Futura Press/Folhapress)
O ambiente político
parece jogar a favor. Existe um sentimento no Congresso que, após as primeiras
derrapadas do governo, aos poucos o presidente e sua equipe política começam a
entender como funciona o jogo político em Brasília. Como parte da tática para
tentar aglutinar forças junto aos partidos, o presidente escalou, em um
primeiro momento, o ministro Paulo Guedes, da Economia, e o secretário especial
para Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Os dois têm mantido conversas com
líderes partidários para tirar dúvidas e, também, receber pleitos tanto de
deputados e senadores. Na quarta-feira 13, Guedes participou de um almoço na
residência oficial da presidência da Câmara, em Brasília, promovido pelo
presidente da Casa, Rodrigo Maia. “A reforma é o primeiro passo para a
modernização do país”, afirmou o ministro aos presentes. Durante o encontro, o
ministro ouviu queixas da falta de empenho de governadores em favor da
aprovação da matéria. Ao que ele prometeu intensificar as articulações para
vencer as resistências. Ao fim foi elogiado por Maia. “O ministro Paulo Guedes
está indo muito bem, na Economia e na articulação política. Surpreendentemente
bem na articulação política”.

É
BRUTO, MAS É COM CARINHO Atuação
de Joice Hasselmann em favor da reforma surpreende aliados e oposição (Crédito:Fatima
Meira/Futura Press/Folhapress)
Numa outra ponta, a
líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), também tem mantido
uma linha de frente de diálogo com deputados, anotando queixas e reivindicações
dos parlamentares. Nos últimos dias, exerceu a função de ministra-chefe
informal da Casa Civil. Enquanto o titular da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni
(DEM), estava na Antártica, em missão especial visando obter informações sobre
o Programa Antártico Brasileiro, Joice despachava na sala do ministro, no
Palácio do Planalto. “A gente está bem confiante de que o governo vai conseguir
articular e convencer parlamentares e sociedade da importância da construção de
uma nova previdência para o Brasil”, afirmou o líder do governo na Câmara, o
deputado federal Major Vitor Hugo (PSL-GO).
Bateu
na trave
Apenas doses de
otimismo nunca foram suficientes – desde os tempos de FHC. É preciso bem mais
do que isso. A proposta de reforma da Previdência do governo Fernando Henrique
tinha tudo para ser aprovada, mas aportou no Congresso em 1995 e de lá saiu em
1998 desfigurada já na ‘porta de entrada’ da Câmara, como é conhecida a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Resultado: FHC não
conseguiu aprovar o texto que acalentava. Não estabeleceu nem mesmo a idade mínima
para a aposentadoria do INSS. Quando a emenda constitucional foi à votação no
plenário da Câmara, na noite de 6 de maio de 1998, FHC precisava de 308 votos.
Bateu na trave: conseguiu 307. Uma das abstenções foi de um deputado
governista. Antonio Kandir (PSDB-SP), ex-ministro do Planejamento, pretendia
votar a favor da reforma, e seu “sim” era o que restava para o governo alcançar
os 308 votos. Mas ele acionou o botão errado na hora de votar. E a reforma de
FHC terminou manca. Já Lula apresentou a sua reforma previdenciária em 2003.
Vários petistas contrários ao projeto foram expulsos do PT. Mesmo assim, as
pressões das corporações evitaram que o projeto fosse adiante da maneira como
ambicionava a equipe econômica e, mais uma vez, o texto final deixou a desejar.
Michel Temer tinha apoio, ambiente favorável, até vir o golpe fatal dos áudios
de Joesley Batista. O resto é história. Jair Bolsonaro, agora, pode marcar
época. Nunca desde a redemocratização do País o debate sobre a Previdência
esteve tão maduro. Jamais um governo teve tantas possibilidades de aprovar o
projeto. Que venha, pois, a urgente reforma.
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