Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que em
2015 quase abandonou a política, se tornou o grande fiador de reformas cruciais
para o País e de que maneira ele se articula nos bastidores para conseguir
aprovar as mudanças na Previdência ainda no primeiro semestre

ARTICULADOR Ao posar para
fotos em frente ao Congresso, Rodrigo Maia rechaçou o papel de
“primeiro-ministro”: “Não caio nessa”, disse. O jeitão modesto conquistou seus
pares, que o têm como bússola na discussão das reformas (Crédito: Wenderson
Araújo)
Sérgio Pardellas e Germano Oliveira
É a partir da
extensa mesa de jantar, defronte a telas a óleo do artista plástico lusitano
Fernando Lemos, e de quatro poltronas nas cores bege, acomodadas entre duas
cadeiras Barcelona pretas que, aos 48 anos, o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, impõe um novo ritmo à pauta de prioridades brasileiras. Nesse ambiente
bem peculiar da residência oficial, localizada na Península dos Ministros, o
chileno de alma carioca já reuniu ao menos 400 parlamentares desde 2016, quando
ascendeu ao comando do Parlamento pela primeira vez. Inicialmente, os grupos —
então mais restritos — se distinguiam entre a “turma da pizza” e o “time do
churrasco”. Hoje, os comensais são tantos e de matizes ideológicos tão diversos
que seria impossível classificá-los por preferências gastronômicas. Assim se
expressa o estilo Maia de negociar e buscar consensos em torno de uma agenda
para o País. Não à toa, ele é considerado agora peça fundamental no xadrez da
República, uma espécie de primeiro-ministro em pleno presidencialismo. “Nessa
pegadinha de primeiro-ministro, não caio”, alertou ele rechaçando a deferência,
enquanto posava para ISTOÉ em frente às duas torres do Congresso.
Rodrigo Maia
cobre-se de modéstia. Aprendeu com Tancredo que a esperteza, quando é muita,
engole o dono. Mas seu desafio não é nada modesto e reveste-se de doses
generosas de ousadia. Ele assumiu a responsabilidade de conduzir o País às
reformas. Para aprová-las, teve de virar um costureiro de entendimentos. Na
última semana, Maia foi quem pessoalmente articulou com cada líder do Centrão,
em sua casa, o acordo que garantiu a aprovação das alterações nas regras da
aposentadoria na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ). O triunfo
ocorreu no cair da noite da terça-feira 23: a CCJ emitiu sinal verde para a
admissibilidade do projeto por 48 votos a 18. Agora, começa a fase mais
difícil, quando o mérito da matéria será discutido na Comissão Especial da
Previdência.
À frente da Câmara,
o jovem Maia age como o spoudaios de Aristóteles: o homem maduro, aquele que,
por conhecer a profundidade da alma de seus governados, os inspira e torna-se
um líder autêntico. Na atual circunstância política, convém ao Executivo tê-lo
como aliado. “Sem Rodrigo Maia, a reforma da Previdência não anda”, reconheceu
à ISTOÉ o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Maia colocou o Executivo de
joelhos. Sem ele não tem nova Previdência. Consegue ser o principal apoiador e
o mais perigoso oposicionista do Planalto ao mesmo tempo”, alertou o líder do
governo no Senado, Major Olímpio (PSL-SP).

A
BENÇÃO Rodrigo Maia atuou fortemente
pela aprovação da reforma da Previdência na CCJ. Ao final, 48 a 18 votos pela
admissibilidade e reconhecimento público do presidente Jair Bolsonaro
(Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
Rodrigo Maia refuta
qualquer hipótese de pastorear os parlamentares para a trincheira oposta à do
governo neste momento. Apoiado no tripé “palavra, confiança e credibilidade”,
ele parece ter entendido o zeitgeist – expressão alemã usada para designar o
espírito do tempo. “Seria um suicídio político eu ir contra o que a sociedade
hoje, mesmo dividida, quer”, afirmou em entrevista à ISTOÉ. Por isso, como
regente de uma grande orquestra, ele quer todos afinadíssimos em favor das
mudanças na Previdência e de pautas destinadas a promover o desenvolvimento do
País. Ele crê, inclusive, na aprovação da reforma ainda no primeiro semestre.
Sua importância foi tanta para o encaminhamento na CCJ que acabou reconhecida
por Bolsonaro em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV na quarta-feira
24 e durante café com jornalistas no dia seguinte. “O presidente Rodrigo Maia
deu um exemplo para todos de entrega e abnegação. Ele nos surpreendeu
positivamente”. Maia não prescinde, no entanto, de cobrar novos gestos do
presidente da República. Desta vez, dirigidos aos parlamentares. “Defendo com
muita energia a necessidade das reformas, mas isso não suprime a
responsabilidade do presidente da República”, disse.
Para ele, Bolsonaro
precisa sinalizar ao Parlamento a ideia de atuação conjunta — como um governo
de concertação, aos moldes do que ocorreu no Chile (concertación), sua terra
natal, onde foi construído na década de 90 um amplo arco de alianças em torno
de agendas comuns. Só que neste caso de cores liberais, dentro do espectro de
centro-direita. “Ele (Bolsonaro) precisa explicar a narrativa. É necessário que
compreenda que o Parlamento governa junto com o Executivo em todas as grandes
democracias do mundo. Governar junto não significa fazer coisa errada”. Nem
toma lá, da cá. Nem fisiologismo, sublinha. “Toma lá, da cá é quando você não
constrói uma agenda política de princípios e sim de pautas onde você vota
comigo e eu te dou cargos. Quando você governa junto , não é fisiologismo. Tem
toda uma agenda que você pode dizer: quero fazer parte dela e apoiar o governo
desde o início”.

Lealdade
com Temer
Se a conversa for
embalada nesses termos, Maia promete lealdade, característica esta que ele
identifica no próprio Bolsonaro. A trajetória do atual presidente da Câmara é
pródiga em exemplos em que a fidelidade esteve acima de interesses mesquinhos.
O principal deles remete ao período mais agudo do governo de Michel Temer.
Quando o peemedebista parecia engolfado pelo escândalo JBS, Maia transformou-se
num porto seguro: “O senhor fique tranquilo. Não haverá nenhum movimento hostil
da Câmara”, afirmou Maia a Temer logo na primeira hora. “Ele conseguiu ser
muito equilibrado num momento crítico em que muitos queriam que ele
encaminhasse o afastamento de Temer”, lembrou Orlando Silva, do PC do B.
O pragmatismo corre
por entre as veias de Rodrigo Maia — uma herança do pai, ex-prefeito do Rio
Cesar Maia. Deve-se a essa característica à sobrevida política experimentada
pelo atual mandatário da Câmara. Em 2015, ele esteve a um passo de abandonar a
vida pública, na esteira da crise do DEM. Desprovido de perspectivas e voto,
ensaiou o baile da despedida. O jogo virou. Maia ressurgiu e dos escombros
ergueu três mandatos consecutivos na cadeira de presidente da Câmara. Hoje,
quatro anos depois, se é lícito afirmar que o País pode sucumbir caso não
aprove as reformas, não é nenhum exagero dizer que a sobrevivência do País
depende também dele.
Colaborou Rudolfo Lago
Blog do Paixão