Entre atitudes autoritárias e tolos gracejos,
Abraham Weintraub age como um predador do ensino no Brasil e aniquila uma das
principais bases do desenvolvimento e da democracia: a Educação

Antonio Carlos Prado
O ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez foi ruim. Se deixa
saudade é porque o atual, Abraham Weintraub, é pessimo. É a tal história do
“muito ajuda quem pouco atrapalha”. Vélez foi sinônimo de paralisia e
inoperância, não fez nada – fato que não lhe dá nenhum mérito, é tipo zero à
esquerda. Uma entrevista coletiva aqui, outra ali, lá vinha ele com um
portunhol digno de jogador colombiano contratado por algum dos nossos times de
futebol para disputar o “Brasileirão”.
Weintraub é diferente: ele faz demais, mas todas “as suas atitudes são
antidemocráticas e absurdas”, como afirmou a deputada federal Tabata Amaral. O
ministro Weintraub se move em um show de pirotecnia que oscila entre uma
política obscurantista e diversas brincadeiras sem a menor graça, sobretudo
porque envolvem a Educação, uma das principais bases do desenvolvimento
econômico e social de uma Nação e de sua consolidação democrática. Pode-se imaginar
que Weintraub goste de Weintraub (será mesmo?), mas a coisa para aí. No mais de
sua gestão, o ministro conseguiu a proeza de se indispôr com todos os Poderes
Republicanos. É como se ele, culturamente fraco, precisasse se nutrir desses
confrontos para tentar demonstrar que seu nome possui alguma relevância na área
em que atua – enfim, se ele pouco atrapalhasse, muito ajudaria.
Na semana passada, um bloco de ex-titulares da pasta que hoje ele comanda resolveu dar uma espécie de basta, em protesto conjunto, contra os devaneios de Weintraub. Dias antes, o próprio Congresso estabeleceu um prazo de dez dias para ele fornecer explicações sobre a medida autoritária de proibir – sem direito para tanto – que pais, alunos e professores promovam qualquer tipo de campanha, distribuição de panfletos ou protestos dentro dos câmpus. O Superior Tribunal de Justiça também quer satisfações sobre isso e o corte de verbas. Já o Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública na Justiça do Rio Grande do Norte pelo fato de o ministro ter demitido funcionários das faculdades e ter proposto que “se chamassem os centros acadêmicos e diretórios estudantis” para os serviços de limpeza.
O ministro já tirou a camisa para mostrar cicatrizes: tentou, assim,
justificar uma nota zero na faculdade de economia, uma vez que teve de ficar um
tempo afastado devido a um acidente (lamenta-se o acidente, critica-se o
espalhafato); levou chocolates (ao contá-los, errou) em aparição ao lado do
presidente Jair Bolsonaro, gracejando com a primeira tesourada na verba das
universidades; e, recentemente, dizendo-se vítima de um temporal de fake news,
posou de guarda-chuva, numa imitação grosseira de Gene Kelly no maravilhoso
clássico “Singin’in the rain”. A obra mostra o nascimento de um filme falado.
Com ou sem guarda-chuva, o ministro da Educação, no campo das ideias, vive no
anacronismo do cinema mudo. O guarda-chuva deu problema, é claro, porque
brincadeira tem hora: na semana passada, deputados federais do Rio de Janeiro
exigiram que o coordenador da bancada, Hugo Leal, “cobrasse imediata
retratação”, justamente porque, no seu “Cantando na chuva” muito particular,
Weintraub os culpou pela redução no montante de recursos destinados às obras de
restauração do Museu Histórico Nacional, destruído por incêndio no final do ano
passado. Na verdade, quem diminuiu os valores que seriam empregados na
recuperação do museu foi o próprio ministro.
Ricardo
Vélez foi ruim. Se deixa saudade é porque Abraham Weintraub é péssimo. É a tal
história: muito ajuda quem pouco atrapalha
Mais
bolsas cortadas

MÚSICA O ministro Weintraub toca gaita no coral do MEC: segundo ele, essa é uma
prova que sua família é cearense (Crédito:Divulgação)
Eis aí um confronto, mas há outros diversos. Antes de se entrar neles,
no entanto, vale observar que Abraham Weintraub carece urgentemente de que lhe
ensinem o uso do verbo haver quando se deseja empregá-lo com o sentido do verbo
existir. Escreveu o ministro nas redes sociais, referindo-se ao Museu Nacional:
“Haviam emendas parlamentares (…)”. Está errado, Weintraub, está completamente
errado. Senhor ministro da Educação, o certo é “havia emendas…”. Mas tudo bem,
deixe-se isso para lá, principalmente porque é público o fato de ele ter sido
um péssimo aluno nas fases do ensino em que se aprende essas coisas: a média de
suas notas ficava às vezes na casa dos dois e meio. O tempo passou e, na
matemática, ele já trocou 3% por 30%; na literatura rebatizou o escritor Franz
Kafka com o nome de uma iguaria árabe, chamando-o de “Franz Kafta”.
Pois bem, outros motivos, e muito graves, contrapõem Weintraub à Câmara
dos Deputados, ao Senado, a magistrados de tribunais superiores, a seus pares
de Esplanada dos Ministérios, ao Ministério Público Federal e a militares.
Incrível: até dentro de sua própria pasta o clima é carregado. Na quarta-feira
5, mais um diretor do Inep, órgão responsável pelo Enem, pediu exoneração:
Francisco Garonce, o terceiro que sai na gestão de Jair Bolsonaro. Mas vamos a
outras encrencas. No final de maio ocorreram manifestações estudantis em
protesto contra o corte de verbas, o sucaneamento de diferentes setores de
pesquisa e a ideologização doutrinária. Em resposta, o ministro mostrou o seu
autoritarismo. Arvorando-se à função legiferante, ele determinou que pais e
professores não estão autorizados “a divulgar e estimular protestos durante o
horário escolar (…) os servidores não podem deixar de desempenhar suas
atividades nas instituições de ensino para participarem” de movimentos
“políticos e partidários”. Não bastasse isso, na semana passada mais 2,7 mil
bolsas de pós-graduação foram podadas.

CÂMARA Na comissão da Educação, o ministro foi duramente criticado. Deu-se o
direito, em determinado momento, de ficar “magoado” e permanecer calado. Mas
ele terá de voltar para explicar “quem está coagindo quem” (Crédito:Will
Shutter)
Ministro
não corta ponto
Mais: Weintraub afirmou que “alunos estavam sendo coagidos, sob risco de
punição, a irem às passeatas”. Mais ainda: extrapolando a sua competência de
função, ele disse que funcionários que não seguissem tais regras poderiam ter
“o ponto cortado em caso de falta injustificada”. Vamos lá, Weintraub,
novamente o senhor está no breu, e isso em sua própria atividade: o senhor não
tem autoridade para cortar ponto de ninguém, sabia? Só quem pode cortar ponto é
o diretor da instituição de ensino. Diante de tantos absurdos e acusações sem
provas, o ministro terá agora de se explicar a representantes dos demais
Poderes da República, como de fato deve acontecer em uma democracia e no Estado
de Direito. No que tange ao Congresso, Weintraub está calejado. Já nele esteve,
convocado para dar satisfação sobre os sucessivos enxugamentos (o primeiro foi
de 30%) nos recursos do ensino. Na comissão da Câmara, viu-se duramente
criticado e teve de ouvir a deputada federal Tabata Amaral o acusar de não
entender absolulamente nada da área da Educação e atrapalhar o desenvolvimento
do País. No dia 22 de maio, novamente compareceu à comissão, e também novamente
se viu cercado de críticas. O deputado Ivan Valente disparou: “o senhor diz que
a prioridade é a educação básica, mas corta dessa área. Tem muito sofismo nas
suas falas”. O ministro cruzou os braços e emudeceu. Depois retrucou a Valente:
“o senhor já tem idade para entender o que eu estou falando”. Não convenceu nem
as paredes. Quanto ao Ministério Público Federal, além do disparate da “coação”
e de querer que alunos façam a limpeza das unidades, Weintraub precisa
responder ao ofício que pede esclarecimentos sobre o bloqueio de verbas para a
recuperação do Museu Nacional.

DISCURSO
FORTE Para a
deputada federal Tabata Amaral, o ministro Abraham Weintraub, com a sua
política de sucessivos cortes de recursos e disciplinas, impede o
desenvolvimento social e econômico do País (Crédito:Divulgação)
Falando com o semblante sisudo ou fazendo graça boba, o ministro, na
verdade, brinca com a área educacional – e, frise-se, é justamente ela o
coração do futuro do País. Weintraub deveria ler Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro
e Paulo Freire (esses livros não mordem não, ministro) para aprender a trabalhar.
Deveria ler, igualmente, o que deixaram escrito homens sérios, lúcidos e
democráticos como Armando de Salles Oliveira, Theodoro Ramos, Julio de Mesquita
Filho e Fernando de Azevedo, fundadores da Universidade de São Paulo (USP), em
1934, e defensores de uma excelente educação pública gratuita, universal e
laica – sonharam, todos eles, o sonho bom de preparar sucessivas gerações de
brasileiros, cultos e intelectualmente formados no liberalismo. No País de
hoje, entre jovens na faixa entre 15 e 17 anos de idade, estima-se que 1,5
milhão sequer se matriculem.
De todos os matriculados, não mais de 59% concluem o ensino médio no
prazo adequado. “A falta de conhecimento mata. A sensação que eu tenho é que
estamos na Guiana, na época de Jim Jones”, diz o ex-senador e professor
Cristovan Buarque, que na semana passada participou na USP do evento que reuniu
seis ex-ministros de Educação (Buarque se referiu ao líder da seita Templo dos
Povos, que, em 1978, induziu ao suicídio 918 integrantes do grupo). Além de
Cristovan Buarque (governo Lula), estiveram presentes José Goldemberg (governo
Fernando Collor), Murilo Hingel (gestão Itamar Franco), Fernando Haddad (Lula e
Dilma Rousseff), Aloisio Mercadante (Dilma) e Renato Janine Ribeiro (Dilma).
Foi elaborado um documento contra as restrições de recursos e perseguições
ideológicas promovidas por Weintraub. “Praticamente, o que se vê em todos os
atos do ministério é uma mistura de pauta ideológica com ignorância”, diz José
Goldemberg, ex-reitor da USP e um dos mais respeitados cientistas em todo o
mundo. Eis um trecho do documento: “(…) a Educação se tornou a grande promessa
da nacionalidade e da democracia. Com espanto vemos que, no atual governo, ela
é apresentada como ameaça”. Para que ex-ministros de tão diferentes matizes
ideológicos se unam, é porque a situação presente está verdadeiramente um caos.
“A
falta de conhecimento mata. O Ministério de Weintraub é o Jim Jones da Educação
no Brasil” Cristovan Buarque, ex-senador e professor

RIO
DE JANEIRO Manifestações cobraram mudanças
de rumo na Educação: a resposta do ministro foi cortar na semana passada mais
2,7 mil bolsas de pós-graduação (Crédito:Ellan Lustosa)
Fez-se acima uma indagação e, agora, tenta-se, aqui, respondê-la: será
que o ministro gosta mesmo de si? Será que seu método autoritário e predador
não tem uma pitada pessoal? Há de se admitir a hipótese de que suas atitudes
ditatoriais guardem origem em uma espécie de vingança. Jamais Weintraub
conseguiu se fazer um intelectual, basta olhar o seu currículo Lattes. Tem ele
somente quatro artigos publicados em periódicos que não primam pela alta
qualidade acadêmica. Mas quem é mestre em efeitos pirotécnicos não se aperta
não, o ministro encontrou a solução: Abraham Weintraub copiou… Abraham
Weintraub.
Assim, dos quatro artigos, um é plágio do outro, mudando-se somente os
títulos – alguns são escritos em inglês, outros, em português. Por exemplo: a
respeito de mecanismos de inflação, ele redigiu “A Bela Adormecida: 20 anos
depois do processo inflacionário”. Publicou. Aí traduziu o título para o inglês
e republicou: “Sleeping Beauty: 20 years later, inflation process is about to
rise again”.

DINHEIRO
DO MUSEU NACIONAL O deputado Hugo Leal pedirá uma
retratação de Weintraub pelo fato de ele ter dito que parlamentares do Rio de
Janeiro são culpados pela redução de verba para a reconstrução do Museu
Nacional (Crédito:Ag. Câmara)
Talvez por tudo isso o ministro seja como é, obscurantista e devastador
da Educação, fazendo com que o País, que há muito tempo acumula mazelas atrás
de mazelas, também nessa área se torne mais atrasado ainda. Ele quer a direita
empoderada no ensino, e isso até as carteiras escolares já descobriram. Na
verdade, toda ideologização é torta e perigosa, e onde manda a esquerda a
situação não é melhor. Na terça-feira 4, por exemplo, foram lembrados em todo o
mundo os 30 anos do bárbaro Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, no
qual o regime comunista da República Popular da China matou cerca de 30 mil
estudantes que reivindicavam não a queda do governo mas, entre outros pontos,
“verba para o ensino e o direito de irem ao cinema abraçados com as namoradas”.
Diante de uma fileira de tanques de guerra, ficou eternizada a imagem de um
franzino jovem chinês desarmado, postando-se na frente de um tanque e
impedindo-o de seguir em frente. Até hoje ninguém sabe quem foi esse herói
anônimo nem que fim ele levou. O fato é que o tanque estancou. O seu condutor,
com certeza, não era um ministro chinês criador de caso.
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