A divulgação de conversas privadas com procuradores da Lava Jato expõe o ministro da Justiça, Sergio Moro. Por ora, no entanto, há muita espuma em torno do caso e um desejo irrefreável de setores do judiciário de desmoralizar a Lava Jato e criar um ambiente favorável à soltura de Lula

HACKERS À SOLTA O procurador Deltan Dallagnol (à esq.) e o ex-juiz Sergio Moro (à dir.) tiveram o sigilo de conversas quebrado: por enquanto é o que há de ilegal (Crédito: FELIPE RAU)
Sérgio Pardellas / Isto É
Os diálogos
revelados, na última semana, pelo site The Intercept Brasil sacudiram a
República por envolverem o suprassumo da operação Lava Jato, em especial, o
ministro da Justiça, Sergio Moro – ex-juiz até então acima de qualquer suspeita
e elevado à condição de herói nacional depois de mandar para a cadeia
empresários e políticos poderosos. A reportagem, no entanto, deixa uma série de
fios desencapados expostos. A origem do material, obtido provavelmente de forma
ilícita, a maneira como foi divulgado e por quem – um jornalista que jamais
escondeu ser partidário da causa lulista – abrem margem para dúvidas. Divulgada
a íntegra, observou-se que algumas trocas de mensagens foram
descontextualizadas na edição. Ainda há, portanto, uma nuvem de mistérios e contradições
a pairar sobre o caso ao qual se pretende dar ares de escândalo. Algo, no
entanto, já é possível depreender das conversas até agora reveladas: como a
figura mitológica Antígona que enterrou o irmão à revelia do rei, o ex-juiz
Sergio Moro parece ter admitido, movido pelo dever, flexibilizar os limites das
normas que regem o convívio dos magistrados com os procuradores. Aparentemente,
o juiz entendeu que, para desmantelar quadrilhas, enjaular empreiteiros e
apanhar os mais altos hierarcas do País, não bastaria agir candidamente, sob
pena de perder a batalha para criminosos donos de conhecidos tentáculos no
Judiciário, Executivo e Legislativo. A julgar pelos efusivos aplausos recebidos
pelo magistrado durante o jogo do Flamengo, em Brasília, na quarta-feira 12, a
sociedade nutre semelhante compreensão. Por isso, ao fim e ao cabo, fatalmente
Sergio Moro tende a ser absolvido no tribunal do povo. Ocorre que o desenlace
do rumoroso episódio não constituirá um referendo popular. E essa é a nossa
tragédia grega: é possível condenar um juiz que pode ter colocado a ética da
convicção acima da ética da responsabilidade, de que falava o sociólogo Max
Weber, na hora de enviar para trás das grades corruptos – muitas vezes
confessos – flagrados no maior assalto aos cofres públicos da história recente
do Brasil? Uma coisa é certa: existe um desejo incontido de setores do
Judiciário para anular os processos da Lava Jato. Os que sempre acalentaram o
sonho de desmoralizar a operação, mas receavam virar alvo de críticas, agora
rasgaram de vez a fantasia. A campanha está aberta.

CHAMA O VAR Em meio à polêmica dos vazamentos, Bolsonaro e Moro foram ao jogo do Flamengo, na quarta-feira 12, em Brasília: aplausos da torcida (Crédito:DIDA SAMPAIO)
Será preciso mais
do que mera vontade para desacreditá-la. Os diálogos revelados até agora não
evidenciam crime ou ilegalidade de fato. Não há plantações de provas, nem
desrespeito ao devido processo legal. As conversas sugerem que Moro instruía
procuradores da Lava Jato. Mostram uma proximidade na relação com integrantes
do Ministério Público Federal por meio da qual o julgador não só orientava como
cooperava com o acusador. Em trechos dos diálogos, Moro aconselhou o procurador
que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas
operações, deu conselhos e pistas informais. “Talvez fosse o caso de inverter a
ordem das duas planejadas”, sugeriu Moro a Deltan Dallagnol, falando sobre fases
da investigação. “Não é muito tempo sem operação?”, questionou o atual ministro
da Justiça, após um mês sem que a força-tarefa fosse às ruas. “Não pode cometer
esse tipo de erro agora”, repreendeu, se referindo ao que considerou uma falha
da Polícia Federal. Em outra conversa, Dallagnol relata a Moro que o ministro
do STF Luiz Fux garantiu que a Lava Jato poderia contar com ele. Ao que o
ex-juiz respondeu: “In Fux we trust”. Trata-se de um desvio ético capaz de
fazer com que Moro perca a presunção da infalibilidade? Decerto. Não se
verifica, porém, antecipação do juízo de mérito de processos pelo juiz. Também
não são tratadas questões relativas à culpa de acusados. Ademais, nada do que
fora divulgado é muito diferente do que acontece nos corredores e gabinetes do
poder Judiciário, não raro à luz do sol. Como bem lembrou a deputada estadual
Janaína Paschoal “em um país em que parentes de ministros advogam nos tribunais
superiores, a nata da advocacia criminal faz jantar em homenagem ao presidente
da Corte que julgará suas causas, em que o magistrado da causa oferece festa de
aniversário para a parte e um ex-ministro de Estado se refere a um ministro do
STF (Gilmar Mendes) como “nosso advogado” e ninguém se considera suspeito,
parece piada querer fazer um carnaval por causa de três frases em um grupo de
whatsapp”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez coro: “O vazamento de
mensagens entre juiz e promotor da Lava-Jato mais parece tempestade em copo
d’água”, disse. A maioria dos juristas segue a mesma linha. Entende que a
proximidade entre procuradores e juízes é normal no Brasil — ainda que possa
ser considerado imoral e viole o código de ética dos magistrados.
Os
diálogos
O site Intercept
Brasil publicou, no domingo 9, uma série de diálogos entre integrantes da
força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná com o então juiz Sergio
Moro. Neles, o atual ministro da Justiça aparece orientando o trabalho dos
procuradores em investigações:

Caiu
no Fla-Flu político
Há farta hipocrisia
– e, sobretudo, muita torcida, típica do apaixonado Fla-Flu político dos nossos
tempos – a embalar as análises do caso. É uma quimera achar que o episódio irá
mudar as maneiras como se dão as relações na República. Teríamos de implodi-la
ou promover o regresso a 1889, quando, segundo Monteiro Lobato, o povo chorou
envergonhado pelo que perdera. “Tinha parlamento. Tem antessalas de fâmulos.
Tinha justiça. Tem cambalachos de toga”. O ministro do STF, Luis Roberto
Barroso, um dos que em geral costumam honrar a vestimenta, alertou que é
preciso cuidado para o crime não compensar. “Tenho dificuldade de entender um
pouco essa euforia que há em torno disso. A corrupção existiu. Todo mundo sabe,
no caso da Lava-Jato, que as diretorias da Petrobras foram loteadas entre
partidos com metas percentuais de desvios. Isso é um fato demonstrado, tem
confissão, devolução de dinheiro…”.
Ataques
à Lava Jato
O brasileiro
costuma ter memória curta, mas não se pode apagar da lembrança que a Lava Jato,
apesar de ter promovido a maior depuração moral dos últimos tempos, em cinco
anos de existência viveu sob ataque constante por ter investigado, processado e
punido aqueles que sempre se consideraram intocáveis. Tentou-se, inclusive,
proibir por lei delações premiadas de presos, ao arrepio do princípio
constitucional. Não é de se espantar, portanto, que para anular a operação
queiram dar aura de ilegalidade a algo que não se revelou, até agora, fora da
lei. A rigor, ilegais, foram a violação das conversas entre o então juiz e os
procuradores. Não por acaso é justamente sobre esse aspecto que Sergio Moro se
atém: “O fato relevante é a invasão por um grupo criminoso de celulares de
magistrados, procuradores e jornalistas, com a posterior divulgação indevida”,
afirmou Moro na semana passada à ISTOÉ.

Considerando o caráter sigiloso da comunicação entre autoridades públicas, a
pena para casos dessa natureza é de reclusão de seis meses a dois anos. O crime
é de ação penal pública. “A corrupção sofre um verdadeiro golpe depois de
décadas. Tais mensagens só poderiam ser obtidas licitamente por força de
decisão judicial em inquérito ou processo criminal, tendo em vista a proteção
da intimidade e da inviolabilidade das comunicações, em consonância com a
interpretação sistemática do disposto em vários diplomas legais, a começar pela
Constituição Federal”, afirmou Modesto Carvalhosa. Ou seja, o hackeamento de
celulares é crime gravíssimo que expõe a todos e viola direitos básicos do
cidadão. Para a Polícia Federal, houve “ataque orquestrado”. Conforme ISTOÉ apurou
junto à PF, provavelmente Deltan Dallagnol foi vítima de uma técnica maliciosa
chamada phishing, no momento em que ele atendeu ao telefone em uma ligação
advinda de seu próprio número. A partir disso, os hackers teriam conseguido
clonar o celular do procurador e invadir o aplicativo Telegram. A situação não
é inédita. Agentes da PF admitiram que integrantes da Lava Jato no Rio de
Janeiro e Paraná já haviam sofrido tentativas de invasões no ano passado. A
própria juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro num dos processos de Lula,
teve o telefone hackeado. A mando de quem? Com que interesse?

E
AGORA? O
ministro Sergio Moro mostrou-se apreensivo: não haverá implicações jurídicas,
mas futuro político pode ser comprometido (Crédito:Jorge William / Agência O
Globo)
Sob essa nova
atmosfera, o STF vai julgar no dia 25 um pedido de suspeição do ex-juiz Sergio
Moro feito pela defesa do ex-presidente. O pedido havia sido rejeitado em
diversas instâncias da Justiça. As conversas reveladas pelo site Intercept,
mesmo não fazendo parte da ação julgada, certamente pesarão sobre a decisão dos
ministros. A dúvida é se o presidente do tribunal, Dias Toffoli, e o ministro
Alexandre de Moraes toparão julgar com base em provas recolhidas ilegalmente,
uma vez que eles próprios são os idealizadores de uma ação do Supremo contra a atuação
de hackers nas redes sociais. O artigo 5.º da Constituição é cristalino: “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Outros
setores do STF e advogados de defesa de Lula se assanham. O ministro Ricardo
Lewandowski já antecipou o entendimento pela suspensão de todas as penas
aplicadas pelo TRF-4, além de admitir uma espécie de habeas corpus coletivo.
Imagina a festa. Os advogados do ex-presidente foram ao êxtase, sem remédio.
Correram para encontrar o petista na cadeia. A eles, Lula teria revelado
surpresa com o grau de “promiscuidade” que marcava o relacionamento do seu
julgador com o chefe dos acusadores da Lava Jato. Logo o petista que pintou e
bordou no submundo do poder, com o beneplácito de ministros companheiros, para
obter vantagens para si e para os seus. Para o lamento do ex-presidente, não há
nas manifestações do ex-juiz e do procurador material capaz de transformar
culpados em inocentes.
A decisão do
Conselho Nacional de Justiça de não seguir em frente com um pedido de
investigação sobre Moro, sob o argumento de que ele não é mais juiz, afasta
qualquer possibilidade de punição na esfera jurídica. O mesmo não se pode dizer
das conseqüências políticas. O Congresso fala em CPI e obstrução de pauta. O
Senado desengavetou o projeto de abuso de autoridade. Reservadamente, o meio
jurídico avalia como pule de 10 que a pretensão do ministro de conquistar um
assento no Supremo restou prejudicada. “Sergio Moro está morto”, comemorou na
última semana, segundo apurou ISTOÉ, o comissariado petista. Convém cuidado com
o vaticínio, sobretudo se o próprio ex-juiz concordar com ele. Foi o que
escritor russo Aleksandr Soljenítsin (1918-2008) disse para si mesmo – de
acordo com o primeiro volume de “Arquipélago Gulag” –, quando apanhado em 1945
pela polícia secreta soviética. “A partir de agora, sou um homem morto”. Ao
pensar assim, na verdade, um homem está salvo e mais vivo do que nunca – pois
não há nada mais a perder ou temer. Depois de lutar solitária e bravamente
contra o portentoso império, Soljenítsin conquistou o Nobel em 1970 e acabou
aclamado como um dos maiores literatos do nosso tempo.
Colaborou Wilson Lima


O
jornalista Glenn Greenwald diz que, apesar das ameaças, ele e sua família não
vão deixar o Brasil – GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/Arquivos
“Moro
pode ter violado regras éticas”
Por André Vargas
Fundador e um dos
editores do site The Intercept Brasil, o americano Glenn Greenwald (52) é
ganhador do prêmio Pulitzer de 2014 pela revelação do programa secreto de
vigilância eletrônica global dos EUA. Ele explicou o que levou sua equipe a
publicar as conversas. Também ouvimos Leandro Demori, editor executivo do site
e o outro responsável pelo que já é conhecido como o Escândalo Vaza Jato.
Moro
e os procuradores federais cometeram crimes?
Não dissemos que o
juiz nem os procuradores cometeram crimes. Nossas reportagens até agora
mostraram que Moro pode ter violado regras éticas claras ao interagir com eles
nos casos em que parecia julgar de forma neutra. Ele e Deltan Dallagnol, ao
afirmarem que não havia um ambiente de colaboração mútua, não estavam sendo
verdadeiros. Deltan e outros procuradores da Lava Jato também afirmaram
apartidarismo, mas entre eles, queriam que o PT perdesse a eleição e estavam
dispostos a tomar medidas para tanto. A força-tarefa tinha sérias dúvidas sobre
o caso contra Lula, enquanto diziam ao público que as evidências de sua culpa
eram inegáveis.
A
revelação parcial das conversas não indicaria direcionamento?
Se publicássemos
tudo, seríamos acusados de irresponsabilidade e de invasão de privacidade. Se
publicássemos apenas as exceções, diriam que tiramos o material do contexto.
Selecionamos trechos contextualizados e nada distorcidos.
A
Lava Jato deveria ser revista?
Acreditamos que
expor irregularidades e impropriedades de procuradores e juízes não enfraquece,
mas fortalece a luta contra a corrupção.
O
Intercept Brasil está preparado para uma guerra jurídica?
Temos uma equipe de
excelentes advogados no Brasil e nos EUA, mas não esperamos que nenhuma guerra
jurídica, já que a lei e a Constituição são claras. Garantem uma imprensa livre
e o direito de reportar e revelar assuntos de interesse público sem a
interferência do governo, que é o que estamos fazendo.
Vocês
podem ter equipamentos e dispositivos apreendidos. O sigilo do denunciante está
garantido?
Temos especialistas
em segurança digital e assumimos nossa responsabilidade de proteger nossas
fontes com muita seriedade. Deixamos claro, como qualquer meio de comunicação
deve, que nenhuma fonte pode ter garantia de proteção absoluta. Quem fornece
documentos secretos de interesse público está sempre assumindo algum risco. Mas
nós tomamos todas as medidas possíveis para cumprir nossa obrigação.

Divulgação
“O
público merece saber”
Se houver alguma
represália legal contra o site The Intercept Brasil, quem assumirá a briga é
Leandro Demori, seu editor executivo. Ele acredita que fez o certo
O
que polui parte da denúncia é o debate sobre o posicionamento ideológico do
site. Como vocês lidam com a questão?
Não temos problema
nenhum com isso. O site vê o mundo a partir de uma posição política. Não
acreditamos em isenção jornalística e neutralidade absoluta. A diferença entre
nós e a imprensa corporativa, que se diz neutra, é que reconhecemos que não
somos. O Intercept Brasil é um site progressista, sim. Tendemos a botar os
poderosos na linha não tememos publicar matérias sobre as relações entre poder
público e a iniciativa privada. Jamais nos escondemos atrás de uma suposta
neutralidade.
Como
foi a discussão sobre a publicação do material?
Foi simples.
Qualquer veículo que recebesse o que nós recebemos e não publicasse após
análise não estaria fazendo jornalismo. O conteúdo é exclusivo e de interesse
público, podendo mudar a história do País. Por isso, o público merece saber
como atuou a maior operação anticorrupção do Brasil.
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