
CAUSO II
Morava no Hotel Verde, onde se hospedavam as autoridades locais, delegado, juiz, promotor, coletor e as professoras de fora. Bastinho de Bodocó, vinha toda semana passar o filme em Araripina e se hospedava lá em casa. Eu era doido para ver um filme, mas não conseguia o dinheiro da entrada. A condição de filho do dono do hotel não sensibilizava Bastinho. Mário Alencar me ensinou o truque de entrar no cinema de graça. Na semana que foi passar o filme, que nós chamávamos de “Carlito” na Rua dos Milagres, pus em prática a manobra.
A projeção era feita no armazém de Joaquim Modesto, a uns 30 metros de lá de casa. Cada um levava sua cadeira e o filme só começava quando o salão enchia, geralmente às 7 e meia da noite.
Fui cubar o movimento na calçada do armazém. Vi que o porteiro era um rapaz desconhecido. Mais que depressa, corri em casa e apanhei uma cadeira que estava na calçada. Ao porteiro, disse que a cadeira era de Seu Nascimento, o Coletor. Ele me permitiu a entrada, mas advertindo de que devia sair logo. Minhas pernas tremeram. Olhei para trás e, sorte minha, Bastinho substituía o porteiro. Coloquei a cadeira em um lugar qualquer e pedi que alguém tomasse conta. Mais que depressa, voltei à portaria e pedi um bilhete a Bastinho. Alegando que ia em casa beber água. Com o bilhete na mão, corri em disparada para o hotel. Meu coração parecia um britador. – Que carreira é essa, menino? Repreendeu meu pai. Sem qualquer propósito, disse-lhe que Jorge Modesto havia pago a minha entrada no cinema. De volta, era o porteiro quem recebi as entradas. Entreguei-lhe o bilhete e entrei legalmente no cinema. Perguntem-me a história do filme, que não sei contar. Não tinha condições de prestar atenção ao filme.
Passei muito tempo sem poder encarar Bastinho e Seu Nascimento. De medo e de vergonha. Foi assim que assisti a primeira fita de cinema.
Do Livro - Araripina, História, Fatos & Reminiscências
Blog do Paixão