
Escândalo na
Paraíba V
O
pedágio dos juízes do Rio
Uma das conversas entregues pelo delator
Daniel Gomes aos investigadores é com um de seus parceiros de negócio, Maurício
Neves. Em 44 minutos, os dois falam sobre a preocupação com a delação do
operador Jorge Luz, alvo da Lava Jato por sua atuação na Petrobras, e sobre o
novo trabalho de Neves, como perito judicial em processos no Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro.
Em tom de reclamação, Neves diz ser um
trabalho “bem legal”, mas que não dá “fluxo seguro”. Depois de expor o
descontentamento, em tom mais baixo, ele conta ao lobista o que costumava fazer
para que um juiz carioca o nomeasse perito nos processos: “O juiz me cobra 50%
de pedágio”.
“O juiz?”, indaga o lobista. “É. Uma irmã
dele que negocia comigo”, explica.
Na sequência, o perito diz que, no começo,
resistiu à parceria, mas acabou cedendo. “Eu relutei, relutei. Mas falei, vou
entrar e criar uma dependência menor. Eu entrei e estou pagando 50%. Em seis
meses, o cara me deu 40 casos. Mas nem todos depositaram a verba. Tem caso de
160 mil”, diz.
A
relação com os alvos da Lava Jato
Como quase tudo na crônica
político-policial brasileira, o esquema paraibano se entrelaça com outros,
inclusive com o petrolão. O lobista Daniel Gomes conta que era próximo de
figuras proeminentes colhidas pela Lava Jato. Fala, por exemplo, de sua relação
com Jorge Luz, operador do MDB na Petrobras, com o ex-deputado federal petista
Cândido Vacarezza e com Leonardo Picciani, ex-ministro do governo de Michel
Temer. Gomes conta que os três o ajudaram a conquistar contratos na Secretaria
de Saúde do Rio, então comandada por Sérgio Côrtes, homem de confiança de
Sérgio Cabral. O delator chegou a entregar gravações de conversas com Jorge Luz
e com outras pessoas próximas a ele.
Em algumas, os interlocutores se mostram
preocupados com a possibilidade de o operador do MDB, que havia caído em
desgraça na Lava Jato, fechar um acordo de delação premiada com os procuradores
de Curitiba. Não imaginavam que, em pouco tempo – e, ironicamente, pelas mãos
do aliado a quem manifestavam a preocupação –, estariam metidos em outra
rumorosa investigação. Os cofres públicos agradecem.
Escândalo na
Paraíba IV
Doações de banco e empresa em troca de benefícios
O ex-deputado Ivan Burity reservou um dos
capítulos de sua delação para narrar uma ordem que ele diz ter recebido de
Ricardo Coutinho na campanha eleitoral de 2014. O socialista era candidato à
reeleição. O Bradesco e a Alpargatas, dona da Havaianas, haviam feito doações
para o tucano Cássio Cunha Lima, adversário de Coutinho na disputa.
Descontente, o então governador ordenou que
Burity e a então secretária de Administração da Paraíba, Livânia Farias,
viajassem a São Paulo, para também pedir doações às duas empresas. A ordem, diz
o delator, era “ir pra cima” e conseguir 3 ou 4 milhões de reais. Deu certo.
Burity conta que o Bradesco e a Alpargatas concordaram em dar o dinheiro,
oficialmente, mas as doações foram condicionadas a benefícios no governo de
Coutinho.
Diz ele: “Os benefícios do Bradesco estavam
relacionados ao processamento e operacionalização dos créditos consignados
tomados pelos servidores públicos estatais ao passo que Alpargatas tinha
benefícios fiscais”. Teria funcionado. O delator conta que a doação estreitou a
relação do banco com o grupo de Coutinho. “Fato relevante: A partir deste
evento a relação com Ricardo Coutinho e seu governo se estreitou com o Bradesco
de tal forma que não só os consignados foram mantidos, mas também a folha de
pagamento do estado migrou do Banco do Brasil ao Bradesco, tudo intermediado
pela Livânia, que era secretária de administração”, contou ele. [...] Continua
na próxima reportagem.
Escândalo na
Paraíba III
O dinheiro para a campanha
Embora tenha se desenrolado na Paraíba, a
Operação Calvário teve início com informações compartilhas com os promotores
paraibanos pelo MP fluminense, onde o grupo de Daniel Gomes também atuava. O
lobista conta que, por causa de sua atuação em terras fluminenses, foi
procurado por Robson dos Santos França, ex-assessor do senador Arolde Oliveira,
do PSD, que lhe pediu dinheiro para a campanha de Wilson Witzel. O então
candidato a governador era apoiado por Arolde de Oliveira, integrante da
bancada evangélica que disputava uma vaga no Senado.
O pedido, diz Daniel Gomes, foi feito logo
após o primeiro turno das eleições de 2018 (leia o relato). “Solicitou ajuda
financeira para campanha, afirmando que Witzel tinha crescido muito nas
pesquisas e que, se ele ganhasse a eleição, a ajuda financeira me abriria
portas junto ao governo do estado”, afirma o delator. Ele diz que os 115 mil
reais foram repassados, em parcelas, com a ajuda de sua secretária, Michele
Louzada.
Depois de também assinar um acordo de
colaboração, ela detalhou os quatro encontros com o assessor de Arolde de
Oliveira em shoppings do Rio. Daniel Gomes também entregou as conversas de
WhatsApp nas quais combinou as entregas com Robson França em que os repasses
são agendados. A Crusoé, em nota, a assessoria de Witzel afirmou que Robson
Santos não trabalhou na campanha e que todas as informações sobre doações foram
prestadas à Justiça Eleitoral. “A campanha de Wilson Witzel não teve caixa dois
e o governador condena tais práticas”, diz o texto. [...] Continua na próxima
reportagem.
Escândalo na
Paraíba II
O operador jurídico
Segundo documentos anexados à investigação,
Gilberto Carneiro, o ex-procurador-geral do estado da Paraíba que é apontado
pelos promotores como responsável por fazer a “ponte” entre o grupo liderado
por Ricardo Coutinho e órgãos de controle e o Judiciário, exercia influência
sobre diferentes áreas, em “todos os assuntos, inclusive, na escolha de membros
do TCE, MP e até do TJ-PB (Tribunal de Justiça da Paraíba) com o aval do
ex-governador Ricardo Coutinho”.
Durante o período em que representou os
interesses de organizações sociais contratadas para atuar nas áreas de saúde e
educação, o delator Daniel Gomes gravou as conversas com autoridades para as
quais costumava destinar propinas. Carneiro, a “ponte” com o Judiciário, e o
próprio Ricardo Coutinho chegaram a ser gravados. É justamente em uma dessas
gravações que Gomes menciona a tentativa de Coutinho de se aproximar da filha
do ministro Luiz Fux quando seu mandato estava sob risco no TSE.
O processo na corte também é assunto da
delação do ex-deputado federal Ivan Burity, que em um dos capítulos trata da
entrega de dinheiro, às vésperas do julgamento, para um advogado carioca. Leia
aqui o anexo, intitulado “Pagamento de 400 mil a um advogado do Rio, enviado
por Gilberto referente à decisão TSE sobre Ricardo Coutinho”. O delator não
informa o nome do advogado, mas há os dois locais onde ocorreram as entregas: o
hotel Windsor Califórnia e o restaurante La Maison, em Copacabana. [...]
Continua na próxima reportagem.
Escândalo na
Paraíba I
Revista Crusoé
Assim como a Lava Jato, a Operação
Calvário, do Ministério Público da Paraíba, batizou sua sétima fase de Juízo
Final. Ao prender o ex-governador Ricardo Coutinho, do PSB, às vésperas do
Natal, a investigação descortinou o funcionamento de um esquema azeitado de
corrupção que, dizem os investigadores, era comandado pelo socialista e tinha
tentáculos que alcançavam o Tribunal de Contas do estado, o Judiciário, o
Ministério Público e a Assembleia Legislativa. “Estamos diante de uma
verdadeira captura do poder público estadual por um grupo criminoso forte e
articulado, na medida em que as ações desenvolvidas por seus integrantes foram
orquestradas para, uma vez dentro da estrutura política e administrativa do
estado, valer-se de todo tipo de vantagens indevidas em detrimento da máquina
administrativa e da população”, cravaram os promotores do Grupo de Atuação de
Combate ao Crime Organizado.
Ao longo de mais de um ano de investigação,
as sete fases da Calvário resultaram em uma corrida dos integrantes da
organização criminosa por acordos de colaboração. As revelações dos delatores
impulsionaram o trabalho dos promotores e lançaram luz sobre negociatas
diversas entre políticos, operadores financeiros, empresários, advogados e
outros personagens. Os desvios somam centenas de milhões de reais — dinheiro
que deveria ser aplicado, por exemplo, na saúde e na educação.
O esquema, assim como ocorreu com aqueles
que dominaram a cena política nacional nos últimos anos, tinha por objetivo a
perpetuação do grupo de Coutinho no poder. Sua complexidade, os valores
envolvidos e as ramificações por diferentes setores da máquina tornam o
ex-governador uma espécie de Sérgio Cabral paraibano.
A revista Crusoé teve acesso à íntegra do
material amealhado pelos promotores. São quebras de sigilos bancário, fiscal e
telefônico, gravações ambientais, organogramas e relatórios que esmiúçam o
funcionamento da máquina de corrupção a serviço do socialista. O material
entregue por um dos colaboradores, o lobista Daniel Gomes, ligado à Cruz
Vermelha Brasileira, estende as suspeitas a magistrados de outras partes do
país. Ele gravou conversas com o ex-procurador-geral da Paraíba, o advogado
Gilberto Carneiro, apontado como a “ponte” de Ricardo Coutinho com o
Judiciário.
Em uma das gravações, que o MP deixou de
fora do acordo por entender que faltavam provas de corroboração, o delator
menciona o suposto contato de Carneiro com advogados próximos à desembargadora
Marianna Fux, filha do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. A
tentativa de aproximação teria ocorrido porque o governador buscava ajuda no
TSE, o Tribunal Superior Eleitoral, onde enfrentava um processo de cassação por
abuso de poder político em sua campanha à reeleição, em 2014. Fux era
presidente da corte àquela altura.
Outro delator da operação, o ex-deputado
Ivan Burity relata que Coutinho pagou 400 mil reais a um advogado do Rio de
Janeiro em seu esforço para obter uma decisão favorável no TSE – o processo
contra Coutinho acabou arquivado por 6 votos a 1.
Há mais elementos sobre os tribunais. É o
caso de uma gravação em que um perito judicial carioca diz pagar 50% de pedágio
a pelo menos um juiz, com o objetivo de ser indicado para realizar laudos em
processos. Investigadores do Rio, por sinal, devem receber em breve uma parte
do material coletado pelos promotores paraibanos por haver menções pouco
edificantes a autoridades importantes do estado, incluindo o atual governador,
Wilson Witzel.
Daniel Gomes, o lobista que virou delator,
afirma ter destinado 115 mil reais à campanha de Witzel em 2018. À época, Gomes
também tinha contratos no Rio. O pedido de ajuda à campanha de Witzel, diz ele,
partiu de um assessor do hoje senador Arolde de Oliveira. Crusoé obteve as
conversas de WhatsApp entregues por Daniel Gomes para provar o repasse e aos
depoimentos da secretária dele, que também virou delatora e contou como fez as
entregas do dinheiro. Conheça, a seguir, uma parte do material. [...] Continua
na próxima reportagem.
Blog do Paixão