O ambiente que cercava João Câncio – dentro e fora da Igreja Católica – e o momento em que esse filho de Petrolina fez a opção pelo sacerdócio contribuíram decisivamente para que ele entrasse na política partidária (depois de deixar a batina) tendo, por isso, uma vida das mais atribuladas, comprometendo inclusive a sua saúde. Para justificar o seu posicionamento de sacerdote de linha progressista, basta lembrar que o seu relacionamento político e ideológico mais acentuado se dava sempre com pessoas com origens peculiares, a exemplo do sertanejo e colega de batina Padre Mansueto de Lavor, também com raízes fincadas na Serrita de coronel Chico Romão.
E Serrita, graças ao destino, foi paróquia onde João Câncio iniciou o exercício do Ministério Saverdotal, que cresceu com a sua visão voltada para os humildes vaqueiros do Sertão pernambucano, uma categoria “sem eira nem beira” e que continua ameaçada de extinção.
Dia 14 de novembro de 1978, véspera de eleição para deputados estadual e federal e senador, recebi a missão de visitar João Câncio em Sítio dos Moreiras (hoje Moreilândia), a pedido de Mansueto de Lavor, que tinha todas as suas esperanças voltadas para o dia seguinte, que marcaria definitivamente seu ingresso na vida pública como primeiro deputado estadual eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) do Dr. Ulisses Guimarães, para representar o Sertão na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Saí de Petrolina, no final da tarde no fusca emprestado pela irmã Carmem, do Convento dos Carmelitas, no Recife, para a campanha de Mansueto, que dispunha apenas de um corcel velho.
Fui levar material de propaganda para João Câncio organizar a “boca da urna”, e uns trocados (nem me lembro quanto) para comprar o lanche dos militantes de Sítio dos Moreiras, diga-se de passagem, um pequeno grupo de jovens.
Sozinho e Deus, passei por Salgueiro e segui pela estrada (PE-507) que ainda não era asfaltada e cheguei a Sítio dos Moreiras quando a cidade dormia e com ela o padre Câncio. João Câncio veio receber a encomenda ainda sonolento, mas mostrando aquela disposição que lhe era peculiar. Não conversamos nem dois minutos e eu já estava de volta para Salgueiro na noite escura e ameaçada por uma chuva que me fazia reduzir a velocidade no trajeto até chegar a Serrita e de lá para Salgueiro, onde passaria o resto da madrugada na expectativa das eleições de 15 de novembro.
Deus estava do nosso lado, pois me fez escapar de uma tremenda derrapagam na famosa e traiçoeira curva do “S” em que muitos motoristas já sobraram, causando a morte de algumas pessoas, como aconteceu com meu amigo (grande amigo) José de Caraciole, de memoráveis noites de boemia.
Mansueto foi eleito, o último votado da bancada da esquerda, e Jarbas Vasconcelos, que disputava uma vaga ao Senado, teve sua eleição tomada pelos filhos da ditadura (era assim que a gente chamava os adversários da Arena). No dia 20 de novembro, depois da contagem final dos votos, o Diário de Pernambuco publicava uma matéria minha com o título “O negócio do voto no Sertão”, que foi lida por Jarbas Vasconcelos na sua despedida da Câmara Federal, pois o seu mandato estava terminando e ele voltava à planície, mas continuaria a luta até chegar ao poder, começando pela eleição para prefeito de Recife em 1985, pelo PSB, pois o MDB foi abocanhado por oportunistas de última hora.
Fragmentos do Livro: João Câncio – A Saga do Padre-vaqueiro.
De Machado Freire
Blog do Paixão