A lei que tornou o dia feriado faz referência à eclosão da Revolução Pernambucana e ao período em que Pernambuco foi um estado independente da Coroa Portuguesa.
Por Katherine Coutinho, G1 PE

O dia 6 de março é feriado pela primeira vez em Pernambuco neste ano, após ter sido instituído em 2017. Mais do que um dia em que repartições públicas fecham e instituições de ensino não têm aula, a data magna estadual presta uma homenagem à chamada Revolução Pernambucana, quando o estado se tornou uma república independente do resto do Brasil colonial.
O ano era 1817. A então capitania de Pernambuco se revoltou e declarou independência do resto do Brasil no dia 6 de março, rompendo com o governo da família real portuguesa. A República de Pernambuco durou cerca de 70 dias, mas marcou a história do país.
“É muito importante recordar, celebrar e estudar criticamente porque, dos movimentos anticoloniais, foi o único que de fato conseguiu tomar o poder e fundar um novo país”, explica o presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, professor George Cabral.
A bandeira do estado, ostentada por muitos pernambucanos com orgulho, é a mesma utilizada pelos revolucionários. Ela foi adotada pelo então governador, Manoel Borba, em 1917, lembra Cabral.
“Pernambucano tem muito orgulho de ser pernambucano, mas conhece pouco a própria história"
A revolta é também conhecida como Revolução dos Padres. Na época, a maçonaria uniu forças com clero católico esclarecido. Ambos lutavam pela liberdade de pensamento, pelos direitos de cidadania e por uma imprensa livre. O estado independente durou cerca de 70 dias.
“Era um projeto de nação muito bem pensado, muito avançado para a época. Era um país com liberdade de consciência, culto, imprensa, além de uma preocupação muito grande com a transparência e legalidade das ações do governo. Tudo isso ficou registrado no projeto de Lei Orgânica”, detalha Cabral.
A República de Pernambuco, acredita o professor, deixa um legado para os dias atuais. “As coisas que eram defendidas em 1817 ainda são defendidas hoje. Eles lutavam contra o excesso de impostos, que é ainda uma bandeira nossa. Tudo isso tem que ser valorizado. Se nós, pernambucanos, não reconhecermos isso, como o resto do país vai?”, aponta.
Política
Apesar da curta existência, o estado independente chegou a ter um embaixador, Cruz Cabugá – que atualmente dá nome a uma das principais avenidas do Recife. “Uma vez, ouvi uma pessoa dizer que achava ter relação com um lugar chamado Cabugá”, conta o historiador.
Cabral destaca o pioneirismo do ato. “Foi a primeira vez que se enviou um representante diplomático para representar um estado independente para Washington, Cruz Cabugá, como embaixador da República de Pernambuco. Ele foi para os EUA com objetivo de conseguir o reconhecimento da nossa independência e fazer acordos comerciais”, explica.
Bandeira de Pernambuco costuma ser ostentada com orgulho pela população — Foto: Moema França/G1
A repressão do governo português foi brutal, lembra Cabral. “Em nenhuma outra parte a repressão foi tão forte. Só dos executados foram mais de uma dezena na revolução pernambucana, fora os que morreram no combate”, aponta.
A lei que institui o feriado da Data Magna de Pernambuco, de autoria dos deputados Terezinha Nunes (PSDB) e Isaltino Nascimento (PSB), prevê que as escolas aproveitem a semana para abordar a história pernambucana. “É importante incutir nas novas gerações esse conhecimento. Tudo isso tem que ser valorizado, tem que começar fazendo o dever de casa”, avalia.
A República de Pernambuco
Por Marcelo Alcoforado
Nunca esta República foi tão vilipendiada quanto nestes dias turbulentos. Marianne, a efígie republicana, está coberta de rubor. De que terá valido o sacrifício dos nossos heróis na busca do ideal republicano? Para que o tempo não apague, é sempre útil recordar. Um desses heróis foi o padre João Ribeiro, figura destacada, embora pouco conhecida pela posteridade.
Naquele início de março a apreensão reinava no Recife. Ao saber que o governador português detivera diversos conspiradores pela independência brasileira, João Ribeiro se pôs a rezar, esperando a vez de ir para a cadeia. A oração, contudo, funcionou e trouxe o inesperado. Oficiais brasileiros se rebelaram, o povo pobre apoiou, e a revolução programada para abril, eclodiu em 6 de março de 1817, fazendo-se fato consumado. Como diria, séculos depois, Chico Buarque em sua canção Vai Passar, “se viu de perto uma cidade a cantar, homenageando a evolução da liberdade”.
O padre João Ribeiro, por seu turno, felicíssimo, supunha que, enfim, a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade marcariam o Brasil. Ledo engano, como você vai ver.
João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro nasceu em Tracunhaém e ganhou o mundo. Ordenado, tornou-se auxiliar do monsenhor Arruda Câmara, testemunha ocular da Revolução Francesa, cujos ideais libertários passou a disseminar tendo ao seu lado, sempre, o jovem padre, desenhista das novas espécies vegetais descobertas nas suas expedições científicas. João Ribeiro era, não há dúvida, o mais admirado dos discípulos de Arruda Câmara.
Em Portugal, se associou à Academia Real de Ciências de Lisboa e ao regressar empregou-se como professor de desenho no Seminário de Olinda, onde começou a ficar famoso pela dignidade, generosidade, cortesia e vasta cultura.
Diz o comerciante Louis Tollenare, que o padre João Ribeiro era “um homem pobre, mas bastante filósofo para desprezar a riqueza”, e “ninguém na Europa imaginaria haver aqui alguém tão sábio”. Achava-o, no entanto, excessivamente bondoso, desprovido da malícia necessária à atuação na política. E nos seus escritos profetizou que ele “se sacrificaria pela sua pátria, mas seria incapaz de salvá-la…”.
De qualquer forma, a revolução triunfou, proclamou-se a República e foi criado um governo provisório, uma pentarquia representando comerciantes, agricultores, juristas, militares e religiosos. Estes, por sua vez, João Ribeiro à frente, os mais cultos e preparados numa terra de maioria analfabeta, assumiram a administração pública, onde operaram verdadeiros milagres. Em apenas dois meses reformaram o sistema tributário, prepararam um projeto de Constituição, fizeram uma gráfica funcionar pela primeira vez na província, criaram a primeira polícia brasileira, e deram fim ao monopólio dos mascates portugueses no comércio de alimentos, o que causava a carestia e a fome. Só não acabaram com a escravidão devido à resistência dos proprietários mas, mesmo assim, decretaram a alforria dos cativos que se alistassem no Exército, o primeiro ato abolicionista promulgado no País.
Incansável, João Ribeiro juntou-se ao pintor José Alves, e criou para a República uma bandeira azul e branca com o Sol, um arco-íris, uma cruz e três estrelas representando Pernambuco, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. À medida que outras províncias se libertassem novas estrelas seriam acrescentadas, mas a 13 de maio, derrotadas na batalha do Engenho Trapiche pelo Exército monarquista, as tropas republicanas retiraram-se do Recife para prosseguir lutando no interior. Estavam acompanhadas pelo padre João Ribeiro, servindo de capelão.
À noite, contudo, os líderes republicanos concluíram que a causa estava perdida e, não havendo condições de progredir, a coluna se desfez. Cada um tomou seu próprio rumo, em busca de esconderijo. João Ribeiro, no entanto, em vez de tentar fugir preferiu se matar, enforcando-se.
Conjurada a revolução, tão logo retomaram à capitania, os colonizadores, em supremo opróbrio, mandaram exumar o corpo do padre e passaram a expor sua cabeça na ponta de uma vara, no Centro do Recife. Ela assim permaneceu por dois anos, para intimidar os pernambucanos, que, indomáveis, em nome dos mesmos ideais libertários e democráticos defendidos por João Ribeiro se rebelaram em 1821, 1824 e 1848.
Blog do Paixão