Em quadros graves de Covid-19, equipamento é essencial para aumentar chances de sobrevivência do paciente. Sem ele, falta de ar intensa pode levar à falência de órgãos.
Por Luiza Tenente, G1

Ventiladores mecânicos são usados para auxiliar
pacientes com insuficiência respiratória. — Foto: Rodrigo Sanches/Arte G1
Diante da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), o Brasil enfrenta grande dificuldade para aumentar o número de
ventiladores mecânicos, equipamentos essenciais para tratar os casos
mais severos da doença Covid-19. Esse entrave tem três causas principais:
·
a concorrência com países
ricos, que aceitam pagar mais caro pelos equipamentos;
·
a baixa capacidade de produção
das empresas nacionais, frente à alta demanda;
·
e a complexidade da fabricação dos
aparelhos.
·
Indústrias nacionais e estrangeiras
alegam que o número de encomendas de respiradores mecânicos disparou desde o
início da pandemia. O mundo inteiro quer
comprá-los. O motivo é óbvio: o aparelho é decisivo para
garantir a sobrevivência de pacientes com falta de ar intensa (entenda mais abaixo).
Segundo o Ministério da Saúde, há 65.411 ventiladores
mecânicos no Brasil, sendo que 46.663 estão no Sistema Único
de Saúde (SUS). Do total, 3.639 encontram-se em
manutenção ou ainda não foram instalados.
Não
é viável prever, com exatidão, de quantos aparelhos o país necessitará nas próximas
semanas – isso dependerá do número de contaminações.
Mas a distribuição dos respiradores é desigual: em 33% dos municípios, há
no máximo dez respiradores disponíveis. Se o ritmo de infecções
seguir a tendência de países como a Itália, não haverá aparelho suficiente para
todos os doentes graves.
A seguir, entenda quais são três principais obstáculos para
aumentar o número de ventiladores mecânicos no Brasil:
1 – Uma 'guerra' entre os países
O Ministério da Saúde espera adquirir 17 mil respiradores para o Brasil.
Mas a pasta enfatiza que o principal problema para comprar os aparelhos é a
chamada "lógica de mercado" – a concorrência com países mais ricos dificulta a negociação.
Em coletiva de imprensa, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou, nesta quarta-feira (1º), que não é possível assegurar sequer a entrega de 8 mil ventiladores que já foram comprados. De acordo com ele, mesmo após a assinatura do contrato, existe o risco de a fábrica receber uma oferta melhor e desistir de vender para o Brasil.
Ao G1, o ministério explicou o que
pode ocorrer:
·
O Brasil procura uma fábrica
internacional e oferece, em média, US$ 15 mil por respirador. Se o fornecedor
aceitar a oferta, o contrato é assinado.
·
Na negociação, é estipulada uma multa
a ser paga pela empresa, caso ela não forneça os aparelhos dentro de
determinado prazo.
·
Antes da entrega dos respiradores,
outro país cobre a oferta: oferece mais de que os US$ 15 mil e ainda aceita
pagar a multa.
·
O resultado é que, mesmo após a
assinatura do contrato, o Brasil não recebe os equipamentos. Precisa, então,
buscar outra fábrica.
Empresas como a alemã Dräger não estão conseguindo suprir a procura
crescente pelos ventiladores – o número de pedidos triplicou. "Na área de
equipamentos hospitalares, estamos produzindo quase duas vezes mais do que o
habitual", afirma a marca.
Fernando Silveira Filho, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed), diz que há uma "demanda mundial explosiva" pelos ventiladores mecânicos: “O Brasil está concorrendo com todos os outros países para tentar comprar os mesmos equipamentos”.
Segundo Silveira Filho, há ainda:
·
as restrições nos voos
internacionais, que dificultam o transporte de insumos e de
equipamentos e o deslocamento de técnicos especializados;
·
e as mudanças
nas normas de exportação de cada governo.
De acordo com o Global Trade Alert, até esta sexta-feira (3), 76 países
haviam tomado alguma decisão de limitar ou proibir a exportação de equipamentos
de saúde. Índia, China e Alemanha baixaram 130 determinações do tipo.

Respirador de unidade de saúde — Foto: Prefeitura
de Araraquara/Divulgação
2 – Fabricação nacional não cobre
demanda
Segundo dados da consultoria Websetorial obtidos pela Abimed, o Brasil importou 3.881 respiradores mecânicos em 2019.
A produção nacional, ainda de acordo com a associação, é centralizada em quatro
fábricas principais.
O representante de exportações de uma delas, que pede anonimato, afirma
que a demanda por aparelhos aumentou de forma significativa. Normalmente, a
marca produz, em média, cerca de 100 respiradores por mês.
“Hoje, se produzíssemos mil produtos por dia, os mil seriam vendidos. Fomos procurados por mais de uma centena de países”, diz o funcionário.
De acordo com ele, o Ministério da Saúde enviou um
ofício que impede a fábrica de vender para outros países. Toda a
produção deve se destinar à demanda interna. De fato, em março, a pasta havia
comunicado que vetaria a exportação de equipamentos essenciais para
o atendimento de pacientes com Covid-19.
Para tentar aumentar a produção, a empresa contratou mais mão de obra e
ampliou os horários de funcionamento. A mesma iniciativa foi tomada pela Vent
Logo, fábrica de ventiladores mecânicos de Vitória (ES). De menor porte, com
cerca de 12 funcionários, a empresa está operando em três turnos, durante a
semana inteira.
"Estamos fazendo uma parceria com uma associação importante do
setor médico, para expandir nossa capacidade produtiva", afirma Eduardo
Val, representante da área comercial. "Daríamos a concessão da tecnologia
para eles, para tentarmos chegar ao número de ventiladores necessários no
Brasil. A indústria nacional está se mobilizando."
Dos três tipos de aparelho que a Vent Logo, o que é mais requisitado
atualmente é o de tecnologia avançada – justamente aquele cujo processo de
fabricação é mais demorado. A demanda por ele triplicou, segundo Val. O preço
aproximado é de R$ 50 mil.
3 – A produção do aparelho é complexa
Silveira Filho, da Abimed, explica que a fabricação de ventiladores
mecânicos é complexa: demanda testes de segurança e cuidados na instalação.
O representante de uma das maiores fábricas no Brasil reforça que o processo de produção não tem como ser tão rápido: "São muitas peças, algumas importadas. Não dá para montar e pronto, como uma televisão. Existe um rigor, uma necessidade de teste e de reteste. Está ligado à vida de uma pessoa. Para fazer produção em massa, é difícil".
Ele explica que os compradores dos aparelhos precisam estar habilitados
para receber produtos tão delicados.
"Em geral, são distribuidores que compram. Eles têm engenheiros que
treinam os hospitais e ensinam a equipe médica a usar os respiradores",
afirma.
Como os ventiladores mecânicos
funcionam?
Para explicar o funcionamento de um ventilador mecânico, o primeiro passo é entender o mecanismo básico da nossa
respiração. De forma simples: há uma troca
de gases.
Nós respiramos o ar, cuja composição é de 21% de oxigênio, e ele entra
pelas vias superiores, até chegar a um tubo chamado traqueia. De lá, segue para
os pulmões. Neles, há pequenos saquinhos de ar, chamados de alvéolos, cheios de
vasos sanguíneos bem fininhos, onde o oxigênio é absorvido e o gás carbônico,
liberado. O sangue oxigenado é, então, bombeado para todos os órgãos.
Quando
o paciente está com insuficiência respiratória, a troca gasosa fica
comprometida. Os músculos tentam acelerar o ritmo
da respiração, para conseguir garantir a entrada do oxigênio e a saída do gás
carbônico.
"Nas doenças respiratórias graves, o esforço muscular excessivo leva à fadiga. Aí é que entra a importância da intervenção médica, para não sobrecarregar o coração", afirma Paulo Cesar Bastos Vieira, coordenador da UTI da disciplina de pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O aparelho chamado "ventilador mecânico" vai exercer uma
pressão para dentro de nossos pulmões, para que a troca gasosa se mantenha.
"É como encher uma bola de futebol. No começo, é mais difícil, precisamos
fazer uma força inicial maior. Depois, com menos esforço, dá para terminar de
encher”, exemplifica Vieira.
O princípio do aparelho é o mesmo da bola. "Regulamos o aparelho
com uma pressão inicial que vença a resistência do tórax e das vias
respiratórias. Depois, o ventilador deve exercer uma pressão menor, para não
correr o risco de estourar o pulmão do paciente. Se você distender demais o
órgão, o organismo libera substâncias inflamatórias que pioram o quadro."
O paciente é sedado, para não ficar desconfortável. O ventilador, em
geral, é colocado na boca, e o tubo vai até a traqueia. Depois de alguns dias,
o médico pode avaliar a necessidade de trocar pela traqueostomia (procedimento
cirúrgico no qual é feito um pequeno buraco no pescoço do paciente, para que a
conexão com a traqueia seja direta).
Pelo ventilador, os profissionais de saúde podem escolher a porcentagem
de oxigênio no ar fornecido ao paciente – índices maiores que o atmosférico, de
21%. Quanto mais comprometidos estiverem os alvéolos (aqueles saquinhos de ar
do pulmão), mais oxigênio será necessário.
"Quando a pessoa está sedada, o cérebro não manda que ela respire, está 'desligado'. Tudo vai depender do respirador. Controlamos a quantidade de oxigênio, a frequência respiratória, a pressão", explica André Nathan, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. “Conforme o paciente for melhorando, poderá assumir algumas funções. Ele puxa o ar, o ventilador percebe e só ajuda a exercer a pressão."
Os médicos devem seguir avaliando a pessoa e monitorando principalmente
o nível de oxigenação do sangue (por um exame chamado oximetria). Com base nos
resultados, alteram os parâmetros do respirador.
É importante entender que o aparelho não é um tratamento.
Ele apenas poupa o organismo do esforço de respirar, até que o sistema
imunológico reaja e combata o vírus, no caso da Covid-19.
Por que os respiradores são tão
importantes para pacientes com Covid-19?
Nos casos mais graves, o novo coronavírus agride os alvéolos pulmonares. "A agressão vai inchar a membrana. Os vasos sanguíneos vão dilatar e ficar mais largos e porosos. Com isso, a troca de gases é prejudicada", explica Vieira.
Leonardo José Rolim Ferraz, médico intensivista e clínico-geral do
Hospital Israelita Albert Einstein (SP), afirma que a chamada "síndrome de
desconforto respiratório agudo" faz com que o paciente não receba a
quantidade de oxigênio que os tecidos necessitam.
A pessoa passará a sentir falta de ar – uma
sensação descrita como "se afogar no seco".
"É puxar o ar, tentar respirar, mas não parecer suficiente. Em geral, a frequência respiratória aumenta, dá para notar. O fôlego fica curto", explica Ferraz.Sem oxigênio no corpo, haverá falência de órgãos.
"O organismo vai desligando: rim, coração, cérebro", descreve Nathan,
do Sírio-Libanês.
Com o respirador mecânico, o pulmão pode “repousar”, já que o nível de
oxigênio no sangue será controlado pelo aparelho.
Coronavírus: EUA são acusados de 'pirataria' e 'desvio' de equipamentos que iriam para Alemanha, França e Brasil
Autoridades alemãs dizem que 200 mil máscaras teriam
sido desviadas para os EUA após determinação de Trump; casos semelhantes afetam
outros países.
Por BBC

Os EUA foram acusados de redirecionar para si mesmos um
conjunto de 200 mil máscaras que tinha como destino original a Alemanha, em um
ato descrito como "pirataria moderna".
Autoridades em Berlim disseram que o embarque das máscaras,
produzidas nos EUA, teria sido "confiscado" em Bangcoc, na Tailândia.
As máscaras modelo FFP2, que haviam sido encomendadas pela polícia de Berlim, não teriam chegado a seu destino final. Andreas Geisel, ministro do interior da Alemanha, disse que as máscaras foram "desviadas" para os EUA.

Casos
semelhantes, incluindo o que vem sendo
descrito como "roubo" de contratos pelos norte-americanos, que
estariam fazendo propostas financeiras mais altas do que as já assinadas entre
países e fornecedores, também
foram reportados pela França e pelo Brasil.
A 3M, empresa americana que produz as máscaras, foi proibida de exportar seus produtos médicos para outros países após o presidente Donald Trump recorrer a uma lei da época da Guerra da Coreia, que aconteceu nos anos 1950.--:-
Na
sexta-feira, Trump disse que havia recorrido à regra para fazer com que
empresas norte-americanas garantissem mais produtos médicos para a demanda
interna dos EUA.
"Precisamos destes itens imediatamente para uso doméstico.
Precisamos tê-los", disse Trump em sua conversa diária sobre o coronavírus
com a imprensa na Casa Branca.

Ele disse também que autoridades americanas estocaram
aproximadamente 200 mil máscaras modelo N95, 130 mil máscaras cirúrgicas e 600
mil luvas. Trump não informou em que locais ou países elas foram postas à
disposição dos EUA.
O ministro alemão disse que o desvio de máscaras foi um
"ato de pirataria moderna", em um gesto de pressão para que o governo
Trump cumpra regras comerciais internacionais.
"Não é assim que se lida com parceiros
transatlânticos", disse o ministro. "Mesmo em momentos de crise
global, não é correto usar métodos do 'velho oeste'."
'Caça
ao tesouro' em busca de máscaras
Os comentários do ministro Geisel ecoaram reclamações
de outras autoridades que também reclamaram sobre as práticas de compras e
desvios adotadas pelos EUA.

Na última sexta-feira, uma carga de 600 respiradores artificiais encomendada por estados do nordeste de um fornecedor chinês não pode embarcar do aeroporto de Miami, onde fazia escala, para o Brasil.
Em nota enviada à imprensa brasileira, a Casa Civil da
Bahia informou que "a operação de compra dos respiradores foi cancelada
unilateralmente pelo vendedor"
O valor final da compra, de R$ 42 milhões, ainda não havia sido
pago pelo governo baiano. A suspeita é de que os EUA tenham oferecido um
valor mais alto pelos produtos - uma prática apontada, por
exemplo, pelo governo francês.
Naquele país, líderes regionais dizem que estão tendo muita
dificuldade para garantir equipamentos médicos, já compradores dos EUA têm
"furado a fila" ao oferecer valores de compra mais altos que os já
assinados.
A presidente da região da Île-de-France, Valérie Pécresse,
comparou a disputa por máscaras com uma "caça ao tesouro".
"Encontrei um estoque de máscaras disponíveis e os
americanos - não estou falando do governo americano - ofereceram o triplo do
preço e se propuseram a pagar adiantado", disse Pécresse.
À medida que a pandemia de coronavírus piora, a demanda por
suprimentos médicos fundamentais, como máscaras e respiradores, aumenta em todo
o mundo.
No início desta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
disse que considera mudar sua orientação sobre o uso de máscaras em público
pela população em geral.
Atualmente, a OMS diz que as máscaras não oferecem proteção
suficiente para justificar seu uso em massa contra infecções. Mas alguns países
adotaram uma visão diferente, incluindo os EUA.
Na sexta-feira, Trump anunciou que o Centros de Controle de
Doenças (CDC) do país passou a recomendar que os norte-americanos usem proteção
faciais não-médica para ajudar a impedir a propagação do vírus.
Os EUA registraram 273.880 casos de Covid-19, disparado o número
mais alto do planeta.
Doença causada pelo coronavírus, o Covid-19 já atingiu mais de
um milhão de pessoas e matou quase 60 mil em todo o mundo, segundo dados
recentes
'Consequências
humanitárias significativas'
Por sua vez, a 3M informou que o governo Trump pediu
que a empresa pare de exportar para o Canadá e a América Latina máscaras do
tipo N95 fabricadas nos EUA .
A solicitação tem "consequências humanitárias
significativas", alertou a empresa, e poderia levar outros países a agir
da mesma forma.
A empresa diz que fabrica cerca de 100 milhões de máscaras N95
por mês - cerca de um terço são fabricados nos EUA e o restante é produzido no
exterior.
O presidente Trump disse que usou a Defence Production Act (Lei
de Produção de Defesa, em tradução livre) para "atingir pesadamente a
3M", sem oferecer mais detalhes.
A lei foi criada nos anos 1950 e permite que presidentes forcem
companhias a produzirem ítens para defesa nacional.
O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau disse a jornalistas
na sexta-feira que "seria um erro criar bloqueios ou reduzir o
comércio".
Blog do Paixão