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Carta aberta de médicos ao Governo de PE


Foto: Reprodução

Soubemos através da imprensa e da mídia em Pernambuco que o lockdown iniciado no Recife e em cinco municípios do Grande Recife não vai ser prorrogado, segundo o secretário de Saúde do Recife. Concordamos com o fim do lockdown e nós, o grupo MÉDICOS PELA VIDA, queremos colaborar com nossos conhecimentos e dedicação à luta contra a COVID-19, no planejamento das medidas necessárias para essa mudança de estratégia.

No início da pandemia, a COVID-19 foi considerada uma pneumonia viral e para a qual seriam necessárias as mesmas medidas adotadas em outros surtos anteriores, tais como o de H1N1, SARS ou MERS. Com o avanço no conhecimento fisiopatológico da COVID-19, aprendemos que essa é uma doença generalizada infecciosa-imunológica-inflamatória-hematológica, de alta letalidade principalmente para grupos de risco, embora também letal não raramente para pessoas mais jovens e sem fatores de risco. Pode evoluir rapidamente para um estado de gravidade obrigando o internamento em leitos hospitalares ou de terapia intensiva, onerando os sistemas de saúde públicos e privados, com ameaça de colapso nos picos do surto, como aconteceu em Belém do Pará. Por isso, insistimos no atendimento precoce nas fases inicias da doença, quando os tratamentos indicados no nosso protocolo e em outros protocolos brasileiros e mundiais nessa fase mostram a cura e a diminuição de evolução para casos grave e para a morte. 

Medidas de afastamento e de isolamento foram adotadas no mundo inteiro para diminuir a taxa de infecção que é muita alta nessa doença. Há uma confusão enorme sobre o que representam essas medidas, que são restritivas em escala crescente:

1. Distanciamento social – diminuição de interação entre as pessoas de uma comunidade para diminuir a velocidade de transmissão do vírus. Importante dizer que a maior parte da transmissão ocorre a partir de pessoas que são assintomáticas e portanto, livres para sua vida social e profissional. É a medida para ser implementada quando a transmissão é comunitária, como no Brasil, onde a ligação entre os casos não pode ser mais rastreada. Esse distanciamento social pode ser seletivo (para grupos de maior risco, como idosos, imunossuprimidos ou portadores de doenças crônicas) ou ampliado (inclui toda a população).
2. Isolamento – essa medida visa separar as pessoas infectadas das não infectadas, para evitar a propagação do vírus, em domicílio ou em ambiente hospitalar, por pelo menos 14 dias a partir dos sintomas. 
3. Quarentena – é a restrição de atividades ou separação de pessoas que foram presumivelmente expostas a uma doença contagiosa, mas que não estão doentes e que pode ser aplicada individualmente para uma pessoa que volta de viagem internacional, para contatos domiciliares de caso suspeito ou confirmado de Coronavírus. Coletivamente pode ser aplicada para a quarentena de um navio, um bairro ou uma cidade de forma voluntária ou mandatória. 

Quando as medidas de distanciamento social, isolamento e quarentena individual forem insuficientes, pode ser necessário o bloqueio total (também chamado de contenção comunitária, quarentena comunitária ou lockdown, em inglês). Esta medida imposta a uma comunidade, a uma cidade ou a uma região interrompe qualquer atividade por um determinado período de tempo, com exceção de saídas para atividades básicas como comprar mantimentos ou remédios. Em sua vigência ninguém tem permissão para entrar ou sair do perímetro isolado. No Recife, esse lockdown ou bloqueio total começou no dia 16 de maio, devendo terminar no dia 31 próximo.

A mídia mundial mostra repetidamente os efeitos nefastos do Coronavírus, mas também do lockdown indiscriminado, sendo esta uma preocupação inclusive da UNICEF nos cuidados com a população infantil. Um estudo em Nova York , onde foi feito um confinamento horizontal, mostrou que, 84% dos casos da COVID-19 ocorreram entre pessoas perfeitamente isoladas. Uma surpresa enorme para o governador Andrew Cuomo, quando percebeu que as pessoas internadas com sintomas da COVID-19 ou estavam confinadas em casa (66%) ou em lares de idosos (18%). Esse estudo foi amplamente divulgado no dia 06 de maio, dez dias antes da medida adotada em Recife. 

Quando uma pessoa com sintomas da COVID-19 comparece a uma unidade de saúde e recebe em resposta a ordem de voltar para casa com alguma medicação sintomática, concluímos que nenhuma dessas medidas restritivas está sendo respeitada. Se a família dessa pessoa tem poder aquisitivo, poderão, todos, permanecer em isolamento domiciliar sob tetos diferentes. Mas, nas comunidades pobres, todos convivem aglomerados na mesma moradia, esta pessoa, involuntariamente, contagiará seus familiares e vizinhos, sendo um importante vetor de propagação do vírus. Para os cidadãos de todas as classes sociais, as regras estão extremamente rígidas e a circulação ao ar livre apenas permitida se guardado o distanciamento social. Paradoxalmente, as aglomerações sem distanciamento continuam sendo observadas nas filas das unidades de saúde, nos hospitais, nas agências bancárias e na periferia; e principalmente nos transportes públicos.

Não bastasse o bloqueio total, veio também a ordem do rodízio de carros, uma medida completamente contrária às regras do distanciamento social, do isolamento ou do lockdown. O meio de transporte mais seguro é o automóvel onde só circulam pessoas da mesma família ou da mesma residência. Quando esse meio de transporte seguro é restringido, as pessoas que trabalham para manter em funcionamento as atividades essenciais e de sobrevivência da sociedade, são jogadas em transportes públicos superlotados, onde o vírus se regozija na quantidade de pessoas que pode infectar: as pessoas estão presas; o vírus está solto. Verdadeira arapuca.

O lockdown leva à depressão, à angústia, ao aumento de suicídios, à piora dos quadros clínicos em pacientes crônicos e à demora no atendimento de casos novos de doenças cardiovasculares, renais e dos novos casos de câncer. Em 13 de maio último, a UNICEF alertou, num artigo de Sarah Newey publicado no Global Health Security Report, que o lockdown indiscriminado, além de ser ineficaz para combater a pandemia atual, pode contribuir para um aumento de 45% na mortalidade infantil, especialmente nos países em desenvolvimento, por pneumonia, diarreia e malária, em números muito mais expressivos do que as mortes pelo novo Coronavírus. Os adultos também sofrem, e em Nova York, houve um aumento de 800% de paradas cardiorrespiratórias em domicílio durante o lockdown. Oitocentos por cento! Os efeitos nocivos nas semanas após o lockdown também foram observados em Recife, onde aumentaram drasticamente as mortes domiciliares por COVID-19, confirmadas ou suspeitas, como está demonstrado nos relatórios do SVO do recife.

A taxa de transmissão de vírus ao ar livre é 19 vezes menor que essa taxa em pessoas confinadas em ambientes salubres ou não. Os ambientes insalubres infelizmente incluem uma grande parte da população brasileira mais pobre, em casas sem higiene, sem saneamento básico e muitas vezes sem ar puro, sem ventilação e sem água.

Insistimos nas nossas posições sobre o tratamento pré-hospitalar da COVID-19 nos moldes do protocolo do Ministério da Saúde, do nosso protocolo e de diversos outros usados por vários municípios e serviços de saúde nacionais. Recomendamos que esse lockdown não deve ser prorrogado e que medidas de identificação e isolamento seletivo dos infectados, especialmente dos que não devem voltar para suas comunidades aglomeradas, sejam instituídas imediatamente.

Estamos à disposição das autoridades para colaborar num modelo de projeto objetivo e exequível, para a saída dessa crise, nos moldes recomendados por outros países do mundo que o fizeram de forma coordenada.

Recife, 28 de maio de 2020.

MÉDICOS PELA VIDA.

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