Pedro
Duran e Gabriel Passeri, da CNN, em São Paulo
Foto: Reprodução
“É uma festa, amigo, fechada... que eu tô fazendo, entendeu? Vou levar umas amigas, presença... Aí se você quiser ‘encostar’ eu separo um sofá pra você. Vai rolar funk, pagode, começa às nove da noite e vai até seis da manhã”.
A mensagem é do promotor de um baile clandestino
que fica na zona Sul de São Paulo. O homem promete levar mais de cinquenta
mulheres convidadas e negocia valores de camarote como se as regras da pandemia
não existissem. O próprio flyer improvisado pra divulgar o evento no Instagram assume
a palavra “clandestino”.
O evento está agendado pra este sábado, 1º de
agosto e é mais um dos muitos semelhantes que tem acontecido pelo Brasil,
furando a quarentena, desrespeitando as regras de isolamento social e ignorando
os contornos da pandemia do novo coronavírus.
Em Alvorada, no Rio Grande do Sul, o evento
clandestino descoberto pela polícia tinha até flyer. No “Jantar dos Solteiros”,
as entradas custaram R$12 e o cardápio tinha galeto, arroz, macarrão alho e
óleo e salada. Os convidados poderiam consumir até seis latões de cerveja e uma
dose de vodca, mas à polícia chegou antes da festa acabar.
Em São José dos Campos, no interior de São Paulo,
as festas clandestinas tem acontecido em chácaras com portas fechadas e
ingressos vendidos com antecedência. Os endereços são avisados de última hora
pra evitar que a fiscalização bloqueie a entrada dos convidados ou desarticule
a festa.
Em uma mensagem obtida pela CNN o organizador de
uma dessas festas avisa que o evento foi cancelado.
“Devido ao grande sucesso que foi semana passada e
de muita gente que estava se programando pra ir hoje fizeram uma denúncia,
então a prefeitura já encostou aqui no local e conversou com o Diego. Acabou de
sair do local e falaram que eles vão voltar à meia-noite", dizia o
organizador em uma mensagem de áudio enviada pelo aplicativo WhatsApp. "E
aglomeração dá 'xilindró', mano! Dá cadeia mesmo, aglomeração. Não é nem por
causa do som alto não, é por causa da aglomeração que a gente tá tendo esse
problema, entendeu?”
Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, o dono de
uma tabacaria prepara um vídeo mostrando as novas essências e a preparação de
cada narguile. "Tudo preparado pra hoje, hein? Aí ó!”, diz ele nas
imagens.
Enquanto vizinhos se degladiam em grupos de
WhatsApp dos condomínios sobre festas privadas em apartamentos, as aglomerações
ao ar livre se espalham em vários lugares do Brasil.
Caminhão "tempestade"
A cidade de Diadema, na região metropolitana de São
Paulo, chegou a ter 14 aglomerações de baile funk simultaneamente em um sábado
de julho. Antes da pandemia, os bailes a céu aberto se espalhavam por 60 pontos
da cidade.
A forma encontrada pela prefeitura de Diadema pra
tentar controlar os “fluxos” na pandemia foi usando um caminhão de água.
O veículo foi do Corpo de Bombeiros pra a Guarda Municipal e, batizado de
“Tempestade”, comporta até 5 mil litros de água. A velocidade do jato chega a
28 litros por segundo e a força da pancada da água pode bater 18kg.
“A água, somente a água, não vai causar o mal. Ela
vai causar o mal é claro, se a pessoa quiser enfrentar o equipamento, que não é
o que nós queremos. A nossa equipe é preparada. Nós temos uma equipe que
treinam antes de agir”, disse o prefeito da cidade Lauro Michels à CNN. “Nós
nunca vamos deixar as pessoas sem a rota de fuga. Que é a grande preocupação da
nossa equipe”, completou.
Da primeira e única vez que o jato de água foi
acionado para conter a multidão, o controle estava nas mãos do supervisor da
GCM, Jorge Penna, que calcula ter dispersado uma aglomeração de 5 pessoas em um
final de semana de julho deste ano.
“E quando nós começamos a jogar o jato de água nas
primeiras pessoas para elas poderem ir embora que nós percebemos que a primeira
rua, na nossa direita, também estava tomada. Por isso que nós podemos ver em
alguns vídeos, que o canhão de água ele começa a verter pra direita.
Nesse momento nós vamos conversando, falando mais
água, menos água, e eu controlo a direção do jato. No que a água começou a
jorrar, a população começou a correr e começaram também nos agredir com pedras,
garrafas, essas coisas”, contou ele à CNN.
Em Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio de
Janeiro, casas de show e bares vem ignorando a atual situação e promovido
eventos com shows ao vivo, telões e pista de dança. Mesmo com a situação
controlada seria obrigatório o uso de máscaras, o distanciamento entre as
pessoas de dois metros e a proibição de consumir bebidas em pé - o que é
constantemente desrespeitado.
Os bares anunciam os shows pelo Facebook sem data e
alguns anúncios desaparecem depois do evento ser realizado.
Casas noturnas amargam perdas
Enquanto as festas clandestinas se espalham pelo
país, as grandes casas noturnas continuam fechadas. No plano de flexibilização
do estado de São Paulo, por exemplo, as festas com aglomeração estão fora do
horizonte. Em tese, esse tipo de evento só é liberado quando as cidades
chegarem na fase azul, a última do faseamento determinado pelo governo
estadual.
Mas nenhuma cidade conseguiu sequer chegar na fase
verde, a penúltima. Na prática, os organizadores desse tipo de evento só
acreditam na retomada da agenda de festas e shows quando chegar a vacina para o
coronavírus ou a cura for descoberta.
"Acredito que espaços desse porte vão depender
de uma vacina. Eu não acho que esses espaços possam abrir, ainda que
tenhamos uma lei ou alguma determinação que permita que esses espaços voltem a
operar, eu não me sinto confortável em colocar as pessoas que trabalham
comigo", diz o empresário Fadundo Guerra, que tem cinco bares e casas
noturnas da cidade, como o Bar dos Arcos, localizado na área subterrânea do
Teatro Municipal. .
Estabelecimentos lacrados
A fiscalização das festas fechadas ou bailes nas
ruas das cidades têm sido feita tanto pelas autoridades estaduais quanto pelas
prefeituras. Em alguns casos, até a polícia ambiental tem sido deslocada pra
operações deste tipo. Em Manaus, capital do Amazonas, oito bares foram fechados
por aglomerar pessoas na final do campeonato carioca e a polícia montou uma
operação especial.
Fábio Honda, tenente-coronel da polícia do Amazonas
coordenou as equipes do governo. "Não é muito comum termos essa operação
(...) numa quarta-feira, por exemplo, mas hoje nós temos um grande jogo entre
dois times tradicionais, final do campeonato carioca, e sabíamos que poderia
gerar grandes aglomerações em determinados locais", disse ele.
Em São Paulo, a Praça Rosevelt no centro tem sido
frequentada por grupos de pessoas que usam caixas portáteis de som e levam
geladeiras com bebidas. O local tem uma base da PM e outra da GCM mas nem isso
tem inibido os frequentadores.
“Ah... Estamos preocupados porque parece que a aqui
é uma região que o covid não pega. E a incomodidade que isso representa”, disse
a presidente da Associação de Moradores do Bairro da Consolação à CNN. Marta
Porta já enviou três ofícios pedindo uma intervenção mas o problema não foi
resolvido.
Um levantamento feito pela reportagem da CNN com
autoridades estaduais e municipais aponta que, em todo o Brasil, pelo menos
75,9 mil estabelecimentos comerciais já foram fechados e 6,5 mil notificados ou
multados.
O Rio de Janeiro encabeça a lista das intervenções
em locais que desrespeitaram as regras da pandemia com 27 mil estabelecimentos
interditados, seguido do Distrito Federal, com 25 mil e a cidade de Belo
Horizonte, com 18 mil.
Na capital paulista 864 bares, restaurantes, casas noturnas e comércios já foram interditados por descumprir os decretos que estabelecem as regras de atuação na pandemia do novo coronavírus. Parte deles foi interditada.
Blog do Paixão