O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro
(MP-RJ) diz ter encontrado indícios de “bilionárias movimentações atípicas” da
Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e afirmou ser “verossímil concluir”
que a entidade religiosa está sendo “utilizada como instrumento para
lavagem de dinheiro fruto da endêmica corrupção instalada na alta cúpula da
administração municipal” do Rio. O prefeito Marcelo Crivella é bispo
licenciado da Iurd.
A investigação do
MP começou em março deste ano e investiga um suposto 'QG da Propina' na
Prefeitura do Rio.
A análise que cita
a Universal está presente em documento de 262 páginas, assinado com data de 2
de setembro deste ano, enviado à Justiça pelo Subprocurador-Geral de Justiça de
Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do MPE-RJ, Ricardo Ribeiro Martins.
Nessa petição, a
que o G1 teve acesso, o sub-procurador geral cita a
existência de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda,
apontando que a entidade religiosa “foi objeto de comunicação em razão da
identificação de movimentações financeiras de R$ 5.902.134.822,00”, entre o dia
5 de maio de 2018 e 30 de abril de 2019.
O G1 apurou
que o RIF reúne informações de vários CNPJ’s da IURJ. E inclui movimentações de
entrada e saída de dinheiro vivo, assim como transferências bancárias. O
registro de movimentação atípica em um RIF do COAF não significa a
necessária ocorrência de um crime.
O prefeito Marcelo Crivella é bispo licenciado da Iurd
Segundo narra o
MPE-RJ, a ocorrência que justificou a comunicação ao COAF tem relação com o
artigo 1º, inciso I, item “b” da Carta Circular de número 3.542 do Banco
Central do Brasil. Tal trecho da norma trata de “movimentações em espécie
realizadas por clientes cujas atividades possuam como característica a
utilização de outros instrumentos de transferência de recursos, tais como
cheques, cartões de débito ou crédito”.
Nos documentos
obtidos pelo G1, não há detalhes de como funcionaria essa suposta
lavagem de dinheiro. O sub-procurador geral, no entanto, faz tal alegação após
analisar várias provas colhidas, entre elas: “as bilionárias movimentações
atípicas” da IURD, a “notória vinculação” de Crivella com a igreja e o
“envolvimento de Mauro Macedo na trama criminosa”.
Mauro, primo de
Edir Macedo, o fundador da IURD, coordenou campanhas políticas do atual
prefeito do Rio e é citado em delações da Lava Jato como recebedor de Caixa 2.
Segundo o Ministerio Público, Mauro aliciava empresários para participar dos
mais variados tipos de corrupção.
Outro elemento
usado na análise do MPE-RJ são as mensagens do aparelho de celular apreendido,
em março, com Rafael Alves, durante a primeira fase da operação. Apesar de não
ter cargo público no Município, Rafael Alves teria enorme influência no governo –
e pistas seguidas pelo MPE-RJ mostram que ele cobraria e arrecadaria propina de
fornecedores, possivelmente com aval e em aliança com Crivella.
Rafael Alves falou de igreja em mensagens
Mensagem atribuída a Rafael Alves fala de relação com a igreja — Foto:
Reprodução
No começo de 2018,
Rafael Alves enviou várias mensagens a interlocutores demonstrando “frustração
com os espaços ocupados por ele no governo” – e dizendo que seria capaz de revelar
às autoridades “todos os esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro que
ocorrem no governo”, com a “direta participação de Marcelo Crivella, sua
família e a igreja, em expressa alusão à Igreja Universal do Reino de Deus
(Iurd)”.
Em uma mensagem
enviada no 19 de janeiro, diz o MPE-RJ, Rafael Alves escreve: “Nego destrói um
político. Eu mexo com uma igreja.” Depois, ele prossegue, segundo os
investigadores: “só não quero que mexa com meu irmão ou seja meu espaço”. Por
fim, Rafael Alves afirma: “Fazendo isso eu destruo ele igreja etc.” O
irmão de Rafael, Marcelo Alves, chegou a ocupar a presidência da RioTur – e
vinha sofrendo com um processo de desgaste com outros aliados de Crivella, até
ser exonerado em março deste ano, após a primeira fase da operação.
Para o MPE-RJ,
Rafael indica que, “caso venha a romper com Marcelo Crivella e sua organização
criminosa”, os efeitos danosos serão grandes pois “envolve dinheiro – e muito –
e informações fortes.” O procurador aponta que “Rafael Alves deixa claro que
tem ciência e controla diversas atividades criminosas do governo, sob a direta
liderança de Marcelo Crivella”.
O celular de
Rafael é considerado uma “peça bomba” na investigação pelos promotores. Mas não
foi fácil chegar no aparelho. Em março, em uma busca contra Rafael Alves, ele entregou
um celular vazio para as autoridades. Desconfiados, eles encontraram outro
telefone escondido em roupas. Outros dois estavam no carro da mulher do
operador, Shanna Garcia, filha do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o
Maninho, assassinado em 2004.
O que dizem os citados
Em nota, a Igreja
Universal do Reino de Deus disse que não foi legalmente citada sobre as
denúncias e que ignora a existência do documento relativo a elas. E classificou
de imoral o que chamou de vazamento de informações por autoridades sem que a
parte envolvida saiba da investigação. Diz ainda que toda sua movimentação
financeira é “completamente lícita” e declarada aos órgãos competentes.
A igreja também
afirma que, sobre o prefeito Marcelo Crivella, “qualquer bispo ou pastor que
decide ingressar na carreira política licencia-se de suas funções na igreja,
passando a se ocupar exclusivamente da atividade pública”.
A Universal diz
ainda que não há nenhuma relação financeira entre Marcelo Crivella, suas
campanhas políticas e a Igreja, e que não participa direta ou indiretamente de
atividade político-partidárias no Brasil e em nenhum dos outros países onde
desenvolve atividade missionária.
Segundo afirma,
"Nos últimos trinta anos, nenhuma instituição religiosa brasileira foi tão
perseguida, atacada, fiscalizada e julgada como a Universal". "Em
todos os procedimentos, a Igreja e seus oficiais foram inocentados”, acrescenta
a Universal. Conclui afirmando que os autores da denúncia, que classifica de
infâmia, responderão na Justiça pelo que chama de falsas acusações e
preconceitos contra cristãos.
O prefeito Marcelo
Crivella declarou que não há nada no processo que descreva qualquer ato ilícito
praticado por ele. Disse ainda que nada foi encontrado nas buscas em sua casa,
no gabinete, em banco ou no celular.
Neste sábado,
Crivella divulgou vídeos para se defender das acusações do Ministério Público.
Ele negou interferência política para impedir a demolição da casa de Romário, mas não
respondeu às principais denúncias do MP.
O prefeito
criticou a reportagem da Globo sobre as denúncias do Ministério Público
estadual e da Polícia Civil e afirmou que elas têm o objetivo de interferir no
processo eleitoral. Em suas reportagens, a Globo foi absolutamente fiel ao que
afirmaram os procuradores e aos documentos que embasaram a operação -- sem
nenhum outro objetivo senão o de informar o público.
A defesa de Rafael
Alves informou que ele refuta as acusações, que chamou de precipitadas e disse
que tenta, há mais de nove meses, prestar esclarecimentos ao Ministério
Público, mas não teve essa oportunidade.
Operação Hades
As investigações
do MP estão no contexto da Operação Hades, que teve buscas do Ministério
Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Civil do RJ na manhã desta quinta-feira (10) na
Prefeitura do Rio, na casa do prefeito e no Palácio da Cidade, onde ele
despacha. Agentes apreenderam um telefone celular de Crivella.
A operação começou
em março deste ano e investiga um suposto 'QG da Propina' na
Prefeitura do Rio. A decisão judicial que autorizou Operação Hades nesta
quinta-feira (10) afirma que por trás de atos do prefeito Marcelo Crivella na
Prefeitura do Rio está Rafael Ferreira Alves, que não tem cargo na
administração municipal. Promotores afirmam que Rafael e Crivella têm papel de protagonismo em um esquema de corrupção
na Prefeitura do Rio.
Por meio de sua
assessoria de imprensa, Crivella disse que operação foi "estranha" e
"injustificada" e que, na semana passada, esteve com o Ministério
Público para colocar à disposição seus sigilos bancário, telefônico e fiscal
(veja o que disse o prefeito).
O inquérito foi
aberto no início de dezembro pelo MPRJ, com base na delação do doleiro Sérgio
Mizrahy. Ele foi preso na operação Câmbio Desligo, um desdobramento da Lava
Jato no Rio.
Segundo a delação,
o operador do esquema é Rafael Alves. Rafael não possui cargo na prefeitura,
mas, segundo reportagem do jornal O Globo, tornou-se um dos homens de confiança
de Crivella por ajudá-lo a viabilizar a doação de recursos de empresas e
pessoas físicas na campanha de 2016.
O RJ2 mostrou nesta sexta-feira (11) que
mensagens trocadas entre Rafael Alves, apontado como homem de confiança do
prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), e o marqueteiro Marcelo Faulhaber
revelam desavenças entre os integrantes do esquema montado na prefeitura do Rio
de Janeiro.
Em um dos trechos,
o marqueteiro chama Rafael Alves de "homem bomba" por conhecer
ilegalidades no governo. Faulhaber afirma que o prefeito tinha conhecimento dos
esquemas de corrupção.
Blog do Paixão