Sistema de colégio eleitoral faz com que cada estado tenha relevância
própria. Flórida e Pensilvânia têm peso especial; veja outros que merecem ser
observados.
Por Lucas Vidigal, G1
Eleições
nos EUA: saiba quais estados são os principais campos de batalha na disputa
A eleição presidencial dos EUA funciona
de maneira bastante peculiar: o candidato precisa de uma estratégia para vencer
de estado em estado até chegar ao mínimo de 270 votos do Colégio Eleitoral e, assim, eleger-se presidente.
Cada estado e o Distrito de Columbia
(capital) têm um número pré-definido de votos de delegados conforme a
população. O pequeno Vermont, por exemplo, conta apenas três, enquanto a
Califórnia, mais populosa, soma 55.
E a votação estadual funciona no
sistema apelidado de "o vencedor leva
tudo": o candidato a presidente que vencer em cada estado conquista o
direito a todos os votos em jogo no Colégio Eleitoral. Mesmo se a vitória
for por uma margem pequena.
Por isso, alguns estados são considerados essenciais para a estratégia da campanha de Donald Trump e Joe Biden. No jargão americano, receberam o nome de "battleground states" — ou seja, estados campos de batalha, na tradução do inglês.
Presidente
americano, Donald Trump, e o ex-vice-presidente Joe Biden durante o primeiro
debate presidencial nesta terça-feira (29), em Cleveland, Ohio — Foto: Patrick
Semansky/AP
Desses locais, alguns são importantes
porque costumam alternar entre eleger republicanos e democratas a cada eleição
— são os "swing states", ou "estados pêndulo". Outros
eleitorados chamam atenção das campanhas por características demográficas e
econômicas muito próprias que podem definir uma eleição em determinados
cenários.
Foi com a estratégia de vencer em votações chave que
Donald Trump se elegeu presidente em 2016. Ele virou o jogo da chamada
"parede azul" — estados do cinturão industrial que vinham votando em
candidatos democratas — e, assim, derrotou Hillary Clinton, mesmo saindo atrás no somatório geral de votos.
Veja abaixo quais estados serão os mais importantes nas eleições presidenciais americanas de 2020.
Estados
decisivos nas eleições presidenciais dos EUA — Mapa — Foto: Juliane Souza/G1
Flórida e Pensilvânia formam os
dois maiores campos de batalha nestas eleições, e as equipes de Biden e Trump
apostam fortemente na campanha nesses locais. Caso um deles vença em ambos os
estados, fica muito perto de chegar aos 270 votos no Colégio Eleitoral.
São
estados com características bastante diferentes:
·
A Flórida conta
com grande eleitorado de origem latina e alta população de idosos — a
segunda maior nos Estados Unidos. Além disso, é um clássico exemplo de estado
pêndulo: a preferência do eleitorado costuma variar. Trump venceu por lá em
2016.
·
Já os subúrbios da Pensilvânia podem
ser decisivos mais uma vez por causa dos eleitores da classe trabalhadora
e de baixa escolaridade, que também elegeram Trump há quatro anos e reverteram
décadas de predomínio democrata.
·
Flórida
·
A campanha de Trump na Flórida espera capturar o voto do eleitorado
latino, principalmente de descendentes de cubanos e de venezuelanos. O
republicano tem um discurso contundente contra o regime de Cuba e,
mais ainda, da Venezuela.
·
Do outro lado, os democratas tentam recuperar o eleitorado idoso da Flórida com
críticas à condução do atual presidente na pandemia do novo
coronavírus. O estado, inclusive, foi um dos mais afetados pela
Covid-19. Biden — que tem 77 anos — tem aprovação maior nesse eleitorado.
·
"A Flórida, para mim,
é o grande estado chave desta eleição. Há algumas semanas, achei que pendia
mais aos republicanos. Hoje, vejo vantagem democrata. Mas não sei ainda. Estou
interessada em saber qual a tendência de votação dos hispânicos e
afro-americanos nos próximos dias", diz Lonna Atkeson, professora de
ciência política da Universidade do Novo México.
·
Pensilvânia
·
Em um estado com grandes subúrbios, Biden tenta reverter o
descontentamento dos trabalhadores de industrias com os democratas — eleitorado
essencial para que Trump vencesse por lá em 2016. A estratégia da campanha da
oposição é captar a frustração da classe trabalhadora com o atual governo.
·
Para evitar perder no estado onde conseguiu uma vitória histórica quatro
anos atrás, Trump argumenta que defenderá o fracking, ou fraturamento hidráulico. Trata-se de uma
técnica de extração de gás natural do subsolo muito comum no estado e que
recebe críticas de ambientalistas. O republicano afirma que Biden acabará
com essa fonte de renda — de fato, o candidato democrata disse que
proibiria a prática em declarações no início da campanha.
· "Quando falamos dos subúrbios nesses estados do cinturão da ferrugem, é muito interessante: há uma divisão do eleitorado branco que as pesquisas de 2016 não captaram. E as fábricas desses locais, onde existe forte presença da classe trabalhadora branca, sofreram muito com a globalização", avalia Carlos Gustavo Poggio, doutor em relações internacionais e professor da Faap.
Estados
para ficar de olho na eleição presidencial dos EUA — Mapa — Foto: Juliane
Souza/G1
Há três estados com características
bem diferentes que valem um grande número de votos no Colégio Eleitoral e
também merecem atenção dos dois candidatos: Carolina do Norte, Ohio e Wisconsin.
Esses três estados mesclam eleitores
de diferentes perfis. Enquanto moradores das cidades grandes costumam votar em
candidatos do Partido Democrata, habitantes das áreas rurais preferem
republicanos. Assim, grupos específicos do eleitorado podem
desequilibrar a corrida para um dos lados.
Em 2016, Donald Trump venceu
nesses três estados — inclusive em Wisconsin, onde um republicano não
conquistava a maioria dos eleitores desde a vitória de Ronald Reagan, em 1984.
·
Carolina do Norte
·
O estado mescla eleitores rurais, republicanos ferrenhos, com jovens
cosmopolitas de universidades que tendem a votar em candidatos democratas. A
Carolina do Norte tem também outro segmento que pode decidir a eleição: o
eleitorado negro.
·
Desta vez, Trump aumentou a base de apoio nesse grupo, mas Biden ainda
aparece à frente em pesquisas. Os democratas, então, tentam convencer os
eleitores das cidades maiores e das universidades a saírem para votar e
reverter a tendência republicana que se repete desde 2012.
· "Em 2016, o eleitor negro do estado não foi tanto às urnas quanto em votações anteriores. E Trump ainda detinha larga vantagem do eleitorado branco. Biden tenta reverter isso", explica Poggio.
·
Ohio
·
A última vez que um candidato se elegeu presidente sem vencer em Ohio
foi em 1960, quando John F. Kennedy chegou à Casa Branca mesmo sem a
preferência dos eleitores do estado. O estado faz parte do "cinturão industrial da ferrugem", assim como
Pensilvânia, Wisconsin e Michigan.
·
Assim, Trump vai tentar reter os votos da classe trabalhadora de
baixa escolaridade que lhe deu vitória há quatro anos. Do outro lado,
Biden pretende retomar esse eleitorado para o Partido Democrata com discurso
sobre a frustração econômica no pós-pandemia.
·
Wisconsin
·
Um dos estados mais surpreendentes em 2016, Wisconsin mistura cidades
cosmopolitas como Milwaukee, subúrbios industriais e grandes zonas rurais.
·
Além dos temas que costumam estar em jogo como economia e empregos, os
eleitores também devem levar em consideração os debates sobre segurança
pública e racismo: a cidade de Kenosha, um subúrbio no
sul do estado, foi palco de confrontos em protestos após a operação policial que baleou Jacob Blake em
agosto — tema que deve dividir o eleitorado.
· "Os democratas querem tirar da mesa o tema dos protestos porque as opiniões sobre eles dependem muito da narrativa que se dá. Enquanto isso, eles tentam se debruçar sobre o desemprego e as mortes causadas pela pandemia, assunto que causa muita ansiedade", aponta Lonna Atkeson.
Estados
que podem surpreender nas eleições presidenciais dos EUA — Mapa — Foto: Juliane
Souza/G1
Há um grupo de estados considerados
estratégicos para as campanhas porque, no fim, podem acabar dando um
resultado diferente das tendências dos eleitorados locais. Um exemplo claro
dessa estratégia em 2016 foi Michigan, tradicional reduto democrata onde Trump
conseguiu vencer com a promessa de resgatar os empregos perdidos para as indústrias
de outros países.
Estados
que tendem a votar no Partido Democrata, mas onde pode dar Trump
·
Michigan — O estado no norte dos EUA continua neste patamar porque, embora
Biden apareça na frente das pesquisas, Trump pode retomar a dianteira se
resgatar os votos dos eleitores dos subúrbios que viram aumento nos
números de emprego antes da pandemia.
·
Minnesota — Um republicano não vence por lá desde Nixon, em 1972, mas Trump
tenta reverter a vantagem democrata com discurso de "lei e ordem" após
os protestos contra a morte de George Floyd em
uma ação em Minneapolis, maior cidade do estado.
·
Estados que tendem a votar
no Partido Republicano, mas onde pode dar Biden
·
Arizona — Apesar de o estado contar com grande população latina, é no
eleitorado branco frustrado com Trump que Biden tentará reverter uma sequência
de cinco vitórias republicanas. O democrata conta com apoio da família de John
McCain, ex-senador conservador morto em 2018 que fazia oposição ao atual
presidente, mesmo sendo do mesmo partido.
·
Geórgia — É outro estado do Sul onde Biden tenta reverter anos de predomínio
republicano com enfoque nos eleitores de cidades grandes, como Atlanta, e dos
subúrbios. Eleitores idosos do litoral, assim como na vizinha Flórida, podem
dar vantagem ao democrata.
· Texas — Embora Trump apareça com vantagem nesse tradicional reduto republicano, o Texas pode ser a grande surpresa de 2020 caso o eleitorado urbano e cosmopolita desequilibre a disputa a favor de Biden. Há dois anos, o democrata Beto O'Rourke perdeu a eleição para o Senado com diferença menor do que 3% para o republicano Ted Cruz, a menor desvantagem entre os dois partidos no estado em 30 anos.
Estados
pêndulo com menos delegados em jogo nas eleições americanas - mapa — Foto:
Juliane Souza/G1
O segundo distrito de Maine e o pequeno estado vizinho de New
Hampshire têm características semelhantes: são áreas bastante rurais onde
republicanos e democratas disputam a preferência do eleitorado.
Apesar da semelhança demográfica, o
segundo distrito de Maine foi vencido por Trump em 2016, enquanto New Hampshire
deu vitória a Clinton.
Já Iowa, na fronteira entre o cinturão industrial e a enorme e pouco
habitada região rural americana, vê uma alternância bem clara entre
candidatos republicanos e democratas. Barack Obama venceu por lá em 2008 e
2012, enquanto Trump ganhou em 2016.
O segundo distrito de Nebraska, outro estado a dividir localmente os votos no Colégio Eleitoral, pode
seguir a tendência do vizinho Iowa. Apesar da preferência conservadora nas
áreas rurais, o voto democrata na cidade de Omaha pode levar a região
a repetir 2008, quando Barack Obama venceu por lá.
Há, ainda, o árido estado de Nevada, que ajudou a eleger todos os presidentes entre 1980 e 2012 — do
republicano Ronald Reagan ao democrata Barack Obama. Em 2016, revertendo uma
tendência, os eleitores do estado preferiram Hillary Clinton por uma pequena
margem. Os seis votos no Colégio Eleitoral não foram suficientes, porém, para
dar a vitória à democrata.
E os outros estados?
Estados
com situação consolidada nas eleições presidenciais dos EUA — Mapa — Foto:
Juliane Souza/G1
Os demais estados apresentam
tendências claras de votação que devem se repetir em 2020. Surpresas são
sempre possíveis, mas as próprias candidaturas evitam gastar dinheiro em
campanhas em áreas que já têm preferência consolidada pelo partido adversário.
Por exemplo, as duas campanhas têm
como certa a vitória de Trump em Kentucky ou Oklahoma. Da mesma forma, Biden
deve vencer em Massachusetts e na Califórnia. Se algum resultado em
estados assim sair do padrão, até o candidato vencedor sairá surpreendido.
De olho na votação por correio
Pessoa
coloca carta em caixa do Serviço Postal dos EUA em Filadélfia, nesta
sexta-feira (14) — Foto: Rachel Wisniewski/Reuters
Por causa da pandemia de Covid-19,
mais eleitores enviaram seus votos por correspondência do que em qualquer outra
eleição. Como a regra para contagem e validação depende de cada estado, o tema tem se tornado ponto de tensão na
campanha dos dois candidatos.
"As coisas estão bem confusas para os eleitores, que veem isso com preocupação. Há o temor de que seus votos sejam invalidados", afirma a professora Lonna Atkeson, da Universidade do Novo México.
Na Pensilvânia, por exemplo, os votos
por correspondência só começam a ser contados depois que todas as urnas forem
fechadas. E ainda precisam passar por checagem de fiscais para avaliação se a
cédula é ou não válida.
Ou seja: um dos estados essenciais na
busca pelos 270 votos no Colégio Eleitoral pode levar dias até que a apuração
seja concluída. Isso pode apresentar distorções nos resultados parciais e criar
impasses entre as duas candidaturas — em um momento de forte polarização.
Sistema eleitoral dos EUA tem características que
podem retardar resultado da eleição
A população americana não elege diretamente o presidente. Ela vota pra eleger os eleitores, os delegados do colégio eleitoral, que então vão votar para presidente. O voto da população também pode ser pelo correio. Esse ano ele é recorde e o centro da polêmica.
Por Jornal Nacional
Nessa campanha eleitoral, o presidente Trump provocou espanto, em uma entrevista, quando um repórter perguntou se, em caso de derrota nas urnas, ele se comprometeria a fazer uma transição de poder tranquila para o sucessor e Trump respondeu: "Teremos que ver o que acontece em novembro".
Essa resposta provocou
uma preocupação imediata, porque o sistema eleitoral americano tem
características bem particulares, que podem retardar muito o resultado oficial
da eleição.
A população
americana não elege diretamente o presidente. Ela vota pra eleger os eleitores.
São os tais delegados do colégio eleitoral, que então vão votar para
presidente.
O voto da população
também pode ser pelo correio. Esse ano ele é recorde e o centro da polêmica.
A campanha de Trump
montou um batalhão que já avança pelos estados em uma guerra judicial contra o
voto nos envelopes. A contagem, que levaria dias, pode ser contestada por
semanas.
Então, em uma
apuração assim confusa, a gente espera que a Justiça Eleitoral, o TSE, entre em
jogo e resolva as dúvidas, né? Mas os Estados Unidos não têm um TSE. Não têm
nem uma Justiça Eleitoral federal. Cada estado cria sua própria legislação.
Um caso assim pode
terminar em um problema sem precedentes: o mandato do presidente acaba, e ainda
não há o outro presidente eleito para assumir. E surgem três cenários.
Os governadores país
afora podem indicar a lista dos delegados, independentemente de que partido
ganhou no voto popular. Se olharmos para os estados-chave, listas enviadas por
governadores republicanos podem decidir a eleição a favor de Trump. Mas ações judiciais
dos democratas podem impedir ou questionar essas listas.
O impasse, então,
leva para o segundo cenário possível: a Suprema Corte, onde juízes indicados
pelo Partido Republicano já são maioria.
Em 2000, na disputa
entre o republicano George W Bush e o democrata Al Gore, uma decisão da Suprema
Corte acabou dando a vitória a Bush. Mais de um mês depois da eleição. E isso
foi em apenas um estado, na Flórida. Agora os processos devem vir de todo o
país.
Se dessa vez demorar
mais, chegamos ao terceiro cenário possível, uma decisão da Câmara dos
Deputados. Sim, a Câmara tem maioria democrata. Mas não, não é tão simples. No
caso da decisão de uma eleição sem resultado, a votação não é normal, com os
430 deputados. Cada estado tem apenas um voto, que é decidido pelos deputados
de suas bancadas.
Isso cria um
equilíbrio de forças completamente diferente. A Califórnia, por exemplo, tem 53
deputados - 45 são democratas. Seria um voto a favor de Biden. O estado do
Kansas tem só quatro deputados; como três são republicanos, o voto do estado
iria para Trump.
Hoje, em 26 dos 50
estados americanos, as bancadas têm mais deputados republicanos. Esses cenários
são inéditos e com consequências imprevisíveis. Uma delas pode ser o aumento da
violência por motivos políticos, que a gente já está vendo, como os confrontos
entre ativistas negros e milicianos brancos que já resultaram em mortes durante
protestos.
Blog do Paixão